quarta-feira, 6 de março de 2024

A BOA FÉ DOS FILÓSOFOS

A clareza é a boa fé dos filósofos.
Vauvenargues

A clareza de escrita não é um dos valores mais prezados pela classe intelectual e não o é, em especial, por muitos universitários que refugiam a sua ignorância sob o véu de um estilo opaco, obscuro e contrafeito. Coisa de má fé, se tem razão o amável filósofo Vauvenargues, citado em epígrafe. Dizer coisas importantes com grande simplicidade, como fazem filósofos (Russell) ou cientistas (Jean Rostand, admirável pensador aforista, na linha dos grandes do passado), parece coisa de simplórios, aos convicto cultores do opaco.

As dissertações académicas costumam ter horror à clareza, como se esta não estivesse à altura da majestade do empreendimento: como se a clareza e a simplicidade da formulação fossem coisa de saloios. 
 
Nunca me esquecerei de um episódio passado com uma ex-aluna minha, da Universidade de Lourenço Marques. Já a viver em Lisboa, resolveu doutorar-se e, um dia, pediu-me que lesse e comentasse parte da dissertação que já tinha escrito. A certa altura, encrespei-me com certa passagem muito tortuosa e obscura e observei-lhe: “O que quer V. dizer com isto?” Ela imediatamente o esclareceu, o que me levou a perguntar-lhe: “Se V. o sabia dizer assim, por que o não disse?” ao que respondeu, meio enxofrada: “Também V. não tolera o mais pequeno teor de opacidade…” Respondi-lhe que a opacidade não era, em si, um valor. E que só se admitia, quando não houvesse alternativa. E o não haver alternativa tinha muito que se lhe dissesse. 
 
Wittgenstein era de opinião que, se um pensamento não conseguia ser exprimido de forma clara e simples, era por não estar ainda suficientemente amadurecido. O grande físico dinamarquês, Niels Bohr, era acutilantemente categórico: “Verdade e clareza são complementares.”

A clareza tem tido os seus campeões, desde Aristóteles (“A primeira qualidade do estilo é a clareza”), passando por Galileu (“Falar obscuramente, qualquer um sabe, com clareza, raríssimos”), por Leibnitz (“No mundo do espírito, busque clareza, no mundo material, busque utilidade”), por Voltaire, que frequentemente a exaltou e admiravelmente a praticou, por Anattole France, herdeiro refinado de Voltaire (“Um bom estilo, afinal, é como um raio de luz que entra pela minha janela no momento em que escrevo, e que deve a sua clareza à união das sete cores das quais é composto. O estilo simples é parecido com a claridade branca”), Jean Cocteau (“Escrever é batermo-nos com tinta, para nos fazermos entender”), até Camus (“Os que escrevem com clareza têm leitores, os que escrevem de maneira obscura têm comentadores”).

A clareza sempre me fascinou, desde a leitura de bons mestres que li na minha adolescência: Voltaire, Stendhal, Montaigne, António Vieira, António Sérgio, José Régio, entre outros. E passei a desconfiar de grossa batota, nos cultores do opaco e do obscuro. Algo me parecia torto, no espírito daqueles que escreviam torto. E nunca me arrependi. Tentei sempre ser claro com os meus alunos e com os meus leitores. Grandes cientistas são frequentemente belos escritores. Não perco um livro de ensaios de Peter Medawar, o fundador da imunologia, tal a elegância e claridade das suas formulações.

Jean Rostand, o investigador das rãs, é um admirável cultor da claridade da linguagem e um dos grandes pensadores aforistas da língua francesa. Dito isto, tenho más notícias para dar. A minha experiência com a publicação de textos, neste blog, tem-me tornado cada vez mais céptico, acerca dos benefícios ou vantagens da clareza. Procuro ser o mais claro possível, naquilo que escrevo. Mas noventa por cento dos meus comentadores vêem preto onde está branco e branco onde está preto. A luz que o texto emite não os afecta: não conseguem ler o que está no texto, porque olham apenas com os óculos da ignorância ou do preconceito ou mesmo da má fé. Para eles, a clareza é um desperdício. Se eu disser que Tolstoi foi um enorme escritor, mas um ser humano complexo e com grandes defeitos (coisa que qualquer biografia documenta e sobre a qual há milhares de páginas de comentário publicadas), acusam-me de estar a faltar à verdade ou de ser contra a Rússia…

Não há dúvida, para estes zarolhos, o branco é preto. Eis um debate interessante: quais os poderes da clareza, num universo em que a deseducação em massa impera? É isto que sai das escolas: a incapacidade de ler direitinho? A ignorância contente e atrevida? A má fé como instrumento de trabalho? A total falta de respeito pelo saber de quem sabe? A lisinha falta de civismo? Foi para isto que quisemos uma democracia esclarecida? Vale a pena meditar em tudo isto e dou-o, com humildade, aos pais dos alunos, aos professores e ao próximo ministro da educação.

Eugénio Lisboa

4 comentários:

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo. Quem pensa bem, escreve com clareza, e quem lê o contrário do que está escrito tem os fusíveis trocados.

Eugénio Almeida Lisboa disse...

Responderei, com muito gosto, quando os Anónimos deixarem cair o anonimato A cobardia do anonimato não é compatível com o alevantado teor de moralidade apregoado. Desçam a viseira e terão resposta.
Eugénio Lisboa

Eugénio Almeida Lisboa disse...

Já disse e repito: não respondo a anónimos cobardes. Baixem a viseira e terão resposta. Quem ou o que vos impede de fazê-lo?
Eugénio Lisboa

Anónimo disse...

É hora dos povos europeus removerem os seus governantes dos seus cargos, eles são loucos, são belicistas, estão a arrastar-nos para uma guerra que será devastadora... e em nome de quê? Da defesa do Nazismo da Ucrânia?

É hora dos cabeças quentes perceberam que não são inteligentes, que são apenas instigadores da guerra.

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