quarta-feira, 20 de março de 2024

OS IMPLANTES CEREBRAIS DE ELON MUSK

 Recente entrevista que dei a Luís Francisco do  Jornal de Negócios sobre os implantes cerebrais de Elon Musk:

LF- Como analisa o anúncio recente da implantação de um chip no cérebro de um paciente humano?
CF- No meu entender, é mais um acto de propaganda de Elon Musk, o excêntrico  empresário que tem o título de «homem mais rico do mundo». O indiscutível sucesso de alguns dos seus negócios, como a Tesla e a Space X criou-lhe uma fama, que ele usa, tentando reforçá-la, ao  fazer anúncios não justificados. Ele já nos habituou  a anúncios grandiosos  mas fantasiosos como a colonização de Marte  ou a construção de túneis para circulação ultrarápida de carros,

No caso da Neuralink o objectivo último é a  implantação de dispositivos no cérebro humano  que permitam controlo remoto sem fios. A telepatia no sentido normal de transmissão da mente não existe, mas a ideia dessa empresa é recolher um sinal do cérebro correspondente a uma decisão e transmiti-la, depois de conveniente processamento, por «bluetooth» para um computador. Podia ser uma maneira de tetraplégicos poderem poderem exercer alguma acção. Esta ideia não é nova  e até já teve algum êxito- por exemplo , o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha nos EUA, abriu o Mundial de Futebol de 2014 com um chuto dado por um paraplégico, que foi bastante discutido, dada a publicidade que o próprio procurou.  O anúncio recente de Musk  não permite, porém, saber o que foi feito de novo: não existe nenhum artigo científico com resultados.  Só se sabe que, recebida autorização de autoridades reguladoras, a Neurolink iniciou ensaios em humanos: foi colocado um implante cerebral a uma pessoa com deficiência física profunda e ela estaria  bem. E teria conseguido operar num computador sem usar um rato.

 Não se sabe praticamente mais nada: que tipo de sinal é recolhido, por exemplo, no cérebro. Aparentemente existem minúsculos eléctrodos que recolhem actividade eléctrica de grupos de neurónios, mas o problema consiste em conseguir relacionar esse sinal com a vontade do indivíduo. Fala-se no uso de técnicas de inteligência artificial (sabe-se que Musk ajudou a fundar a Open AI, do Chat GPT, para criar uma empresa rival, que ainda não produziu nada de muito visível).

A Neurolink tem tido grandes problemas de gestão: por exemplo do grupo de cientistas líderes iniciais já não resta quase nenhum. E há também fortes críticas da opinião pública: por exemplo, defensores dos animais colocaram processos por mau tratamento de porcos e macacos que serviram de cobaias antes dos humanos.

É preciso neste caso saber se estão a ser respeitadas normas éticas - os reguladores deviam ser exigentes - e saber se são usados os mecanismos normais na ciência para apurar a consistência e a novidade. Ninguém sabe o que há de novo ali,  O que há certamente é o reforço da fama de Musk. Ele já fez tantas afirmações anti-científicas (por exemplo, no caso da Covid-19) que não dou muito crédito ao que ele diz.
LF- Considera que, de alguma maneira, poderemos estar perante uma daquelas zonas cinzentas em que a ciência e a tecnologia podem colidir com a ética?
CF- Sim, claro que estamos numa dessas zonas cinzentas. Experiências biomédicas com humanos estão regulamentadas e é preciso saber se as normas estão a ser respeitadas: se há consentimento informado, se há princípio da precaução (serão  os riscos maiores do que os eventuais benefícios?), etc.  A ciência e a tecnologia têm de ser feitas em obediência a princípios éticos, que estão naturalmente para além da ciência. A ciência tem de se fazer com consciência e não penso que o «homem mais rico do mundo» seja um bom exemplo do uso da consciência. O modo como ele tem gerido os seus negócios (como mostra a recente aquisição do Twitter, agora X) não abona muito em seu favor. Autoritário e ganancioso, não parece ser uma pessoa em quem se possa confiar. Bem pelo contrário: parece ser capaz das maiores surpresas na sua ânsia de lucro e de fama (as duas coisas vão juntas!). Este tipo de experiências, se oferecem a possibilidade de benefícios para pessoas com graves deficiências, despertam também fantasmas sobre a relação entre os seres humanos e as máquinas.

Trata-se, com a implantação do «chip» no cérebro, de extrair informação automaticamente para melhorar a qualidade de vida de deficientes profundos. Mas o espectro é-nos trazido pela ficção científica: e se a informação for mal usada, permitindo conhecer o «eu» da pessoa em causa?; e se um «chip» puder funcionar  para colocar sinais no cérebro, em vez de o extrair?; e se a separação entre os seres humanos e as máquinas for diluída? O respeito pela nossa

Humanidade - o integral respeito por valores humanos como o da individualidade  e da liberdade - se não está já em causa agora pode bem vir a estar em causa. E devemos ter todos os cuidados e mais alguns com alguns «admiráveis mundos novos» que nos querem vender. As cautelas nunca fizeram mal, mas a falta de cautela já fez muito mal.

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