quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Centro TUMO em Coimbra: “empoderar" ou empenhar a geração futura”?

Por Cátia Delgado

Foi apresentado, ontem, no “icónico edifício dos CTT de Coimbra” o futuro centro de tecnologias digitais criativas – TUMO –, o primeiro a instalar em Portugal, dirigido a 1.500 jovens dos 12 aos 18 anos, com o objetivo de os "capacitar" para “lidar melhor com os desafios e com as oportunidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade”, como noticia a Câmara Municipal da cidade na sua página online.

Esta entidade pública surge ao lado de vários parceiros que sustentam e financiam a iniciativa: desde instituições bancárias a empresas das tecnologias. Com início previsto para setembro do presente ano, “os programas são presenciais, totalmente gratuitos e acontecem depois da escola”. Numa “interseção da tecnologia com a criatividade”, os participantes realizarão um “percurso de aprendizagem individual e personalizado”. 

O tutor da iniciativa, especialista em finanças, declara que estamos face a “um conceito educativo inovador e colaborativo com capacidade transformacional” e promete ser possível “aprender ao ritmo de cada um, com base na tecnologia, sem professores”. 

A narrativa deste e de outros atores ligados à iniciativa é bem conhecida, nada, mas mesmo nada tem de inovadordistanciando-se da realidade oferecida pela escola, pretende convencer o público-alvo – primeiramente, jovens e pais – que, com base na abordagem a implementar, se pode ir além dela no domínio de competências complexas que permitem vingar no mercado de trabalho em que os os jovens ingressarão. Aqueles que não as dominem, ficarão para trás

Afirmando-se que é necessário “pôr adolescentes aos comandos da própria aprendizagem” e fornecer-lhes oportunidades de “conhecimento prático” em alternativa ao “conhecimento livresco”, indica-se ser este o caminho para “empoderar a geração futura” (ver SIC Notícias). 

Reforça-se, por isso, uma necessidade que se aponta como vital, quando, na verdade, o que prevalece é a vontade de crescimento de certos setores da sociedade, distantes da educação escolar, deixando, ainda mais vulneráveis, os que, por diversos motivos, se distanciam dessa vontade.

O Coimbra Coolectiva fez, como toda a comunicação social, o anúncio do mencionado centro, de forma entusiasta: 
(...) esta semana demos uma novidade em primeira mão e das grandes! O edifício dos CTT em Coimbra vai transformar-se no primeiro TUMO do país. Trata-se de um centro de tecnologias digitais e criativas com um programa educacional gratuito, complementar ao ensino obrigatório, que põe adolescentes aos comandos da própria aprendizagem. 
E acrescenta: 
Numa semana em que milhares de professores reivindicam melhores condições de trabalho, de vida e escolas melhores para os nossos miúdos e miúdas, ficamos a saber que em Setembro abrem-se as portas para o que parece ser um excelente e inclusivo estímulo pedagógico para esta e as futuras novas gerações. Ainda por cima resultante do esforço conjunto de empresas, empresários e fundações com o apoio também da autarquia
Para os milhares de professores – profissionais de educação, especializados e especialmente mal remunerados por comparação aos que integram esta campanha – que se debatem pelas devidas melhorias nas suas carreiras e por conseguirem melhores condições para ensinar os alunos que se querem atrair para o referido centro, a narrativa em causa só pode ser entendida como uma declarada afronta. 

Carentes de financiamento, que se lhes nega, para proporcionar a todos os alunos da escola pública condições dignas de aprendizagem, veem-se, mais uma vez ultrapassados, pela “boa vontade” e “ação benemérita” de empresas e da própria autarquia, representante do Estado que deveria priorizar o setor público e olhar, primeiramente, para questões que influenciam, diariamente, o bom funcionamento das escolas, no caso, em Coimbra. 

É, por exemplo, elevado o estado de degradação de diversas escolas da região (uma delas situada mesmo ao lado do edifício escolhido), que receberiam de muito bom grado os vários milhões investidos na iniciativa, alguns deles atribuídos pela autarquia (quatro milhões apenas nos primeiros 4 anos do projeto). 

Trata-se, é bom de ver, de um programa estratégico de formação, subsidiado por todos nós, que beneficia em primeiro lugar, nao quem diz beneficiar, mas os seus mentores, afetos a empresas da área das tecnologias e finanças.

Ao propagarem que "facultam" aos jovens, “sem custos”, oportunidades que a escola não lhes dá, parecem ir ao encontro dos seus interesses e motivações, mas tem, efetivamente, em conta as suas necessidades de empregabilidade .

De notar que o referido programa nasceu na Arménia, existindo, atualmente 14 centros espalhados por diversos países, como Alemanha e França. Há a promessa de mais centros em Portugal.

1 comentário:

Rui Ferreira disse...

O ciclo de vida do político é variável. A sua duração consegue-se através de atividades circenses. Pouco importa conhecer, ou mesmo nada, os fundamentos da ação. Ainda para mais que à ação serão alocados recursos humanos que ajudarão a perpetuar o poder, leia-se "recursos humanos com o perfil adequado à missão". Foi por esta razão que, na onda do eixo 8 dos projetos "Norte 2020", "Centro 2020", ... a maioria das Câmaras Municipais desenvolveram projetos paralelos à escola, do tipo, "concelho ensina+", com orçamentação europeia (também nossa, de todos nós) a partir de meio milhão de euros. Tudo somado dá um balúrdio (descarregar as folhas de excel que são públicas e ver). Ou seja, deslocam-se os recursos financeiros da Educação para outras "coisas".
Em suma, o centro TUMO mais que parece a versão 2.0 dos "Concelhos ensinam+". Depois destes outros virão, assim se faz inovação.

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