
Desde que ontem, ao final da noite, se soube da sua morte, jornais e Internet têm recordado os seus dados biográficos mais marcantes: a sua ascendência judia, belga por nascimento e francês como estudante e professor; itinerância pelo Brasil e Estados Unidos como investigador e, novamente, professor; membro activo de várias academicas com destaque para a Academia Francesa, sendo o primeiro antropólogo a ter ali assento; o contacto próximo com existencialistas marcantes com quem manteve algumas polémicas; os muitos títulos e prémios que lhe foram concedidos; a sua qualidade de fundador de uma nova corrente de análise científica designada por estruturalismo...
É neste particular que me detenho para referir o seguinte: trata-se duma corrente que se tem prestado a entendimentos vários, muitos deles diametralmente opostos ao que Levi-Strauss lhe deu.
Uma dessas interpretações, que está significativamente presente na Educação, é a de que este autor, ao valorizar a dimensão intelectual dos povos indígenas, afirmando que ela não era exclusiva dos ocidentais, confirma a lógica etnocêntrica, segundo a qual cada povo é detentor de uma racionalidade particular e única, devendo ser, nessa medida, respeitada nos seus mais diversos pormenores e preservada no seu contexto. Trata-se de uma lógica de fechamento de cada povo sobre si próprio, de evitamento de contacto a fim de manter a identidade, a genuinidade cultural.
Ora, o que Lévi-Strauss escreveu e disse vezes sem conta é que todos os povos, sem excepção, comungam da mesma humanidade. E, ainda que a humanidade seja diversamente concretizada em ritos, costumes, mitos, conhecimentos, tecnologia, é ela e só ela que permite afirmar a igualdade entre os povos.
Esta é, aliás, uma ideia que Koïchiro Matsuura. Director Geral da UNESCO, fez questão de reforçar quando afirmou: "O seu pensamento mudou a percepção que o homem tem de seus semelhantes, quebrando conceitos tão excludentes quanto a raça e abrindo caminhos a uma nova visão baseada no reconhecimento dos laços comuns que unem a humanidade".
Pode o leitor ver aqui uma interessante entrevista a Claude Lévi-Strauss, feita em 2005 por Fernando Eichenberg, para a emissão do Boulevard Brasil.
Imagem: Claude Lévi-Strauss no Brasil, nos anos de 1930.
4 comentários:
Existe um outro francês, este vivo, que está dando o que falar nos estudos e análises antropológicos: o René Girard. Só para constar!
Curiosa esta indicação de Leonardo sobre René Girard, a propósito do autor dos "Tristes Trópicos" e "La pensée sauvage", agora falecido.
Filósofo, antropólogo e sociólogo, Lévi-Strauss considerava que a diferença entre os selvagens e os civilizados poucas seriam as diferenças, como entre o homem de hoje e o homem da idade média, a relembrar de certa forma um discurso de Umberto Eco a demonstrar que nada do que se passa hoje difere do que ocorria na Idade Média.
O pensamento de René Girard, que Leonardo em boa hora nos traz hoje, coincide também com tudo quanto aqui se tem debatido, neste blog, sobre a Bíblia, a propósito de Saramago, e o tal "Caim" que afinal mais não é do que o representante do protótipo do homem de todos os tempos (civilizados, selvagens, de hoje ou do passado).
René Girard , filósofo, historiador e filólogo, e que também não desdenha do papel de sociólogo - "eu sou antes de tudo um cientista social" diria numa entrevista - já que aponta a Bíblia como um excelente documento para um estudo sociológico.
Na mesma linha de pensamento de Lévi-Strauss, René Girard considera que o homem colectivo é arrastado para a violência por mimetismo, porque as paixões presentes em cada um adquirem uma força multiplicadora. Seja o homem selvagem, civilizado, do séc. XXI ou do séc. V.
Numa entrevista ao jornal La Croix, considerou que "o cristianismo é o único a realçar o carácger mimético da violência."
Escrevi, na edição de maio da revista ComCiência aqui da Unicamp (Campinas, Brasil), exatamente sobre a questão universal/relativo na obra de Lévi-Strauss. http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=46&id=549
Esta edição é, aliás, um especial sobre Lévi-Strauss cheio de coisas interessantes.
Enviar um comentário