Mais um excerto - o último - da entrevista que dei ao estudante Fábio Rodrigues, este sobre a divulgação da ciência:
FR- Sente que a palavra “cientista” tem hoje relevo em termos mediáticos?
CF- Acho que, nos média portugueses, há uma consciência cada vez maior da relevância da ciência. Os cientistas têm um protagonismo público que não tinham há umas décadas atrás. E, ao contrário do que se possa pensar, o público deposita uma grande confiança na profissão de investigador: só para dar um exemplo, as pessoas confiam mais nos cientistas do que nos políticos. A profissão científica é hoje não só respeitável como respeitada, quando ontem era pura e simplesmente ignorada. Não apareciam tantas notícias ou artigos de divulgação científica como hoje em dia; isso acontece não porque os cientistas sejam pessoas bonitas, mas porque se percebe que a ciência, em geral escondida na tecnologia, está à nossa disposição e nos torna a vida mais fácil. Percebe-se que a ciência é a base do desenvolvimento, que o conhecimento científico é a chave da inovação e da geração de riqueza.
FR- Os média dão o espaço necessário à divulgação científica?
CF- Se formos ver ao longo dos anos, verificamos que tem havido um progresso notável. Houve, contudo, picos no passado que não estamos a ver no presente. Lembro-me dos anos 80, com os programas de Carl Sagan na televisão e com vários livros e revistas de divulgação científica. Agora, talvez por razões sócio-políticas que levaria tempo a dissecar, estamos numa fase que não é muito fácil para a divulgação científica, nem em Portugal nem no mundo. Mas haja esperança e aproveite-se a crise da divulgação científica para explorar novos caminhos. Como o homem desenvolve outras actividades para além da ciência (a arte, a religião, etc.), como há outras direcções para onde as pessoas se dirigem, o encontro da ciência com outras manifestações humanas revela-se cada vez mais necessário. A ciência deve evitar a todo o custo o isolamento, procurando ligar-se a outros domínios, designadamente apresentando as suas respostas a questões que são comuns e transversais, ou a questões que, embora não o sendo, têm respostas no âmbito da ciência que podem ser comunicadas.
FR- Essa possibilidade da ciência se unir a outras áreas, explica por exemplo a forma como o seu trabalho na Biblioteca Geral da Universidade está ligado à ciência e, ao mesmo tempo, às letras?
CF- Sim, explica de certo modo. A ciência não é uma ilha onde vivam os cientistas sozinhos. Os cientistas estão espalhados por terras habitadas por muita, variada e boa gente. Por exemplo, os praticantes das letras são, em geral, pessoas muito interessantes, com quem se aprende muito. É certo que a ciência não é literatura, mas parece-me uma evidência que as duas podem comunicar com vantagens mútuas. Ficaremos todos melhor se evitarmos a "guerra de culturas", o antagonismo estéril entre ciências e letras, se compreendermos que a cultura, embora tenha várias facetas, é afinal uma só.
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9 comentários:
Um expressivo retrato da miséria intelectual e moral. Por exemplo, afirmar "a cultura, embora tenha várias facetas, é afinal uma só" como se fosse uma evidência ou um ensinamento.
Carlos Santos
Para me tirar da miséria intelectual e moral agradecia me informasse se a cultura tem só uma faceta, porque assim fico pedagogica e didacticamente desorientado sem saber quem tem razão e seus fundamentos.
A menos que, escrever laconicamente que a frase reproduzida é "um expressivo retrato da miséria intelectual e moral" (porque não "mental e ética"?), a menos que, como vinha dizendo, Carlos Santos diga as coisas por dizer, ou melhor, escreva por escrever.
Para quem não deseja esclarecer as suas afirmações, o silêncio é de ouro.
Se me esclarecer fica-lhe grato o
joão boaventura
Caro João Boaventura:
Se se sente desorientado pela questão se a cultura tem uma ou mais faces, então está no melhor dos caminhos para não se sentir como um miserável. Miserável seria eu se lhe "informasse" da resposta, como faz Carlos Fiolhais. Seria miserável pois só por miséria intelectual se pode julgar que existe apenas uma resposta a essa questão. Uma resposta que possa ser dada como "informação" ou como ensinamento. O mesmo se poderia dizer da razão. O mesmo se pode dizer dessa sua estranha e aparente confusão entre mental e intelectual, entre ética e moral. Procure por aí mas, por favor, não espere encontrar respostas fáceis, respostas do tipo é evidente que "a cultura é apenas uma só", que essa é a marca dos miseráveis (ou dos patifes). Quanto ao silêncio, apenas lhe digo que muito gostaria de ouvir o que Carlos Fiolhais tem para dizer sobre o que é a cultura.
Caro Carlos Santos
Agradeço a sua não resposta compaginada com a parca argumentação da "miséria intelectual", como se houvesse uma ortodoxia que a evite.
É evidente que a minha dúvida permanece quando há uma fixação na "miséria intelectual" só pelo facto de Carlos Fiolhais ter dito que "a cultura, embora tenha várias facetas, é afinal uma só".
Mas este problema tem também outra face, qual seja a de fazer a cenose do texto, evidenciando uma parte, o que coarcta logo à partida o sentido crítico, ou a observação, como entenda.
Repare que a última frase de Carlos Fiolhais (que não conheço de lado nenhum, senão aqui neste blog), começa por falar na "guerra das culturas", e depois extrapola que, mesmo havendo muitas (v.g.ciências e letras), tudo se resume a uma, que posso designar de humanismo integral, ou outro signo que entender, porque há necessidade de fundir esta multiplicidade heterogénea das muitas culturas numa unidade que as abarque.
Isto é o que subjaz na frase última de Carlos Fiolhais. Se ela não constitui "um ensinamento nem uma evidência" para si, então está a informar-nos que já sabe e tem conhecimento da matéria, que a mesma não lhe é desconhecida, e que, só porque sabe, o único comentário que lhe ocorreu foi o de classificá-la de "miséria intelectual", o que é contraditório para quem, por princípio começou por retratar-se como pessoa instruída e lida.
Posto isto, não espere de Carlos Fiolhais qualquer explicação, porque o que ele disse encerra e está encerrado... no que ele disse clara e limpidamente.
Mas porque respeito a sua opinião e sua maneira de ver, embora delas disorde, espero igualmente que respeite a minha.
Cordialmente
joão boaventura
Caro João Boaventura:
Se eu afirmar "todos politicos são ladrões", por exemplo, faço uma afirmação clara e que se auto-encerra se a tiver por evidente. Nem sequer me dou ao trabalho de a fundamentar ou de explicar o que entendo por "politicos", "ladrões" ou por que razão todos são assim. E, no entanto, esta é uma frase exemplar da miséria intelectual. A frase "se compreendermos que a cultura, embora tenha várias facetas, é afinal uma só.", tem o mesmo nível. É, tal como a anterior, algo do nível da opinião vulgar. É algo que toda a gente diz, mas nada diz, de facto. Basta que se pergunte o que é isso de "várias facetas", o que é aqui "cultura" ou o que o que faz com que as várias facetas sejam de uma coisa só, para que a frase pareça cada vez menos evidente e duvidosa. Aliás, pelo que escreve, noto que também não percebeu claramente o que queria dizer Carlos Fiolhais. Será que para ele a cultura é apenas e a(s) ciência(s) e as letras? E o que será isso? E que as torna "facetas" do mesmo? Eu também julgo que o Carlos Fiolhais jamais irá sequer tentar responder a estas questões e se fique com a suposta evidência da unidade da cultura, seja lá o que isso for. E, repare, este é apenas um exemplo. Um dos muitos exemplos que se pode encontrar nas sucessivas entrevistas a alunos, ou em artigos de jornal, que ele, tão generosamente, aqui tem publicado.
E por aqui me fico sobre este assunto.
Caro Carlos Santos
Não podemos fazer do desentendimento a melhor argumentação, como a da comparação falaciosa dos políticos cleptómanos.
Quando Carlos Fiolhais aborda as ciências e as letras, porque ambas se inseriam no contexto da entrevista, limitou-se a dar dois meros exemplos de entre as múltiplas culturas, a menos que esperasse do entrevistado uma longa elencagem de facetas, ou tipos, ou géneros, de culturas, porque é o que transparece do seu discurso, e o leva a classificar de miséria intelectual o que, convenhamos, é carência de ir mais além, ou de um argumentário sem melhor conteúdo, ou de melhor voo.
Teria sido mais construtivo, parece que o signo "faceta" não lhe soou, se argumentasse porque discordou da frase, ou da "faceta", e nos abrisse novos horizontes.
Dizer de um texto, fora do contexto, que determinada frase é "miséria intelectual", é fugir ao debate, é não ter argumentos para demonstrar; e precisamente porque o entrevistado já o tinha demonstrado, é que Carlos Santos se sentiu fechado num círculo sem portas.
Quando Carlos Santos refere que por aí se ficava com este assunto, patenteia que está num círculo fechado, e dele não consegue sair, nem com glória, nem com honra.
Cordialmente
joão boaventura
Realmente o desentendimento (voluntário?) só torna aborrecida a conversa. Mas o que torna impossivel uma conversa é quando a argumentação passa quase exlusivamente pelo julgamento adjectivado dos argumentos do "adversário". Do seu último comentário: Fora do contexto; Comparação falaciosa; Carência de ir mais além; Fugir ao debate; Não tenho argumentos; Não sou capaz de sair nem com glória, nem com honra....
Como, aparentemente, ainda não percebeu que aqui não há nem honra, nem glória em jogo, repito-me. Carlos Fiolhais afirmou a unidade da cultura. Isto sem dizer uma palavra sobre o que é a cultura. Isto sem dizer que união é essa. Diz apenas, como se fosse algo claro para todos ou como se fosse um ensinamento. Diz, portanto, de uma forma leviana. Diz como o homem-da-rua diz, por exemplo, da unidade da ciência ou da falta de credibilidade dos políticos. Aliás, é o próprio Fiolhais a dizer "as pessoas confiam mais nos cientistas do que nos políticos".
Quanto à questão específica das culturas, estou certo que conhecerá o texto das "duas culturas" e o debate que isso gerou. Debate que tem levado muitos a concluir pela desunião das culturas. Procure, se, de facto, procura saber mais.
Caro Carlos Santos
Quando diz, no seu último comentário:
"Mas o que torna impossível uma conversa é quando a argumentação passa quase exclusivamente pelo julgamento adjectivado dos argumentos do 'adversário'"
está implicitamente a acusar-se e, simultaneamente, a explicar que, quando, no seu primeiro comentário escreveu:
"Um expressivo retrato da miséria intelectual e moral. Por exemplo afirmar a 'cultura, embora tenha várias facetas, é afinal uma só, como se fosse uma evidência ou um ensinameno."
logo à partida, Carlos Santos, "tornou impossível uma conversa" (palavras suas) porque, como acrescenta, "quando a argumentação passa quase exlusivamente pelo julgamento adjectivado dos argumentos do 'adversário'".
Donde, o bom julgador a si se julga, porque logo à partida se destemperou em classificar (adjectivar) uma frase do entrevistado sem nada contrapor, sem vir ao terreno explicar as razões ponderosas e eloquentes que apoiavam a sua tese que evidenciasse até à exaustão o pejorativo "retrato da miséria intelectual e moral".
Mas não o fez por incapacidade intelectual e moral, porque quem tem capacidade intelectual e moral, não utiliza estas adjectivações, utiliza a sua razão, expõe os seus conhecimentos, e argumenta a discordância.
Não é com impropérios adjectivados que Carlos Santos mostra as fontes do seu conhecimento; prefere mostrar as do desconhecimento porque a fonte está exaurida.
Agora deseja saber o que é a cultura e tropreçs nas "duas culturas". De tropeço em tropeço não se atingem objectivos.
Aduz agora que o entrevistado ao dizer que "as pessoas acreditam mais nos cientistas do que nos políticos" que isso também não é conhecimento.
Isto é, quando Bertrand Russell opinou que "os cientistas esforçam-se por tornar possível o impossível, e os políticos, por tornar o possível impossível", também terá mostrado "um retrato da miséria intelectual e moral" porque isso também não é conhecimento.
Carlos Santos está afinal ávido de conhecimentos, o que é positivo e coloca-se ao nível de Sócrates: "Só sei que nada sei".
Cordialmente
joão boaventura
Sócrates, o filósofo. Não o outro, que tudo sabe!!!
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