quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
BREVE HISTÓRIA DO SABER
A RTPN pediu-me um depoimento sobre o livro "Breve História do Saber", do norte-americano Charles van Doren, cuja primeira edição portuguesa saiu em 2007, na Caderno, uma chancela da editora ASA. É um grande livro no sentido literal (mais de 500 páginas) e no sentido menos literal de ter conseguido de modo excelente condensar 5000 anos de história da humanidade. O livro saiu nos EUA em 1991 sob o título "A History of Knowledge" e é uma história da civilização, onde a ênfase é justamente dada à evolução do conhecimento científico. Embora resumido, está lá tudo desde os antigos egípcios (o capítulo 1 "A Sabedoria dos Antigos" começa assim "Quando o registo da história teve início, há cerca de cinquenta séculos, a humanidade aprendera muito mais do que aquilo que os nossos ancestrais primevos sabiam.") até à actualidade e ao futuro próximo (o último capítulo intitula-se "Os próximos cem anos"). No meio ("A Europa estende-se") passa pelos grandes descobrimentos marítimos, não se esquecendo o autor de destacar o papel dos navegadores portugueses - foi esse o nosso maior contributo para o conhecimento humano.
O autor é um conhecido intelectual com um mestrado em Astrofísica e um doutoramento em Inglês pela Universidade de Columbia, Nova Iorque. Foi editor da Enciclopédia Britânica, o que comprova, tal e qual como as habilitações académicas, o vasto espectro do seu saber. Este tipo de livros não pode, de facto, ser escrito por qualquer pessoa. Van Doren estava, por formação familiar e académica, muito bem preparado.
Mas não bela sem senão. Na RTPN não pude deixar de contar uma história de Charles van Doren, que o tornou famoso nos anos 50 (ele tem agora 82 anos) a ponto de ter aparecido na capa da "Time". Ele foi um grande triunfador num "quiz show" da NBC ("Twenty one"), em 1957, no início da TV americana. Ganhou centenas de milhares de dólares porque simplesmente sabia tudo. Mas, mais tarde e já depois de ter perdido no "show" para outro concorrente, ele foi acusado de ter informação priveligiada sobre algumas perguntas e as respectivas respostas. Depois de negar, confessou finalmente numa audiência pública no Congresso Americano que os produtores lhe tinham passado alguma informação, com vista a manter as audiências em alta. A NBC achava que a presença daquele jovem professor tão sabichão como fotogénico era uma garantia para o sucesso do programa. A televisão começava já então a ser um meio de mentira...
A sua confissão foi dramática:
"I was involved, deeply involved, in a deception. The fact that I, too, was very much deceived cannot keep me from being the principal victim of that deception, because I was its principal symbol. (...) I have a long way to go. I have deceived my friends, and I had millions of them. Whatever their feeling for me now, my affection for them is stronger today than ever before. I am making this statement because of them. I hope my being here will serve them well and lastingly."
O caso (tratado no filme "Quiz Show" de Robert Redford, com Fiennes no papel de van Doren) levou à demissão de van Doren da Universidade e a uma longa travessia do deserto. De nada lhe valeu dizer que a sua actuação tinha em vista a promoção da cultura. Ele tinha mentido e tinha ganho dinheiro com a mentira. Teve de passar a viver de expedientes e a escrever sob pseudónimo. Teve de evitar aparições públicas. Mas o tempo leva ao esquecimento e ao perdão, pelo que, passados mais de trinta anos, ele voltou a aparecer com o seu verdadeiro nome em livros como esta "Breve História do Saber" na cena pública. Porque não quero julgá-lo de novo pelo seu pecado de juventude (foi julgado, condenado e cumpriu pena), direi, perante este livro, que ainda bem que voltou.
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