Na sequência do texto de Cátia Delgado, (Ainda) o 'sonho digital', reproduzo, com ligeiro cortes, o texto da OCDE a que ela se refere, o qual pode ser encontrado aqui. Não identifico entidades pois os seus nomes não importam propriamente para se perceber o papel que têm ou pretendem ter na educação escolar. Também não sublinho, como costumo, o que considero mais relevante no texto, o leitor perceberá que nele, recorrendo aos mesmos chavões, a organização lembra o caminho imparável que traçou para essa educação e que está apostada em concretizar.
"No futuro, o espaço educativo irá provavelmente tornar-se ainda mais concorrido e diversificado, com uma miríade de intervenientes privados, públicos e sem fins lucrativos que oferecem oportunidades educativas, muitas delas alimentadas pela IA, que são mais flexíveis e adaptadas às necessidades de cada aluno. Se bem pensado, os novos fornecedores de aprendizagem podem ajudar os que ficaram para trás.
Apesar da rápida diversificação no campo de atuação da educação, poucos países encontraram ainda uma forma de criar um ecossistema educativo que junte, de forma eficaz, uma variedade de tipos de prestadores de ensino, qualificações e plataformas.
Embora seja impossível saber como será o mundo da educação daqui a cem anos, podemos ter a certeza de que a transformação digital está a alterar profundamente como, porquê e onde se aprende. A forma como os governos antecipam, se adaptam e orientam essas mudanças será a chave para garantir que colocamos a tecnologia ao serviço da educação gratuita, equitativa e de qualidade para todos."
SONHO DIGITAL: O PAPEL DA TECNOLOGIA NA EXPANSÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO
Por Andreas Schleicher
"É difícil prever o futuro da educação. Em 1910, para comemorar a Feira Mundial, o artista francês Jean-Marc Côté produziu uma série de gravuras coloridas representando o ano 2000. Numa delas, um professor alimenta uma máquina com livros didáticos, onde o conhecimento é transformado em informação que entra diretamente na cabeça dos alunos. Alguns anos depois, Thomas Edison previu que os livros escolares tornar-se-iam obsoletos, sendo substituídos por fileiras de alunos que, sentados passivamente, recebiam informação de filmes.
Obviamente, estas visões do futuro estavam erradas em termos de progresso académico e tecnológico (para não mencionar o equívoco de que a educação é apenas um processo de colocar informação na cabeça dos alunos). Projeções mais recentes sobre o futuro da educação tiveram um resultado pouco melhor: em 2015, na cimeira da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, os líderes mundiais prometeram proporcionar educação primária “gratuita, equitativa e de qualidade” a todas as crianças, até 2030. Contudo, entre 2015 e 2023, as taxas de conclusão da escolaridade aumentaram apenas três por cento, de 84% para 87%.
Gostamos de pensar que a história do progresso humano é de melhoria contínua, onde a inovação tecnológica e os avanços socioeconómicos andam de mãos dadas. Porém, o desenvolvimento humano nem sempre é linear e faltam pouco mais de cinco anos para 2030. Antes de chegarmos ao final do período traçado pelos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), vale a pena reflectir sobre como a tecnologia está a ajudar-nos a avançar no acesso a educação, onde subsistem lacunas e o que mais pode ser feito.
Quando Sola Mahfouz tinha 11 anos, a família tirou-a da escola no Afeganistão depois de um grupo de homens ter ameaçado a sua segurança se continuasse a estudar. Ansiosa por aprender, começou a usar secretamente plataformas digitais de aprendizagem como a da (...). Sola acabou por passor no teste de admissão a uma universidade dos EUA, tornando-se investigadora de computação quântica na (...). Este é um caso entre milhões de jovens de todo o mundo que procuram desenvolver as suas habilidades através de programas de aprendizagem online e MOOCs. Num ano, a África Subsariana foi a região do mundo com a maior taxa de inscritos em cursos profissionais online (…). Entre 2019 e 2023, quase cinco milhões de africanos estavam matriculados nesses cursos de aprendizagem autónoma.
Os MOOCs são uma ferramenta transformadora e, como mostra a história de Sola, podem ser usadas para democratizar o acesso à educação e superar barreiras de género e outras. Graças à queda do preço dos smartphones e da conectividade, estão cada vez mais pessoas estão. Nos países da OCDE, pelo menos três quartos dos agregados familiares têm acesso a pelo menos um smartphone em casa. Em África, a entrada da internet cresceu de menos de 10% em 2010 para 33% em 2021.
O impacto das plataformas de aprendizagem digital depende de vários fatores: o acesso à internet de alta qualidade para to-dos deve ser priorizado pelos países (…). Devem ser facultados percursos de aprendizagem online que permitam o progresso e a qualificação académica, claramente ligados a melhores empregos e condições socioeconómicas. A regulamentação e a supervisão governamentais devem garantir que os cursos online estejam vinculados às necessidades do mercado de trabalho, que a qualidade seja assegurado e que os dados dos alunos estejam protegidos.
A ampliação dos MOOCs faz parte de uma tendência mais ampla de ampliação dos provedores educacionais – escolas privadas, organizações sem fins lucrativos, escolas charter, programas de microcredenciais e plataformas digitais de aprendizagem. No futuro, o espaço educativo tornar-se-á, provavelmente, ainda mais diversificada, integrando uma miríade de intervenientes priva-dos, públicos e sem fins lucrativos que oferecem oportunidades educativas, muitas delas alimentadas pela IA, que são mais flexíveis e adaptado às necessidades de cada aluno. Esses novos provedores / fornecedores de aprendizagem podem ajudar os que ficaram para trás.
A iniciativa (...), liderada por cidadãos, é um bom exemplo. Tem como objetivo fazer com que a tecnologia esteja acessível a qualquer pessoa na zona desfavorecida de (...), na Bélgica (…). Todos os participantes desenvolvem um projeto nos primeiros seis meses o que promove a student agency, capacitando-os a criarem os seus próprios roteiros para o sucesso, ao mesmo tempo que incentiva sua criatividade e habilidades de resolução de problemas.
Histórias de sucesso como esta podem ser encontradas em muitos países, mas, no seu conjunto, atingem um pequeno número de estudantes em comparação com o sistema público. Apesar de uma rápida diversificação do campo da educação, poucos países encontraram ainda um (…) ecossistema que reúna uma variedade de provedores educacionais, qualificações e plataformas de maneira eficaz (…).Um mundo onde coexistem muitos desses provedores não implica uma diminuição do papel dos governos. Pelo contrário, ele torna-se ainda mais importante para garantir que o sistema seja equitativo, justo, eficiente e que oferece educação da mais alta qualidade para o maior número de alunos. Além disso, o ecossistema deve ser sustentado por um ecossistema abrangente de dados sobre estudantes, educadores e fornecedores, inter-operável e utilizável por todas as partes interessadas para medir o progresso dos alunos, melhorar a qualidade da educação, informar a tomada de decisões e harmonizar a creditação entre os vários ambientes. Alguns países começaram a progredir neste sentido, mas a maioria ainda tem um longo caminho a percorrer (…) para resolver questões que são ainda mais complicadas devido ao progresso explosivo da IA.
Finalmente, a crescente mobilidade internacional de estudantes (…) e um cenário tecnológico em mudança exigem aumento da cooperação internacional. Organizações como a OCDE e a UNESCO, que fornecem dados comparativos sobre uma ampla gama de aspectos, desempenham um papel fundamental ao ajudar os países na sua cooperação para expandir o acesso à educação num mundo cada vez mais digital (…).
[A transformação digital em curso está a alter a educação]. O modo como os governos antecipam, adaptam e orientam essa transformação será a chave para garantir que colocamos a tecnologia ao serviço de uma educação gratuita, equitativa e de qualidade para todos."
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