Tiago Fleming Outeiro é Investigador Principal do Instituto de Medicina Molecular, Professor de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa e Sub-Director do Jornal "Ciência Hoje". A entrevista foi publicada no "Diário de Coimbra".
António Piedade - O que é a doença de Parkinson?
Tiago Fleming Outeiro - A doença de Parkinson pertence ao grupo das doenças do movimento, sendo caracterizada por rigidez muscular, tremor em repouso, e bradicinésia, para além de instabilidade postural. Estes sintomas advêm da perda de neurónios dopaminérgicos de uma região do cérebro que se chama substância negra.
AP - O que é que sabemos sobre as suas causas?
TFO - Sabemos ainda pouco, apesar do muito que evoluímos nos últimos 15 anos. Sabemos que 10% dos casos têm origem genética, devido a alterações que ocorrem num de 15 genes já identificados, e sabemos que a vasta maioria dos casos são esporádicos, ou seja, sem causas conhecidas. Por outro lado, sabemos ainda que há factores ambientais que podem aumentar o risco de aparecimento da doença, como a exposição a certos pesticidas. Mas, no essencial, não somos ainda capazes de prever a origem da doença.
AP - Se há genes associados à doença, isso significa que, nas pessoas portadoras, há proteínas que se expressam, nos neurónios, de forma não funcional. Sabe-se alguma coisa sobre a regulação da expressão dessas proteínas? A sua expressão é mais intensa em algum período da vida?
TFO - Há proteínas que têm mutações cujas consequências não compreendemos totalmente. Não sabemos se se tornam não-funcionais, ou se adquirem funções tóxicas. Por outro lado, a expressão de algumas proteínas pode estar alterada, levando a uma produção excessiva. Contudo, não sabemos se há variações na expressão destas proteínas ao longo da vida... Não há estudos que o demonstrem... Mas pode ser que aconteça dessa forma.
AP - Há algum papel das células da glia no desenvolvimento e progressão da doença?
TFO - As células primariamente afectadas na doença de Parkinson são os neurónios. As células da glia são outro tipo de células que existem no cérebro, em número bastante superior ao número de neurónios, e que permitem que estes funcionem de forma normal. Recentemente, tem-se dado mais importância às células da glia, uma vez que parecem poder influenciar o funcionamento dos neurónios e contribuir para a sua morte. No entanto, não sabemos ainda exactamente o seu papel, ou como as poderemos manipular para evitar que causem problemas aos neurónios.
AP - Que terapias estão hoje disponíveis para minorar os sintomas da doença?
TFO - Actualmente só existem, de facto, terapias sintomáticas. Não dispomos de terapias capazes de travar a progressão, ou de impedir o aparecimento da doença de Parkinson. Quanto às terapias sintomáticas, existem as farmacológicas, em que se procura modular os circuitos neuronais afectados - os dopaminérgicos, essencialmente, através da administração de dopamina. Outra estratégia utilizada actualmente consiste na estimulação cerebral profunda, uma técnica cirúrgica em que se estimulam zonas do cérebro que não estão a ser devidamente estimuladas, pela morte neuronal que é característica da doença. Esta é uma terapia com riscos, e que não é indicada para todos os casos, mas que apresenta bons resultados em muitos doentes.
AP - Sob que perspectivas flui hoje a investigação sobre a doença de Parkinson?
TFO - Há várias linhas de investigação importantes actualmente. Por um lado há a genética, onde se tentam identificar novos genes associados à doença. Por outro lado há estudos epidemiológicos onde se tentam identificar factores ambientais protectores ou de risco. Há depois os estudos moleculares, onde procuramos explorar diferentes organismos modelo, desde as leveduras aos ratinhos ou macacos, para compreender o que se passa dentro das células para as tornar disfuncionais e levar à sua morte. Temos ainda os estudos clínicos, onde se procura testar a eficácia de novas estratégias terapêuticas.
AP - E as investigações com células estaminais?
TFO - É uma área em crescimento, e promissora, mas que ainda dominamos pouco. Não basta só sermos capazes de obter neurónios a partir de células estaminais. Temos de saber como os introduzimos nas zonas afectadas no cérebro, e como reconstituir os circuitos afectados. Não é uma tarefa nada fácil.
AP - Quais são, para si, os marcos mais relevantes na história do nosso conhecimento sobre a doença de Parkinson?
TFO - Em 1817 a doença foi descrita, por James Parkinson. Mais tarde, Lewy identificou os agregados proteicos característicos da doença, os corpos de Lewy. Nos anos 60, foi introduzida a estratégia terapêutica que ainda hoje é utilizada, a administração da L-DOPA. Em 1997 foi identificado o primeiro gene associado à doença de Parkinson, que codifica a proteína alfa-sinucleína, e que é também o principal componente dos corpos de Lewy. Desde então, vários outros genes têm sido identificados, e os mecanismos moleculares têm sido esmiuçados com mais pormenor. Esperamos que os próximos marcos passem pela identificação clara de alvos terapêuticos que possam ser utilizados em ensaios clínicos.
AP - A investigação relevante que faz com simples leveduras pode ajudar na identificação desses alvos terapêuticos?
TFO - Sem dúvida! Já tem ajudado! O importante é colocarmos as questões certas com os diferentes organismos que utilizamos como modelo de estudo. As leveduras são um modelo simples, mas extremamente bem estudado, o que nos permite compreender mais a fundo mecanismos moleculares complexos, que são difíceis de estudar noutros modelos. Recentemente, os estudos com as leveduras permitiram-nos identificar alvos que estão a ser testados noutros modelos, e que podem, um dia, vir a ser utilizados na prática clínica. O tempo o dirá.
3 comentários:
Saúdo, como muito bem vinda, a intensificação de textos, entrevistas... de carácter científico e que permitem, aos leigos, como eu, aumentar o seu seu conhecimento sobre o mundo.
Sempre foi a razão pela qual visito regularmente este blogue e continuei a visitá-lo mesmo apesar das intervenções ideologicamente vincadas de alguns dos dinamizadores do blogue tenham deixado muito a desejar em termos de argumentação racional e sólida.
Conheci uma senhora que tinha a doença de Parkinson, e uma vez perguntei-lhe se sabia as causas que a levaram ao estado de tremura nas mãos.
Respondeu-me que costumava fazer bolos para vender, mas, como não tinha máquina para bater os ovos e a massa, as mãos é que desempenhavam a tarefa.
Contou-me o caso com muita candura e inocência porque concluiu:
- Olhe... fiquei a bater ovos para toda a vida.
E, de facto, os movimentos das duas mãos acusavam os gestos de quem batia ovos, enquanto viveu.
Olá, blogueiro (a),
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