quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Debate quente sobre o aquecimento

O debate sobre o aquecimento global tem mantido a sua elevada temperatura. Será que há alterações climáticas graves provocadas pelas actividades humanas? A resposta a esta pergunta não é fácil por duas razões.

Primeiro, porque não se sabe muito sobre o clima nem sobre a história do clima.

Segundo, porque o debate fica em grande parte envolvido em ideologias e interesses.

De um lado, os catastrofistas que se dizem ecológicos e que estão desejosos de provar que o modo de vida "capitalista" é um desastre. A motivação destas pessoas é inteiramente política e o meio ambiente é apenas instrumentalizado para fazer avançar os seus interesses.

Do outro, as pessoas que querem ganhar muito dinheiro independentemente dos custos ambientais.

Neste clima (perdoe-se-me o trocadilho), a procura cuidadosa e isenta da verdade torna-se difícil. Para ajudar a esclarecer o leitor, Denis Dutton, autor do célebre Aldaily, montou um novo site: http://climatedebatedaily.com/. Vale a pena visitar.

Uma última nota: do ponto de vista filosófico, este debate é curioso porque se pressupõe sempre sem discussão que temos obrigações para com as gerações vindouras. Isto é interessante porque é dificilmente compatível com teorias contratualistas da ética e da política, dado que as gerações vindouras aparentemente não fizeram qualquer contrato connosco, nem sequer implicitamente.

8 comentários:

JSA disse...

Nesta discussão há pontos que merecem alguma atenção, mas a questão das barricadas é a que me parece mais interessante (fora da ciência em si).

Como diz o Desidério, temos de um lado os ecologistas que poderão ser anti-capitalismo (ou vice-versa) e do outro os capitalistas que poderão ser anti-ecologia. Nessa divisão, é engraçado notar a preseça de alguns que entendem que um meio de vida ecológico até é compatível com o modo de vida capitalista. Infelizmente, os seus argumentos perdem-se muitas vezes no barulho.

Quanto à questão que o Desidério levanta sobre o contrato com as gerações futuras, deixo uma questão. Assumindo que o grande propósito da vida é a transmissão de ADN, não se poderá dizer que o contrato é feito entre os políticos (e outros que tais) e o ADN da população? É que, se assim for, o contrato também será feito, de certa forma, com as gerações futuras.

Não percebo muito desse assunto, por isso deixo apenas a questão.

Anónimo disse...

O Desidério espantou-me, mais uma vez, com a sua divisão de lados. Com isto, tenta-me fazer crer que não existe ninguém nesses debates interessado em proteger o ambiente ? Parece-me uma generalização um bocado brusca. Contudo, concordo consigo em que grande parte dessas pessoas que se dizem defensoras do planeta, são apenas movidas por outros motivos menos nobres. Sobre o último ponto visado por si, tenho a dizer o seguinte : se nós vivemos para perpetuar a nossa espécie, não penso sequer que se ponha em causa a sobrevivência das futuras gerações.. Acho que faz todo o sentido, numa espécie, a sobrevivência do indivíduo e a sobrevivência da espécie.



Por outro lado, isto levanta uma questão bastante curiosa. Quem nos dá o direito de destruir o planeta ? Até que ponto supomos que o planeta existe para a sobrevivência dos humanos ? O problema aqui em causa, é que os humanos a partir do momento que apareceram, supuseram, e ainda supõem, que são auge da evolução deste planeta. Engraçado pensar assim, de certeza que nos retira de cima enormes responsabilidades.

Rui

Desidério Murcho disse...

Caro JSA e Rui: obrigado pelos vossos comentários.

Achei muito curioso o argumento aludido por vocês os dois, e que podemos clarificar mais ou menos assim: “Biologicamente, estamos “programados” para nos reproduzirmos; logo, devemos reproduzir-nos.” Este tipo de argumento é interessante por ser muito comum, mas é insustentável. Do facto de estarmos programados para seja o que for, não se segue que o devamos fazer. Procurar orientação moral na natureza é procurar orientação moral no lugar errado.

Mais curioso ainda é o facto de que todas as espécies naturais estão plausivelmente “programadas” para esgotar o meio ambiente em que existem, e só não o fazem quando são eliminadas por predadores. Portanto, seguindo o mesmo tipo de argumento a que podemos chamar “o que é natural é bom”, devemos concluir que estamos naturalmente programados para esgotar o meio ambiente, como qualquer outra espécie natural, com a diferença que eliminámos os nossos predadores e por isso nada a não ser nós mesmos nos poderá pôr um travão.

Finalmente, faço notar a incoerência gritante entre a queixa de que somos antropocêntricos e que não temos o direito de destruir a natureza para os nossos fins, e o pensamento de que devemos fazer o que a natureza nos programou para fazer. É que, uma vez mais, a natureza programou-nos para comer tudo e reproduzirmo-nos o mais possível, pelo que num certo sentido a natureza programou todas as espécies para serem “espéciocêntricas”. Assim, quem procura orientação moral na natureza não tem recursos para lamentar o nosso antropocentrismo.

JSA disse...

Desidério, pessoalmente não procurei qualquer moral, apenas perguntei se essa "programação" não poderia ser levada em conta naquela discussão sobre o contrato não realizado sobre as gerações futuras.

Quanto À questão do esgotamento dos recursos, isso passa do pressuposto que os recursos se esgotariam. Não se esgotam, apenas se tornam insuficientes para uma espécie. Isso vê-se com determinadas espécies de formigas nos trópicos, as quais podem ter alguns predadores, mas estes não são capazes de as conseguir controlar. Nesse aspecto, o que as mantém em números controláveis é a impossibilidade de encontrar recursos para a colónia, o que as leva a espaçarem-se cada vez mais e, com isso, a tornar impossível o sustento da mesma colónia.

No caso dos seres humanos, o máximo que poderá suceder é o esgotamento dos recursos necessários para nos sustentar enquanto espécie ou, pelo menos, em números elevados. A certa altura poderemos não ser capazes de aumentar o nosso número e começaremos, muito provavelmente a declinar. Algum tempo mais tarde ("algum", geologicamente falando) os recursos regressarão, mas nessa altura a nossa espécie terá evoluído numa outra direcção qualquer, possivelmente.

Nesse aspecto, a moral é uma invenção bastante humana (se bem que não estritamente). Só que pensar na ideia de salvar o planeta não é particularmente moral (pelo menos no sentido altruísta em que se pensaria primeiro). Aquilo em que muitos ecologistas falam quando referem que se deve refrear o ímpeto explorador é precisamente a questão dos recursos. Exemplo: a camada de ozono. Se a camada de ozono continuar a desaparecer, os níveis de UV aumentarão, o que poderá fazer diminuir fortemente (senão mesmo desaparecer) algumas espécies predadoras de, por exemplo, insectos. Isso aumentará o número de insectos no planeta, o que aumentará a devastação de colheitas, a incidência de doenças, etc. Nesse sentido, a intenção de deter o desaparecimento da camada de ozono é bastante altruísta.

Relativamente ao aquecimento global, alguns dos argumentos apresentados para o deter são fortemente egoístas: maior incidência de cheias, secas, tornados, etc (extremos, em resumo). Isso provoca devastação, perda de vida humana, redução de recursos e custos económicos. (Já agora, quem usa estes argumentos não são extremistas, muitas vezes são pessoas bem pragmáticas, basta ver a posição da Economist sobre o assunto)

Assim sendo, a posição de aumento da espécie humana não é incompatível com a moral nem com a defesa do ambiente. Pelo menos desde que não venha de extremistas, mas estes também não têm uma moral realmente bem definida.

Mara disse...

Uma discussão interessante...mas lá que este verão é perfeitamente normal..é. Nada dos calores secos e temperaturas excessivas prometidos pelos jornalistas, nadinha...

Mas acho mesmo que está calor a mais...e, por falar nisso, por anda a Palmira? Já veio de Pedras d'el Rei ou persiste em ter férias?

Pedro Galvão disse...

olá, desidério!

"do ponto de vista filosófico, este debate é curioso porque se pressupõe sempre sem discussão que temos obrigações para com as gerações vindouras."

mas essa é uma daquelas coisas que quase se pode pressupor sem discussão. se uma teoria contratualista é incompatível com obrigações desse género, tanto pior para essa teoria -- o facto de ela não poder reconhecer essas obrigações é uma boa razão para a rejeitarmos.

contudo, algumas teorias contratualistas não têm grandes dificuldade em encaixar obrigações para gerações futuras. o contratualismo mais tradicional, hobbesiano, tem aí problemas, pois neste perspectiva ética o contrato é celebrado entre partes motivadas pelo interesse pessoal. mas o contratualismo de inspiração kantiana é diferente: aqui as partes contratantes têm como motivação justificar o que fazem com princípios que ninguém possa rejeitar razoavelmente. e como o contrato é hipotético, podemos incluir as gerações futuras no seu âmbito, o que nos impedirá de agir segundo princípios que os membros dessas gerações possam rejeitar razoavelmente.

PG

alf disse...

O post é muito interessante, mas o comentário acima do Desidério é fabuloso. E vem muito a propósito de coisas que eu vou apresentar no «outramargem» pelo que , se não vir inconveniente, estou a pensar reproduzir partes dele com a devida referência ao autor.

Esta história do aquecimento global já me levou a escrever varios posts, porque isto não tem nada a ver com «ciência», tal como a treta da camada do ozono tb não tem. Isto é uma clara utilização dos medos das pessoas para vários fins - os fundamentais são políticos, e depois surge uma corte de interesses que se alimenta disto.

Que a ciência possa dar a cara num disparate deste calibre é algo que me intriga e acho que muita coisa terá de mudar na ciência.

por outro lado, percebo bem qual é a motivação política para isto. Há, de facto, um problema gravíssimo. Que não tem nada a ver com o aquecimento global mas com o facto de o consumo energético actual ser absolutamente insustentável e estarmos a caminho de uma crise gravíssima. E isso simplesmente porque somos demais.

é essas contas e as suas consequências que me vou atrever a apresentar. Manda a prudência e a experiência que não se diga aos doentes graves como é grave a sua doença; a última vez que se pensou no problema surgiram guerras mundiais; há quem pense que não vale a pena fazer nada porque vai ocorrer um Evento que vai resolver o assunto; mas eu prefiro os olhos abertos, até porque não me cabem rsponsabilidades na gestão dos povos - se me coubessem, se calhar, fazia como eles...

Manuel Leitão disse...

Com todo o respeito e cordialidade, vou procurar ser crítico, argumentar e pensar "com profundidade e seriedade e não como quem manda bocas". No entanto, como não sou cientista, terei que ter da sua parte alguma tolerância para que a minha opinião não seja classificada como provinda de um ignorante e radical. Porque, neste assunto, creio sinceramente que a sua posição é justamente o paradigma da ignorância e do radicalismo. E nem o facto de remeter os leitores para uma "terceira via" me convence do oposto. Acredite (se quiser...) que, para além dos dois grupos que tão mal identifica, existe muito boa gente verdadeiramente preocupada com o ambiente e que não é "catastrofista", nem "capitalista" (seja o que for que isto signifique com as aspas que colocou na palavra), mas simplesmente interessada. Interessada, sim. E politicamente interessada também. Ao que parece não acha isso legítimo: e é uma pena porque, se realmente é essa a sua postura, adeus discussão, adeus confronto de idéias, adeus ESCLARECIMENTO.

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