quinta-feira, 21 de março de 2019

"VISÃO, OLHOS E CRENÇAS"


No seu recente livro Visão, Olhos e Crenças, saído na colecção “Ciência Aberta” da Gradiva, o professor de Física da Universidade do Porto Luís Miguel Bernardo ensaia uma combinação entre física, medicina, história e etnologia. Começando por abordar a visão nos animais e nos seres humanos, foca a seguir nos olhos, adoptando a perspectiva histórica, para no final tratar dos mitos, lendas e superstições que proliferam a respeito da visão e dos olhos. Os interessados pela biologia poderão conhecer a diversidade dos sistemas de visão no reino animal, incluindo o espantoso camarão louva-a-deus, que possui um dos mais desenvolvidos sentidos cromáticos do mundo vivo. Os apreciadores da história da ciência seguirão com prazer a evolução das ideias sobre o funcionamento da visão e dos olhos. Finalmente, aqueles que apreciam a fantasia e a religiosidade, poderão aprender histórias do mau-olhado, o mal provocado\ por bruxas e feiticeiras com um simples olhar.

Para os médicos será particularmente interessante a apresentação da vida e obra de alguns médicos portugueses que trataram os olhos, designadamente a meia dúzia que alcançou fama internacional. O primeiro e talvez o maior de todos foi Pedro Hispano, que, sob o nome de João XXI, foi eleito papa, até hoje o único papa português. Ele escreveu no século XIII o Tractatus de Oculis, onde descreve o olho humano e aborda várias doenças oftalmológicas assim como o seu tratamento. Consta que, mais tarde, o pintor Miguel Ângelo teria tratado uma doença dos olhos com uma receita do papa lusitano. Para o único Nobel português em ciência, Egas Moniz, este seria “um dos primeiros tratados de oftalmologia escritos no mundo”. No século XVII, pontificou o médico Filipe Montalto, um judeu natural de Castelo Branco tal como outro grande médico judeu, Amato Lusitano. Tendo vivido exilado em vários sítios da Europa, publicou em Florença o Optica intra philosophiæ & Medicinæream (1606), onde apresenta a fisiologia do olho ligando-a às teorias da óptica, isto é, combinando a medicina com a física imediatamente antes do auge da Revolução Científica (antecede, por exemplo, Descartes, que também tratou os olhos a óptica). Montalto recebeu merecida atenção tanto dos seus contemporâneos. Um outro tratado notável de oftalmologia, Elementos de Cirurgia Ocular (1793) teve por autor o médico Joaquim José de Santana, que trabalhou no Hospital de S. José, quando este, após o grande terramoto, sucedeu ao Hospital de Todos os Santos. Merece relevo nos séculos XIX e XX o médico António Plácido da Costa, que foi professor primeiro na Escola Médico-Cirúrgica no Porto e depois na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Inventou o queratoscópio, um disco útil para o exame da córnea. Um médico da Sorbonne pretendeu a prioridade desse invento, mas Ricardo Jorge surgiu a defender o seu colega. Em Lisboa destacou-se como médico e cirurgião também em finais do século XIX e inícios do século XX o médico de origem indiana Caetano Gama Pinto, cujo nome foi dado a uma rua perto do Hospital de Santa Maria em Lisboa. O livro de Luís Miguel Bernardo chega até à actualidade com as referências que faz ao médico da Universidade de Coimbra José Cunha Vaz, premiado internacionalmente pelos seus trabalhos sobre a retinopatia diabética, e aos prémios na área da visão da Fundação Champalimaud, que são os maiores em todo o mundo.

Em suma, um livro que, a propósito da visão e dos olhos, mostra as ligações entre ciência e sociedade de uma maneira muito original. Bons olhos o leiam!

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