sexta-feira, 9 de julho de 2010

VEM AÍ O SALMÃO TRANSGÉNICO?


Artigo meu saído no semanário "Sol" de hoje:

Há quem lhe chame Frankensalmon, por analogia com Frankenstein. Mas talvez essa analogia seja exagerada. Facto é que, segundo informa o New York Times de 25/6/2010, uma empresa norte-americana, a AquaBounty Technologies, espera para breve a aprovação pela agência norte-americana do sector dos alimentos, a Food and Drug Administration – FDA, de um salmão transgénico. Esse peixe, baptizado de AquaAdvantage, não passa de um vulgar exemplar como há nas águas frias do Atlântico, pois tem o mesmo aspecto e o mesmo sabor. Mas oferece aos seus produtores uma enorme vantagem relativamente ao salmão comum: cresce em metade do tempo. O crescimento rápido do salmão consegue-se por adição de duas “peças” genéticas, provenientes de outros peixes, um é o gene de uma hormona de crescimento fornecido por um “primo” mais avantajado, e outra é um interruptor genético que vem de um “parente” mais afastado.

Já foram passadas as primeiras fases do processo de aprovação pela FDA, pelo que a chegada do novo salmão ao prato está mais próxima. Mas o tema dos transgénicos é controverso, não só nos Estados Unidos como em todo o mundo. No mercado existem vários transgénicos vegetais, que, nalguns casos, entram em rações de gado, mas o salmão é um dos primeiros transgénicos animais para consumo humano directo. A oposição a todos eles é liderada por movimentos ecologistas, que expressam alto e bom som os seus receios. Acentuam o desconhecimento que existe a respeito de espécies com elementos artificiais e invocam o princípio da precaução. A maioria da opinião pública está com eles, o que não admira dado ser normal o medo do que é invisível (os genes não se vêem a olho nu!) e do que é desconhecido (serão os organismos modificados danosos?). Na Europa a discussão sobre os transgénicos tem sido muito viva e a Comissão Europeia, depois há pouco tempo ter autorizado o cultivo de algumas novas espécies, como a batata da BASF, quer passar a “batata quente” para os estados membros, permitindo que cada um deles regule o assunto a seu bel-prazer.

Por seu lado, os defensores dos alimentos transgénicos sustentam que a qualidade do produto é rigorosamente a mesma (o novo salmão contém os mesmos nutrientes, como as gorduras ómega-3, que diminuem os riscos cardiovasculares). Que é possível evitar cruzamentos com outras espécies (os peixes transgénicos crescem em viveiros marinhos e as fêmeas são estéreis). E que, com as novas fontes de proteínas, será possível atender às necessidades cada vez maiores da população mundial sem afectar a ecologia dos mares nem aumentar as emissões de carbono (na Ásia os transgénicos têm maior receptividade do que nos Estados Unidos e na Europa). A discussão está aí para dar e durar...

5 comentários:

Anónimo disse...

Nunca fiando!

Nuno Silva disse...

Não deixa de ser curioso que: (1) algumas pessoas ainda tentem fazer-nos crer que é possível ao Homem, com base em alguns anitos de experiências num laboratoriozeco algures, fazer «rigorosamente o mesmo» que a natureza aprendeu a fazer após milhões de anos de aperfeiçoamento, (2) que as mesmas pessoas ainda tentem fazer-nos crer que é possível ao Homem fazer o ponto 1 em metade do tempo que da natureza, (3) que haja quem acredite nos pontos 1 e 2 e (4) que continuem milhares de pessoas a morrer diariamente por inanição, após tantas avanços e patentes aprovadas em prol do atendimento às «cada vez maiores necessidades alimentares» do mundo.

Nunca gostei de aldrabões. Nem de ingénuos.

Gostaria bem mais que se limitassem a dizer a verdade: «olá mundo, viva, temos aqui esta coisa nova, andámos um pouco a brincar ao jogo «a natureza somos nós» mudando aqui e ali uns genes disto e daquilo para ver o que dá, não temos grande certeza dos impactos nem dos efeitos secundários porque ainda não tivemos tempo para saber mas estamos aqui loucos por ganhar uns violentíssimos biliões despejando estas coisas para o mercado, que tudo come, e, talvez, daqui a umas décadas, quiçá, possamos saber se a coisa foi relativamente inócua ou nem por isso.
Ao menos seria honesto e não tínhamos que ouvir sempre as mesmas patranhas quanto às virtudes disto e daquilo para ajudar a acabar com a fome no mundo.

joel_m disse...

quando eles dizem que "a qualidade do produto é rigorosamente a mesma" estão a referir-se apenas à composição química do bicho, que supostamente é tão nutritivo como o natural, mas aposto que a textura e o paladar do ente transgénico seja aquilo que se sabe por exemplo da maioria da aquacultura selvática que existe por aí. quanto à questão de estes seres transgénicos não se cruzarem com os indivíduos não-transgénicos fico muito com o pé atrás. muito mesmo

Margarida Silva disse...

[Continuação do comentário anterior]


Ah, mas por isso mesmo é que eles vão esterilizar os animais. Não resolve tudo? Bem, quem é que acredita que, em milhões de animais que seriam vendidos por ano, todos seriam estéreis? E quem é que ia fiscalizar que o método de esterilização estava mesmo a funcionar a 100%? Estão a ver a ideia. Ao azar, para acontecer, basta-lhe que haja um engano. Uma falha no controlo de qualidade. Um erro em muitos milhões de unidades.

E esta ideia da esterilização acarreta outro sobressalto. Ninguém se sente incomodado pelo facto de a engenharia genética, para ser posta em prática, ter de bloquear a vida? Ter de retirar à vida uma das suas características mais intrínsecas, que é a capacidade reprodutiva? Será que o que fica ainda é vida, ou são peças de Lego? Consoante o método que eles possam vir a utilizar para esterilizar os peixes, se for um de base genética (como está a ser desenvolvido para plantas), o que é que isso pode significar em consequência de uma potencial introdução dessa "característica" numa população selvagem? Tudo questões que ficam sem resposta quando a única pergunta que interessa é a do lucro.

Eu poderia comentar outros aspectos do artigo do Fiolhais que me parecem paupérrimos do ponto de vista de uma boa investigação jornalística. Por exemplo quando diz que a Comissão pretende que os Estados Membros decidam sobre a questão dos transgénicos "a seu bel-prazer". Nada poderia estar mais longe da verdade e os desenvolvimentos recentes demonstram o que se previa. Mas talvez esses dados só se tornem aparentes quando pesquisamos para lá das manchetes.

Caro Fiolhais: que pena.

Margarida Silva
bióloga

Margarida Silva disse...

[vou postar o meu texto em dois comentários consecutivos, porque não cabe tudo num]

Caro Fiolhais,
Espera-se dos cientistas que consigam controlar o suficiente o seu deslumbramento face à tecnologia para conseguir manter uma atitude saudavelmente crítica. Não me parece que tenha havido a preocupação em pesquisar este assunto o suficiente para ter sido aqui o caso. Para além do enviesamento linguístico que deixa entrever uma posição de partida já bem definida (os ambientalistas "expressam alto e bom som", enquanto que os defensores "sustentam" – a mensagem subliminar nítida é que os defensores têm uma atitude muito mais razoável), torna-se aparente uma certa ingenuidade. Desde quando é que a indústria iria reconhecer, por sua iniciativa, que o salmão GM (geneticamente modificado) era diferente do convencional? Isso seria auto-golo. E no entanto estes peixes GM são diferentes, a muitos níveis. São maiores, por exemplo. Alguém discorda desta afirmação? E o facto de serem maiores já faz toda a diferença: Howard et al (ver artigo em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC365723/) dizem, a respeito da introdução acidental de peixes transgénicos (maiores) no ambiente, o seguinte: "When both of these fitness components are included in our model, the transgene is predicted to spread if GM individuals enter wild populations (because of the mating advantage) and ultimately lead to population extinction (because of the viability disadvantage)". Ou seja, os transgénicos podem levar a extinção a população onde se introduzam, e em apenas 50 gerações, de acordo com o modelo desenvolvido por este grupo. Parece-me que isto é uma diferença significativa, e que devia ter sido considerada por quem tem a obrigação de ler para lá da publicidade empresarial.

Mas o aspecto que referi talvez nem sequer seja o mais significativo. Mais interessante ainda é a dificuldade tremenda em sequer analisar o risco envolvido na aquicultura destes animais, tal como descrito por um dos autores anteriores em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1299107/
De facto, de acordo com o explanado neste último documento, nunca saberemos a priori senão uma fracção do que estes animais podem implicar – e onde a ciência não tem capacidade de chegar é onde os cientistas devem escrever menos na afirmativa e mais na interrogativa.

Ainda um dos autores do artigo científico referido explicou em entrevista (ver por volta do minuto 49 em http://www.stopogm.net/?q=node/278) que as rupturas de redes e perdas de peixe em aquacultura são frequentes, tendo lembrado um exemplo em que de uma vez só escaparam cerca de cem mil peixes. Por outras palavras, "shit happens". Além de que este tipo de acidentes representa um tipo de poluição que, uma vez libertada, se pode multiplicar e estabelecer de forma irreversível.

[Continua no comentário seguinte]

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