sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Professores no desemprego


Novo post de Rui Baptista:

Os poderes públicos deviam fazer um acto de contrição relativamente aos candidatos à profissão docente sem perspectiva de emprego nos próximos ou mesmo afastados anos graças a uma política educativa feita ao sabor de manobras de bastidor ou conluios inconfessáveis.

Sempre tive uma atitude muito crítica sobre a criação indiscriminada de professores e a indefinição de objectivos, intencional ou por simples incúria, de um sistema educativo fragilizado por uma massificação cega do ensino. Por um dever de cidadania (pois não era questão que me afectasse pessoalmente), chamei publicamente atenção para o facto, há mais de duas décadas: “A macromelia aí está com as superescolas superiores de educação, 16 no seu total! E se os actuais licenciados universitários com destino ao ensino excedem (em alguns grupos de docência) a procura do mercado, o que sucederá daqui a meia dúzia de anos com o espantoso acréscimo de outros ‘desempregados de luxo’, saídos das escolas superiores de educação a concorrerem ao ensino básico que, dentro de 9 anos, segundo a Lei de Bases, se estenderá até ao 9º ano de escolaridade obrigatória?" (“Diário de Coimbra”, 21/Fev/87).

Tratou-se de uma premonição sobre o desemprego na carreira docente que se veio a concretizar e que mereceu orelhas moucas a quem de direito. Costuma dizer-se que o tempo tudo resolve. No caso vertente, para além de nada resolver mais agravou o “statu quo” por, actualmente, a formação de professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico se poder processar, simultaneamente, nos ensinos universitário e politécnico. Há uma espécie de “laissez faire, laissez passer” por parte dos universitários que se acanham de evocar os seus direitos, assentes em deveres cumpridos, devido ao corporativismo de que possam ser acusados. A ignorância assentou arraiais, dando iguais (ou até melhores) oportunidades de colocação a quem menos investiu na sua formação.

Segundo números do Ministério da Educação, já em 1996, eram de 82% e 75% as percentagens de licenciados destinados à docência, respectivamente em Letras e Ciências. Isto numa altura em que muitos desses licenciados, embora profissionalizados, já não eram colocados em concursos nacionais para professores. Com uma certa dose de cinismo, ou pelo menos irrealismo, perante uma situação que afectava os licenciados universitários por excesso de professores, logo se levantaram vozes do ensino politécnico na procura de soluções que favorecessem os seus desígnios. Assim, Valter Lemos, então presidente do Conselho Científico da Escola Superior de Educação de Castelo Branco (e actual Secretário de Estado da Educação) aproveitou a deixa para descaradamente puxar a brasa à sua sardinha: “É preciso saber em que áreas os docentes fazem mais falta para podermos trabalhar nesse sentido" (“Público”, 26/Out/96). Tem sido uma espécie de salve-se quem puder.

Não têm conta os erros que nas três últimas décadas têm sido cometidos por uma política educativa sem coerência nem princípios. Um país que desrespeita ou subalterniza diplomas universitários devidamente credenciados está gravemente enfermo e, como tal, necessitado urgentemente de reanimação nos cuidados intensivos.

10 comentários:

LA disse...

A culpa não é só dos governos, eu ouço dizer que em muitas universidades se tentam atrair estudantes (os professores sabem que os estudantes não vão ter saídas profissionais, e não é só no caso dos cursos pedagógicos, também nos científicos) para os profesores não terem os seus lugares em causa.
Mas eu lembro-me que nos anos oitenta ainda havia professores colocados que não tinham completado nenhum curso universitário e no fim dos anos noventa ainda havia alguns casos assim, havia ainda falta de professores, o excesso de professores é uma coisa recente, de há uns 6 ou 7 anos.
É estranho é não termos um número suficiente de médicos formados, deveria-se aumentar algumas vagas nuns cursos e diminuir noutros.
É verdade que se deviam diminuir as vagas nos cursos educacionais porque ainda por cima não existe em Portugal flexibilidade para contratar um licenciado no ensino de portugês para ir trabalhar em jornalismo, por exemplo.
Parece que já há doutores a mais em Portugal, embora segundo as estatísticas estejamos atrás de outros países em percentagem de pessoas com um canudo. E as vagas universitárias nem são todas preenchidas, porque se fossem...

alf disse...

O sistema de ensino devia formar pessoas para a sociedade - especialistas de várias áreas para trabalharem na industria e nos serviços, investigadores, empresários. Mas não! Forma professores! Cerca de 80% dos licenciados querem ser professores. Porquê? Porque não se sentem habilitados a ser outra qualquer coisa.

A escola, afinal, só serve para ensinar a ser-se professor. A escola só se serve a ela própria. Já vem do tempo dos gregos esta constatação.

E também não admira muito: o professor só pode ensinar aquilo que ele é. Algo está muto errado.

Armando Quintas disse...

Mais um vicio do sistema de ensino que está enfermo.
As escolas superiores de educação são outras tretas para cunhas, amigos, compadrios e jobs for the boys, como os politécnicos, de uma vez por todas acabe-se com a confusão e se faça lei e se esclareca quais os cursos permitidos a cada tipo de escola, universidade, politécnico ou instituto, chega de concorrencias parvas entre institutos sobretudo publicos.
É preciso rigor e qualidade, diminuir em numero substancial as vagas e cursos de ensino no ensino superior publico, concentrar esforços e serviços e definir quais os cursos das universidades, politecnicos e outras escolas superiores.
Depois é preciso fazer 1 avaliação profunda do sistema de ensino superior e não superior para ver que cumpre e não cumpre o seu trabalho e por na rua aqueles que não fazem nada a não ser receberem o ordenado no fim do mês.
E tem que haver flexibilidade no mercado de trabalho que é demasiado rigido e que muitas vezes dá mais valor ao ter (canudo) do que ao saber fazer, a sociedade portuguesa enfermou com a questão dos canudos como já foi aqui discutido noutro post, todos querem ser doutores e tudo foge das profissões intermédias apesar destas darem bastante rendimentos mas o complexo da nobreza que impede que se trabalhe com as mãos leva os jovens a quererem ser doutores.
Ha que perceber que só os melhores deverão ter melhores profissões e estar nos melhores cursos, por isso ha que aumentar as exigencias para entrarem os melhores nas universidades que de momento estão infestadas de putos da geração morangos com açucar.
Faz falta rigor e seriedade, doa a quem doer.

Andrew Black disse...

«Cerca de 80% dos licenciados querem ser professores. Porquê? Porque não se sentem habilitados a ser outra qualquer coisa»

Não duvido, mas pode citar a fonte?
E será que querem, ou que não há mercado de trabalho que os absorva, a não ser, porventura, em sistema de servidão ridiculamente paga?...

Rui Baptista disse...

Caro André:
Em boa verdade, não escrevi que "80% dos licenciados querem ser professores", o que justificaria plenamente os reparos feitos: "Porquê? Porque não se sentem habilitados a ser outra coisa".
O que escrevi foi que,”já em 1966, eram de 82% e 75% as percentagens de licenciados destinados à docência, respectivamente em Letras e Ciências”. Ou seja, da totalidade de estudantes inscritos nos cursos de Letras 82% tinham escolhido a via de ensino e 75% dos alunos dos cursos de Ciências tinham optado também por esta escolha. Os licenciados em Medicina, Economia, Engenharia, entre outros, não estão, portanto, contabilizados nesta percentagens que se diluirão substancialmente quando tomada na devida conta a percentagem de licenciados de todos os cursos.
Sinceramente, obrigado pelo reparo feito que me permitiu ser mais explícito sobre o meu texto.
Agradecendo os outros comentários, oportunamente entrarei em contacto com os seus autores.

Andrew Black disse...

Caro Rui Baptista,
O seu texto é absolutamente claro e com os factos expostos sem margem a confusões. A minha pergunta era dirigida ao Alf, que comentou.
Desculpe tê-lo induzido em erro.
A.

Rui Baptista disse...

Caro André: Grato pelo esclarecimento.Aliás eu é que devo pedir desculpa por ter sido um tanto precipitado em não me aperceber que a pergunta me não era dirigida.Cordiais saudações.

Andrew Black disse...

Com tudo isto, não mencionei que, em minha opinião, o seu texto é inatacável. Será preciso muito malabarismo político para contestar os factos que expõe. Temos dirigentes com pouca ética e vistas curtas.

Anónimo disse...

A sua entrada é particularmente interessante e louvo a sua antecipação dos problemas de excesso de formação de professores. Contudo, era capaz de acrescentar algumas ideias sobre o assunto. A primeira é para dizer que se houve falar de excesso de formação de professores mas muito menos de outras formações. Dois exemplos apenas: licenciados em Direito e em Medicina Dentária. Esta última formação é, como deve calcular, particularmente cara para os bolsos dos contribuintes (estou a referir-me às instituições públicas). O facto é que nunca houve uma regulação da oferta por parte do Estado, seja ao nível da formação de professores, seja ao nível de qualquer formação superior. Porquê, então, a formação de professores ser eleita sistematicamente o “bombo da festa” das maleitas do sistema?
Mais: nunca houve uma avaliação da qualidade das formações, seja ao nível da profissionalização para a docência, seja a todos os outros níveis. No caso da formação dos professores este efeito gerou perversidades que nos irão custar muito caro. Como o Estado nunca olhou para a qualidade das formações, limitando-se a seriar os candidatos ao ensino público em função da média final de licenciatura, o facto é que nos últimos 20 anos os docentes que entraram no sistema são essencialmente os oriundos de instituições privadas, com piores médias de acesso ao ensino superior mas com médias finais mais elevadas de licenciatura.
Quanto ao facto de apresentar as percentagens, referentes a 1996, de alunos das Faculdades de Letras e de Ciências que pretendiam seguir a carreira docente, é necessário tomar em conta que, paradoxalmente, as Faculdades Clássicas (Porto, Coimbra e Lisboa, com a excepção do Departamento de Ciências da Universidade de Lisboa) nunca se afirmaram como instituições de formação de professores. O Ramo Educacional era e é considerado o caixote do lixo da formação. Mas, simultaneamente, numa política de autismo estratégico, nunca foram oferecidas verdadeiras formações alternativas que visassem afastar os alunos da formação de professores e desviá-los para outras saídas profissionais que não docência. Esta situação tem vindo a sofrer modificações nos últimos anos, mais numas instituições e menos outras, mas o retrato ainda permanece globalmente actualizado.

Rui Baptista disse...

Caros comentadores: As promessas são (ou devem ser, pelo menos!) para cumprir. E cá estou eu para vos agradecer os comentários feitos. Aliás, a vantagem dos post's sobre os artigos dos jornais está no "feed-back" que nos dão e que, muitas vezes (como foi o caso), nos obrigam a reflectir sobre aquilo que escrevemos. Em resumo, os comentários enriquecem o texto do autor porque trazem à colação pormenores que lhe possam ter passado despercebidos tornando frutuoso o diálogo civilizado entre pessoas que se respeitam. Esse diálogo ainda que possa assumir, e até salutar que assuma, o carácter polémico não deve ser um campo de batalha em que o sangue espirre para gáudio dos leitores.

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