domingo, 21 de fevereiro de 2010

"Há coisas que não se podem reparar"

Na sequência de texto anterior A pressão para trabalhar mal e doutros mais antigos sobre a temática do erro, bem como de comentários dos nossos leitores, registo o que se segue.

Em 2002, o escritor Richard Zimler afirmou que são...

“... raras as pessoas capazes da honestidade e da coragem moral de aceitar as responsabilidades por quaisquer problemas. Se há doentes em diálise envenenados com alumínio, nunca é por culpa de nenhum médico, enfermeiro, técnico ou administrador… Na verdade, a culpa não é de ninguém! (…) Alguém já viu algum ministro, algum reitor de uma universidade ou um director de empresa reconhecer numa conferência de imprensa: «É verdade, tomei uma decisão errada e o que vamos fazer para a corrigir é o seguinte…»? Por mim, nem uma única vez. Como ninguém assume a responsabilidade pelo que quer que seja, os problemas ou nunca são resolvidos, ou são resolvidos lentamente e de forma incompleta."

Os estudos científicos que incidem no tratamento do erro tendem a dar-lhe razão. Efectivamente, as condições relacionais e pessoais em que grande parte das actividades profissionais decorre são propícias ao seu encobrimento, ao seu rápido esquecimento, quando não à sua negação.
Como o epistemólogo Karl Popper referiu essa é a nossa tendência natural (também podendo ser entendida como fruto de uma longa aprendizagem), que se impõe contrariar, em nome da rectidão, da seriedade e do progresso do conhecimento.

E isso está a acontecer. Como excepção, admito, mas, ainda assim, está a acontecer, constituindo um incentivo moral e prático para quem, por múltiplas razões, não pretende esconder ou mistificar erros seus ou alheios, que, ao contrário, sente ser seu dever encará-los, assumi-los e comunicá-los, ainda que eles seja extemos, que não haja forma de os reparar.

Nessa medida, depoimentos como o de António Barba Ruiz de Gauna (na fotografia em cima), Director do Hospital Gregorio Marñón, de Madrid, sobre um erro que conduziu à morte de um criança, o pequeno Rayan, são de guardar na nossa memória:

"O pessoal da enfermaria...., custa-me dizer estas coisas, mas tenho de dizê-las, num determinado momento confundiu uma medicação - ou melhor, a via de administração para que percebam bem - da alimentação do bebé, administrada por sonda nasogástrica, como deve ser feito no caso de um prematuro, confundiram-na com a via venosa. O Hospital Gregorio Marñón assume todas as responsabilidades possíveis, tanto humanas como patrimoniais. Sabemos que há coisas que não se podem reparar, estamos completamente de acordo..." (13 de Julho de 2009).

10 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Vá dando notícias destas, professora Helena Damião. A ver se nos contaminam. É que cá no país não tenho conhecimento de nada do género: na educação, na justiça, na saúde, na segurança social, na administração central ou local, nas forças armadas e militarizadas, etc, etc. Só mesmo na vida pública dos humildes, como no caso daquela senhora que um dia destes encontrou cerca de nove mil contos (ou coisa que o valha, em moeda antiga)e correu e entregá-los às autoridades. Também conheço (vários) casos individuais de igual nobreza. Mas isso não o vejo extensível ao povo que somos. Bastaria numa conversa de café alguém assumir que faz questão de pagar impostos para não ser particularmente apreciado. Ao contrário ainda não há muito assisti à confissão de uma funcionária pública (não especifico mais...)que trabalhando numa instituição e ocupando o mesmo cargo e escalão do marido, que trabalhava noutra instituição (pelo que não lhe faltava termo de comparação), de que andou um ano a fazer-se de "inês", ganhando mais uma quantia mensalmente, que a secretaria lhe pagava indevidamente, por engano. Pois esta senhora gabou-se de, quando foi chamada a contas, não assumir qualquer responsabilidade e mais se gabou de, uma vez que já havia passado demasiado tempo para o estado reclamar, de não ter sido obrigada a qualquer devolução. Acrescento só que, entre os que ouviram, e foram vários, foram muito mais a felicitá-la e a apreciá-la e muito muito menos, os que expressaram incomodidade.
E o que vemos no topo da pirâmide sócio-política não é de molde a entusiasmar qualquer português. Ora veja-se:
O senhor presidente da república ganha um vencimento por ter sido primeiro ministro, ganha outro por ter sido professor universitário, um outro por ter sido governador do banco de portugal e mais ainda o que lhe é devido como presidente da república. E é um homem honesto. O (ainda) senhor governador do banco de portugal ganha mais (pelo que dizem) do que o governador (ou equivalente) do banco dos EUA: comparem-se os PIBs e os vencimentos... O candidato a presidente da república Manuel Alegre, autor de belíssimos versos, não tem pejo em receber uma pensão por ter trabalhado um mês e tal aos microfones da radiodifusão portuguesa a seguir ao 25 de Abril, pese embora ter continudado sempre a fazer descontos (situação que não lhe devia ter sido permitida, quanto muito devolviam-lhe o que lhe descontaram acrescido dos valores da inflacção de cada ano entretanto passado). O engenheiro Mira Amaral trabalhou uns meses na Caixa Geral de Depósitos e ficou a receber uma pensão tão grande,que o Dr Bagão Félix, salvo erro, a classificou de obscena. E a lista podia continuar. Ora, se estas pessoas são as elites sócio-políticas do país, pessoas de bem e honestas, com que sensação havemos nós, as pessoas comuns, de ficar? E que sentimentos nos poderão assaltar quando educamos os nossos filhos, as nossas crianças e os nossos alunos?
Que noções de rectidão e seriedade prevalecem, quando estas pessoas de sucesso nos garantem que estão de "consciência tranquila", como agora (tanto) se diz?
Como contrariar isto, num país como o nosso?

joão boaventura disse...

Salazar faz o contraditório.

Como Presidente do Conselho quis sempre auferir o vencimento de professor universitário do que o das funções que ocupava.

Em S. Bento ordenou que fossem montados dois contadores, de água e de luz: os gastos de consumo do local de trabalho, seriam pagos pelo Estado; os da habitação, seriam pagos por ele.

Anónimo disse...

J. Boaventura: isso demonsra que um vil ditador e amigo da PIDE pode ter outras motivações que não o dinheiro.

Anónimo disse...

J. B. da Ascensão: em geral as pessoas não são frades nem têm o espírito de sacrifício sificiente para praticarem a esmola como o cristianismo e o islamismo explicitamente recomendam e provavelmente outras religiões. Deveria V. mostrar que nos factos que cita há ilegalidades. Se mão há, que fazer? O que eu ganho ou V. é, se calhar, escandaloso para quem ganha o ordenado mínimo ou menos. V. vai dar esmolas ou abdicar a favor dos pobres do que lhe é devido? Mas há muita imprecisão no que afirma. Só um exemplo: Alegre não tem a reforma por ter trabalhado uns meses mas por ter descontado trinta e tal anos. Nem temos nenhuma lei que permita reformas por um trabalho de meses.

José Batista da Ascenção disse...

Não consigo preferir uma qualquer ditadura a uma má democracia. Nem simpatizo, por razões histórico-culturais e familiares, com a figura de Salazar.
Mas reconheça-se o que parece ser objectivo, embora não atenuante: o homem vivia com modéstia e fez-se sepultar em campa rasa. Tal despojamento não parece ser característica de muitos arreigados democratas.
O contraponto (ou contraditório?) fá-lo-ia eu com outra situação que me comunicaram por verdadeira: parece que o general Ramalho Eanes teria direito a, também ele, acumular vencimentos, da instituição militar e da presidência, se Mário Soares se tivesse despachado, enquanto governante, a por em andamento os necessários formalismos. A coisa ter-se-á arrastado longos anos, e quando finalmente Ramalho Eanes ficou em condições de se aboletar com proventos em duplicado, decidiu, com a sisudez que o caracteriza, optar apenas por um deles. Assim mo contaram. E não tive dificuldade em acreditar. Mas quem mo contou acrescentou de imediato: "Oh, mas o Eanes não é pessoa que deva muito à inteligência". E eu, que ia retrucar com os meus conceitos de honra e dignidade, fiquei engasgado, a magicar nas idiossincrasias do meu país e do meu povo... E, por comparação, e por meu alvedrio, concluo que enquanto os países desenvolvidos priveligiam a inteligência, Portugal,em compensação, é um país de espertos. Que parecem viver muito bem.

José Batista da Ascenção disse...

Em respeito pelos critérios deste sítio, relativos ao dever de identificação de quem comenta, com o seu verdadeiro nome, não respondo a quem se me dirige sem mostrar a "graça". Permito-me apenas afirmar que leis há quantas se fazem, e muitas delas "relativizando" quaisquer conceitos de ética. Mas eu não abdico dos princípios que em boa hora me ensinaram. Muito menos a coberto de qualquer anonimato.
Por outro lado, por mais que me esforçe, não vejo argumentos válidos. Donde: ponto final.

Anónimo disse...

O ponto final é óptimo para quem faz afirmações imprecisas (talvez mesmo falsas) a respeito de Alegre e Eanes. É óptimo mas não é inteligente pois toda a gente informada percebe.

joão boaventura disse...

Caro anónimo das 20:37, de 23 de Fevereiro

Sobre as suas dúvidas sobre as asserções de J.B. da Ascenção, a respeito de Ramalho Eanes e Manuel Alegre, e para que não lhe fiquem dúvidas, aconselho-o a consultar o
SOL, de 13.09.2008, onde se lê:

«Reforma
Eanes prescinde de um milhão de euros
Por Helena Pereira e Manuel A. Magalhães
Ramalho Eanes prescindiu dos retroactivos a que tinha direito relativos à reforma como general, que nunca recebeu. O Governo diz ter sondado o ex-Presidente, que não aceitou auferir essa quantia (a qual ascenderia a mais de um milhão de euros).»

e o PÚBLICO, de 25.07.2007, onde se lê:

«Apesar de garantir ao “Correio da Manhã” que sempre descontou por esse cargo na RDP, Manuel Alegre confessa que “se não fossem eles [CGA] a escrever” uma carta a informá-lo da reforma “nem teria dado por isso”.
O candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais afirma que vai optar por receber o ordenado como deputado e um terço da reforma que agora lhe foi concedida.
Manuel Alegre entrou para a RDP logo depois de ter regressado do exílio em Argel, pouco depois do 25 de Abril. Mas assim que foi eleito deputado do PS, nas primeiras eleições democráticas para a Assembleia Constituinte, em Abril de 1975, nunca mais desempenhou trabalho efectivo no cargo para o qual fora designado. Alegre revela, no entanto que, caso alguma vez não tivesse sido eleito, “teria regressado para a RDP”.»

Conclusão:
J.B. da Ascenção não fez "afirmações imprecisas", nem "(talvez mesmo falsas)".

José Batista da Ascenção disse...

Caro João Boaventura:

Por mero acaso vim ver se havia mais algum comentário a este "post". Acabo de ler o seu.
E duas lágrimas rolaram pela minha face.
É por isso que gosto muito deste sítio. Que é dos poucos onde sou capaz de manifestar-me.

Aceite um abraço.

Sou: José Batista da Ascenção.

Rui Baptista disse...

Há coisas que dão que pensar, até porque "não há machado que corte a raiz ao pensamento".

Segundo sei para se pedir a reforma da Caixa Geral de Aposentações há que entregar uma série de papelada, devidamente autenticada pelos serviços oficiais competentes, de que conste a idade do requerente, o tempo de serviço prestado, os vencimentos auferidos e os desconto feitos relativamente a esses vencimentos.

E aqui surge a pergunta: como se podem fazer descontos para aposentação sem ter auferido os competentes vencimentos? Dito de outra maneira: pode-se descontar trinta e tal anos para efeitos de reforma para um cargo que se exerceu, apenas, durante alguns meses?

Em Democracia não deve haver perguntas incómodas.As respostas é que podem ser incómodas.Incómodas, mas necessárias para afastar nuvens de desconfiança.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...