domingo, 20 de fevereiro de 2011

"E depois inventa-se uma história para explicar tudo"

Paula Rego, "a nossa pintora em Londres", recebeu na passada semana, em Portugal, uma distinção académica importante: o Doutoramento Honoris Causa, pela Universidade de Lisboa. Disse nessa ocasião: «Tudo o que se faz é às escondidas, portanto pode-se fazer o que se quiser. Pode-se castigar quem não se gosta e quem se gosta. E depois inventa-se uma história para explicar tudo.»

Na infância, sempre na infância, pode encontrar-se a formação da capacidade de Paula para inventar e reiventar histórias que "explicam tudo" o que existe no mundo real e noutros que, não sendo reais, não deixam de o ser. Neste caso, a solidão ajudou a formar o pensamento e a dar jeito à mão que o exterioriza. Assim ela o conta frequentemente, e o dá a conhecer por escrito John McEwen, crítico de arte que há trinta anos se deixou envolver pela fantasia pictural que os quadros mágicos deixam perceber:

"O quarto de dormir da Paula era no andar de cima, autêntico refúgio para uma filha única. Ao contrário da animação em casa dos avós, onde lhe era permitido estar na cozinha, e onde a avó ajudava a preparar as refeições, a vida com os pais seguia um ritual estrito. Levavam uma vida retirada, e não queriam que a Paula convivesse com os criados. Acrescentar que nessa época ainda não havia televisão. As crianças, muito mais do que hoje em dia, tinham que arranjar maneiras de se entreter. O grande recurso para a Paula eram os brinquedos, sobretudo um teatro espanhol que tinha pertencido ao pai; e os desenho. Acima de tudo - desenhar. Conta a mãe:

Lá estava ela constantemente a fazer um som na sala - bum, bum, bum - sem parar. Era um sossego ouvir aquele som - porque enquanto ela entoava aquele bum, bum, eu sabia «Ah, a Paula está contente. Está a desenhar, está contente.» E, sabe, uma coisa, ela continua a fazer aquele barulho - bum, bum, bum, e continua a desenhar no chão - ainda hoje, depois de todos estes anos.

A pintura é uma actividade solitária, e Paula achou sempre que o isolamento da sua infância foi uma bênção. «Aqueles anos de infância passados assim, sozinha num quarto foi o melhor treino que podia haver para uma artista».

Mas a actividade criadora criadora não era a única coisa que a mantinha feliz agarrada ao quarto. «Foi no Estoril que eu primeiro tive consciência do mundo exterior, de uma realidade fora de casa - e isso aterrorizava-me ao máximo. Minha mãe diz que eu tinha medo das moscas, me eu tinha medo de tudo. Até as outras crianças me assustavam. Era horrível quando eu me encontrava lá fora. Um autêntico pavor». Felizmente que a praia não tinha o mesmo efeito. A praia era para ela um quarto de brinquedos ao ar livre.

Não há dúvida que o talento artístico de Paula algo ficou a dever à mãe. É aliás através da mãe que ela é uma prima afastada de Vieira da Silva, mulher também, e a figura artística portuguesa mais célebre internacionalmente. Maria Rego, que hoje se recusa a levar a sério os seus esforços como pintora, chegou a frequentar, muito jovem, uma escola de arte em Lisboa, actividade considerada mais convencional no meio português do que em Inglaterra. maria continuou com a pitura a óleo durante largo tempo, já casada. Luzia, a velha criada, que se ocupava de Paula, ainda hoje tem um pequeno quadro de Maria, sensível e de hábil factura."

Referência:
McEwen, J. (1998, 2.ª edição). Paula Rego. Lisboa: Quetzal Editores (tradução de Alberto Lacerda), página 18.

1 comentário:

Marta Bellini disse...

Seus quadros sao maravilhosos.

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