quinta-feira, 21 de março de 2024

REFLEXÕES SOBRE A CONTRADIÇÃO

Por Eugénio Lisboa
Somos férteis só ao preço de
sermos ricos em contradições.

Nietzsche

Pensa-se, com excessiva frequência, que a contradição é o maior inimigo do intelecto e que “apanhar” alguém “em contradição” é o mesmo que demolir todo o edifício por ele construído. Por isso, os comentários de quem não tem nada melhor para fazer pululam de pequeninos achados de contradições alegadamente cometidas pelo comentado. Essas contradições existem, as mais das vezes, não no texto comentado, mas na realidade da vida. Evitar a contradição é querer evitar a realidade.
 
O grande físico quântico, Erwin Schrödinger, autor da equação de Schrödinger, que lhe valeu o Prémio Nobel da Física, em 1933, disse-o com límpida clareza: 
“Se um homem nunca se contradiz, a razão deve estar no facto de ele virtualmente nunca dizer nada.” 
Apanhar alguém em contradição está longe de ser uma vitória, ao contrário do que penam os contentes lançadores de falsas ratoeiras. 
 
O matemático e filósofo, Alfred North Whitehead, que foi, com Bertrand Russell, co-autor do livro PRINCIPIA MATHEMATICA, considerado uma das mais notáveis se não a mais notável obra de filosofia da matemática (fundamentos da matemática), não hesitou em afirmar: 
“Em lógica formal, uma contradição é o sinal de uma derrota, mas, na evolução do conhecimento real, marca o primeiro passo no caminho da vitória.” 
Quando, num texto que escrevi, para este DRN, afirmei que gente da Frelimo acusara os aparelhistas da União Soviética, de racismo, estava bem ciente de que não há povos ou nações que não sofram nem que seja de um racismo residual. O da Rússia em nada me impedia de admirar os seus altos valores culturais. O facto de o compositor Brahms se divertir a dar tiros aos gatos nunca me impediu de admirar as quatro belas sinfonias que escreveu. Mas havia, para mim, uma deliciosa ironia, no facto de as cúpulas daquele regime (não o limpa-chaminés russo), que aparentavam desprezar a raça negra, estarem a armá-la e treiná-la, para expulsar, das antigas colónias africanas, os brancos que eles queriam substituir (e que, como brancos, não desprezavam)… 
 
O facto é que nunca confundi a Rússia dos gigantes da literatura e da música com os seus governantes, do czarismo, incluído, para cá. Contradição? Sirvam-se… 
 
Eugénio Lisboa

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