terça-feira, 30 de novembro de 2010

Levava eu um jarrinho

Há setenta e cinco anos morria Fernando Pessoa. Na rádio e em jornais faz-se, muito justamente, referência a esta data por motivos literários.

Assinalo-a, porém, por outro motivo, um motivo que diria ser triste e lamentável: a ausência da poesia deste nosso clássico maior nos manuais escolares do 1.º Ciclo de escolaridade (se não é uma total ausência é próxima disso).

E isto é tanto mais incompreensível se soubermos que Pessoa escreveu poemas lindíssimos para os meninos e as meninas... Que meninos e meninas não gostariam de um poema como o "Levava eu um jarrinho"? A que meninos e meninas não beneficiaria o estudo de poemas como este, sob o ponto de vista da leitura, do vocabulário, do ritmo que se consegue com as palavras, da compreensão...?

Levava eu um jarrinho

Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás

De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,

Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.

Pode o leitor ouvir este poema dito por Manuela de Freitas aqui.

12 comentários:

Anónimo disse...

O mal de Pessoa é que nunca terá sido... menino. JCN

joão boaventura disse...

Boa homenagem a Fernando Pessoa, do qual reproduzo outras poesias.

Quando as crianças brincam
Eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
[...]
(Pessoa, 1965, p.169)


O carro de pau
Que bebê deixou...
Bebê já morreu
O carro ficou..
O carro de pau
Tombado de lado...
Depois do enterro
Foi ali achado...
[...]
(Pessoa F. In: Neves: 1988, p. 11)

Havia um menino,
que tinha um chapéu
para pôr na cabeça
por causa do sol.
Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.
Por isso ele andava
depressa, depressa
p’ra ver se chegava
a casa e tirava
o tal caracol
do chapéu, saindo
de lá e caindo
o tal caracol.
Mas era, afinal,
impossível tal,
nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo.
(Idem, p.07)

Para não encher este comentário com mais poesias, proponho a leitura das restantes no texto Fernando Pessoa e Cecília Meireles: o Encontro entre Poesia e Criança, da autoria de Alice Áurea Penteado Martha, apresentado no IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, em Maio de 2001, e que decorreu na Universidade de Évora.

Vale a pena ler porque nos contempla com mais poesia pessoana, “entre Poesia e Criança”.

Anónimo disse...

Efectivamente, não é pela literatura infantil que Pessoa se afirma! JCN

Fernando Martins disse...

Curiosamente, ao contrário do que se diz no post, os jornais (com excepção d'A Bola - estpu a falar das edições na Internet) não falaram dos 75 anos da morte de Pessoa...

Anónimo disse...

Que outros "motivos" poderia haver... além dos "literários"? JCN

Anónimo disse...

CAVALINHO DE FEIRA

Quando eu era pequenino
e por certo bom menino
tive um cavalo de feira,
todo feito de madeira,
que, conforme fui crescendo,
ele se foi convertendo
numa espécie de lembrança
dos meus tempos de criança,
a que me julgo voltar
sempre que o vejo ao passar
em frente da prateleira
dos meus brinquedos de feira,
entre os quais o cavalinho
feito em madeira de pinho!

(Autor desconhecido)

JCN

Anónimo disse...

Segurando um pucarinho,
Joãozinho foi ao vinho,
mas caindo no caminho
deu cabo do pucarino,
entornando todo o vinho:
ai do púcaro, ai do vinho,
ai do cu do Joãozinho!

(Cancioneiro popular)

JCN

Anónimo disse...

"Tournez, tournez, chevaux de bois"

Verlaine

Sem saber por que razão
vieram-me hoje à lembrança
meus brinquedos de criança
de madeira e papelão.

Hoje é tudo diferente,
custando muito dinheiro,
coisas vindas do estrangeiro,
nunca se estando contente.

As crianças sem cessar
estão sempre a pedir mais
aos seus pais e suas mães.

Por não ser menino mau,
eu tive para montar
um cavalinho de pau!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

CHEGA, PÁ!

Já sem pachorra para o aturar
pois só falava contra os fariseus,
a Mãe disse a Jesus, filho de Deus:
"Toma lá uma bola... e vai brincar"!

E deu-lhe, sem pensar no que fazia,
a própria terra que ela tinha à mão
e que Jesus teria por missão
remir com sua trágica agonia.

Mesmo depois de já não ser menino
a conservou até morrer na cruz,
como se fosse sempre pequenino.

Com a bola na mão, dada por bem,
ainda agora assim se reproduz
ao colo da Senhora Sua Mãe!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

Eu nem sabia que Fernando Pessoa não se estudava na escola... Se me perguntarem se gosto de ser portuguesa, eu só poderia dizer: sim, porque é na língua desse país que escreveu um dos maiores poetas do mundo inteiro, mortos, vivos ou por nascer, e, como a poesia é "intraduzível", como poderia eu usufruir, sendo estrangeira, dessa pátria, desse bem? Sim, eu gosto de ser portuguesa, porque sei ler espanhol, inglês e traduções de romances de outras línguas, como a russa, a francesa e a alemã. Tirando isso, preferia ser inglesa. Muito mais fácil, nem tinha que aprender línguas!
Ana

Anónimo disse...

Em que prateleira... me coloca a mim? JCN

Anónimo disse...

É verdade que Fernando Pessoa escreveu poemas lindíssimos e alguns cheios do seu peculiar sentido de humor que poderiam (e deveriam) ser dados a conhecer ainda no 1.º ciclo. Não vejo motivos para que tal não se faça. Entretanto, enquanto esses poemas não são incluídos nos próprios manuais escolares, talvez fosse uma boa ideia as bibliotecas das escolas do 1.º ciclo adquirirem o livro "Fernando Pessoa, o menino da sua mãe" de Amélia Pinto Pais, que, precisamente, apresenta o poeta às crianças, de forma a que a valorização da sua poesia seja cultivada desde cedo e na medida certa.
Célia

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...