sexta-feira, 16 de junho de 2023

VOLTANDO AO PROBLEMA DOS TELEMÓVEIS NA ESCOLA

"Telemóveis nas escolas: quando deixaremos de ser negligentes?" é o título de um texto de opinião publicado no dia 15 no jornal Expresso. Nele, o autor, o articulista Daniel Oliveira, retoma o caso de "gestão" bem sucedida dos telemóveis numa escola de Lourosa, que deu origem a uma petição pública. Parece ser um bom sinal; sinal da consciencialização crescente acerca das múltiplas e nefastas consequências que os telemóveis têm no desenvolvimento das crianças e jovens.

Reproduzo passagens desse texto, pelo seu interesse na análise do problema indicado em título. Destaco, mais uma vez, o exemplo dos engenheiros e empresários de Silicon Valley, criadores e incentivadores das tecnologias que evitam proporcionar aos seus miúdos (ver aqui, aqui, aqui).
"Somos nós, adultos, que estamos a viciar as crianças em ecrãs. E somos nós que os temos de livrar de um fardo que lhes tira o direito a brincar, conviver e crescer. Estamos a tirar aos nossos filhos capacidades de comunicar, de falar em público, de se relacionarem com os outros. Estamos a tirar-lhes capacidades físicas, tornando-os precocemente sedentários. Até lhes estamos a tirar capacidades afetivas. 
Não é por acaso que os pais de Silicon Valley procuram escolas com acesso limitado a tecnologia e alguns obrigam as amas a assinar contratos em que se comprometem a não usar telemóveis enquanto cuidam dos seus filhos. Sabem que há capacidades fundamentais que não se podem desenvolver num ecrã. Que o ecrã é viciante e, como todos os vícios, tem de ser retirado das mãos das crianças para que o resto aconteça. 
Com o atual estatuto do aluno, as limitações ao uso de telemóveis cingem-se aos espaços letivos, por razões óbvias de disciplina e concentração. Apesar de estar consciente dos problemas de cyberbullying, acesso a conteúdos impróprios, filmagem e divulgação de momentos da sala de aulas – excelente para tornar a vida de um professor ainda mais difícil –, não é apenas isso que mais me preocupa.
Diz-se muitas vezes, mais por conveniência ideológica do que por convicção, que escola ensina, não educa. A afirmação, que pretende retirar ao professor qualquer papel subjetivo na relação com os seus alunos e dar aos pais uma tutela absoluta que os proteja de regras comunitárias de que discordem, é tão absurda que nem devia merecer debate. Ninguém que esteja horas com uma criança ou um adolescente pode deixar de o educar (...). 
A ideia de que a escola deixa de cumprir a sua função nos intervalos das aulas é um apelo à negligência. É ali que aqueles seres humanos aprendem a integrar-se, a integrar os outros, a resolver conflitos, a ser tolerantes, a medir forças (...).  A escola não deve ser um espaço anacrónico, onde a tecnologia está interdita. Mas a tecnologia, a que a escola garante a todos, deve ser usada nos momentos em que é necessária, fazendo aquilo que a escola faz: pedagogia. A escola não pode ser uma bolha no quotidiano de crianças e jovens. Mas também não pode ser a mera repetição do que está errado na sua vida (...). 
A ideia de que devemos ensinar os menores a gerir um vício é generosa, mas ingénua. É um vício e são menores a quem, por natureza, faltam capacidades de gestão dos seus impulsos. Ter um tempo no dia em que os telemóveis estão inacessíveis é, à partida, a melhor forma de lhes ensinar a gerir a frustração e a ansiedade, levando-os a descobrir outras formas de divertimento. Coisa que inevitavelmente acontecerá. A mais antiga de todas: interagirem entre si, expressando emoções com o instrumento que naturalmente temos para o fazer (o corpo), reforçando laços de empatia. Serem, enfim, seres humanos. Isso também se aprende. 
E não se aprende em bandos de zombis virados para ecrãs, perdendo capacidades indispensáveis para animais gregários como nós. 
A escola, essa, é um espaço comunitário onde cada criança é individualmente educada, mas também se educa uma geração. E isso diz-nos respeito a todos. Como sociedade, não estamos a saber lidar com a tecnologia que devia servir para melhorar as nossas vidas (...). Estamos a ser coletivamente negligentes."

5 comentários:

Anónimo disse...

O problema dos telemóveis na escola está muito associado à indisciplina e violência, que, simbólica e fisicamente, já chega ao ponto de um aluno de 16 anos espancar com uma barra de aço o seu professor, em contexto de sala de aula. Ora, as grandes diretivas do ministério da educação para os professores, no âmbito do desenvolvimento curricular e avaliação das aprendizagens essenciais, como as que se encontram plasmadas no Projeto Maia, ignoram, olimpicamente, os crimes sem castigo que ocorrem na escola. Os maiores especialistas portugueses em ciências da educação, pelo menos os que estão atualmente no poleiro, acreditam que as grelhas de avaliação dos alunos, empapadas de descritores que inviabilizam toda e qualquer retenção, foram concebidas, por eles, especialistas, para desburocratizar o trabalho dos professores!
A barbárie pode tomar conta da instituição escolar, desde que esteja assegurado o sucesso escolar de todos, incluindo os mais pobrezinhos, independentemente dos telemóveis de cada um, no respeito por uma lógica, à prova de bala, dos cientistas da educação ao serviço dos poderes instalados.

Helena Damião disse...

Prezado Leitor Anónimo
Os documentos curriculares designados por “Aprendizagens essenciais” (AE) são direc-trizes da tutela, mas o Projecto Maia não é; será quando muito uma orientação. As AE materializam o currículo oficial (tendo de ser implementado em todas as escolas), já o dito Projecto não tem de ser implementado em nenhuma escola. É implementado se as escolas entenderem que deve ser implementado. Lamento, mas, por “maior” que seja o especialista em ciências da educação, podendo influenciar, até com suporte da tutela, as escola, não pode obriga-las a adoptar o que lhes cabe decidir adoptar (ou não adoptar). Todos os “agentes” educativos, colectiva ou individualmente, têm responsabilidade nas escolhas que fazem para a educação. Cumprimentos, MHDamião

Anónimo disse...

Professora Helena Damião,
O Projeto Maia, apadrinhado por cerca de meia dúzia dos melhores cientistas da educação em Portugal, é uma fraude que tem por objeto caucionar o sucesso educativo, logo à partida, de todos os que entram na longuíssima escolaridade obrigatória. Quando uma dada escola adota o Projeto Maia, os professores mais inconformados, adeptos da verdade e justiça na avaliação dos seus alunos, pouco ou nada podem fazer, porque a sua avaliação honesta prejudicaria muito os seus alunos relativamente aos alunos avaliados com base na mentira e na inflação das notas. A Professora Helena argumentará que a avaliação não pode ser uma fraude, ao que eu responderei, cheio de vergonha, que a avaliação com o Projeto Maia é uma realidade das nossas escolas porque quem pode manda. O professor, enquanto indivíduo, já não manda.

Helena Damião disse...

Estimado Professor, o que diz é verdade. Esse projecto complementa e reforça, através da avaliação, a lógica curricular delineada pelas organizações supranacionais que se apropriam da escola para fazer valer os seus interesses, muito ligados ao funcionamento do mercado financeiro. O modo de "obrigar voluntariamente" os países, as escolas, os departamentos e cada professor a aderir a essa lógica, é refinadamente eficaz. Mas também é verdade que, como professores não podemos enganar os alunos, nem nos podemos enganar. Não os beneficiamos nem nos beneficiamos, ou, numa versão mais pessimista, prejudicamo-los e prejudicamo-nos. Não sei bem o que podemos fazer, mas entendo que resignarmo-nos não é opção, pelos alunos e por nós. Leio a sua nota com esperança, ter consciência do problema, como demonstra que tem, é sinal de que pensando, falando, podemos sair deste e de outros dilemas. Cumprimentos, MHDamião

marsupilami disse...

Na escola do meu filho (collège, do sexto ao nono ano de escolaridade), os telemóveis são interditos dentro e fora da sala de aulas. É uma escola pública. Além de tudo o que é escrito no texto, e com o que estou de acordo, há tembém uma questão de segurança : as pessoas não sabem usar os telemóveis e o resultado é que temos os edifícios públicos completamente expostos ao exterior. Na verdade, é extraordinário constatar que há detentores de cargos políticos importantes que alegremente usam iphones, os ministérios gerem e guardam informação sensível dos alunos em Windows, etc etc ... As pessoas não têm noção das máquinas que têm em mãos. Deveria ser uma regra de cortesia básica desligar o smartphone quando se entra em casa de outrém.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...