segunda-feira, 25 de março de 2024

(Ainda) o “sonho digital”

Texto de Cátia Delgado
(Professora e investigadora em Ciências da Educação)

Pela voz do Diretor para a Educação e Competências, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) relança-se na predição do futuro, como é seu apanágio, para, dessa forma – estratégia que lhe é conhecida – influenciar as tomadas de decisão políticas na área educativa, impulsionadas pela curva descendente dos resultados obtidos por grande parte dos países no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) (ver o texto a que me refiro aqui).
 
Partindo de uma gravura do início do século XX, do francês Jean-Marc Côté (reproduzida ao lado), na qual um professor, com o auxílio de uma máquina, estabelece uma ligação direta entre o conhecimento contido nos livros e o cérebro dos alunos, prenunciando aquilo que seria a educação no século XXI, essa organização vem lembrar o incumprimento dos países – uma das suas várias estratégias discursivas  – no alcance dos objetivos a que se propuseram em 2015, quando foram estabelecidos os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas). 
 
Afirma não existir melhor forma de acelerar o passo na educação do que uma maior aposta na tecnologia, pois é ela, segundo exemplos de casos específicos no manifesto que apresenta – outra das suas estratégias de convencimento (se resulta para o indivíduo x, pressupõe-se que resultará para as massas) –, que nos poderá conduzir, a breve trecho, ao “progresso”, pela “qualificação académica, claramente ligados a melhores empregos e condições socioeconómicas”. 
 
Esta demanda far-se-á, claro está – para além das imensas plataformas disponíveis e que se pretende integrar no sistema de ensino –, com o auxílio de novos agentes educativos, que a OCDE teima em chamar para a educação, diminuindo o papel do professor que, tacitamente, declara incapaz de dar resposta às funções que lhe são confiadas: 
“No futuro, o espaço educativo tornar-se-á, provavelmente, ainda mais diversificado, integrando uma miríade de intervenientes privados, públicos e sem fins lucrativos que oferecem oportunidades educativas, muitas delas alimentadas pela IA, que são mais flexíveis e adaptadas às necessidades de cada aluno. Esses novos provedores/ fornecedores de aprendizagem podem ajudar os que ficaram para trás.” 
E, admitindo ser impossível prever o futuro da educação, termina com uma certeza, atirando a responsabilidade para os governos que, caso as orientações aqui expressas não reflitam os resultados esperados, colherão o ónus do fracasso: 
“... a transformação digital está a alterar fundamentalmente como, porquê e onde os alunos aprendem. O modo como os governos antecipam, se adaptam e orientam essas mudanças será a chave para garantir que colocamos a tecnologia ao serviço de uma educação gratuita, equitativa e de qualidade para todos.”

2 comentários:

António Pires disse...

É inegável que a transformação digital é tecnológica está a alterar muito rápida e profundamente o mundo em que vivemos. A educação e o ensino têm de se adaptar às mudanças. Para além das questões do "como, porquê e onde os alunos aprendem", a reflexão sobre o presente e futuro da educação não pode ignorar a questão central que é:
- O que se pretende que os alunos aprendam?
A resposta que a OCDE vem dando a esta questão, nas últimas décadas, na perspetiva de um professor da velha escola, como eu sou, é completamente desconchavada:
- Os alunos devem aprender o mínimo possível com os seus professores, e estes devem usar os meios tecnológicos e digitais sobretudo para avaliarem, sempre muito positivamente, de uma forma computacional, todos e cada um dos seus alunos.
Enquanto não estiver resolvida esta indecisão sobre o que se deve aprender e ensinar, mais ou menos profundamente, vamos permanecer neste marasmo, em que o ensino e as aprendizagens tradicionais são praticamente riscadas dos programas e substituídas por habilidades (skills) abstratas que, só por si, justificam os diplomas académicos a que todos temos direito.

Helena Damião disse...

Estimado Leitor,
No texto que acabo de disponibilizar, percebe-se bem que os professores estão afastados dos "ecossistemas" de aprendizagem. À parte esta precisão e saindo da esfera de influência da OCDE, concordo inteiramente com o problema que coloca e que considero de primeira importância: O que se pretende que os alunos aprendam e, ainda mais pertinente, para quê? É um problema de Filosofia da Educação, a quem muito pouca gente dá importância.
Cordialmente, MHDamião

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