quinta-feira, 1 de maio de 2014

"Rãs", de Aristófanes

Na sequência da informação aqui dada sobre os 150 títulos que a Classica Digitalia já publicou, destaco a obra Rãs, de Aristófanes, traduzida do grego e comentada pela professora Maria de Fátima Silva da Universidade de Coimbra.

A apresentação
As Rãs, apresentadas nas Leneias de 405 a. C., constituíram, na carreira do seu autor, um momento de maturidade e de glória. Era tempo, agora que a morte dos três grandes nomes da tragédia se consumava, de fazer o balanço do que havia sido, na sua trajectória, o processo de vida de uma das mais vistosas glórias de Atenas ao longo de todo o século V a. C. Atento a corresponder às expectativas diversas de um público naturalmente heterogéneo, o poeta de Rãs apostava em duas componentes harmoniosas no seu plano utópico: os riscos de uma viagem ao inferno e o resgate de um poeta de qualidade, que devolvesse à cena teatral ateniense os seus dias de grandeza. Dioniso, o deus do teatro em pessoa, é o fio condutor de toda a acção: ele que, primeiro, afronta as agruras de uma catábase - a tradicional descida aos infernos -, para depois, no reino dos mortos, se assumir como árbitro da qualidade teatral e julgar os méritos relativos dos dois poetas em disputa pelo ‘trono de honra’ da tragédia: Ésquilo e Eurípides. Aristófanes, por seu lado, depois de uma já longa experiência no teatro, conquistava, com esta produção, um aplauso compensador, que o colocava em primeiro lugar no concurso teatral. Mais do que a distinção de vencedor, o público garantiu-lhe, pelo entusiasmo com que aderiu à proposta de Rãs - uma produção ao mesmo tempo literária e política -, uma reposição a curto prazo, honra rara a premiar um momento de eleição.
Da introdução 
A produção de Aristófanes em 405 a. C. As rãs, apresentadas nas Leneias de 405 a. C., constituíram, na carreira do seu autor, um momento de maturidade e de glória. Depois de uma já longa experiência no teatro, Aristófanes conquistava um aplauso compensador, que o colocava em primeiro lugar no concurso onde Frínico, com as Musas – também uma comédia literária – , mereceu o segundo, seguido de Platão Cómico, com Cleofonte, uma proposta de sátira política. Mais do que a distinção de vencedor, o público garantiu‑lhe, pelo entusiasmo com que aderiu à proposta de Rãs, uma produção ao mesmo tempo literária e política, uma reposição a curto prazo, honra rara a premiar um momento de eleição.
Se considerarmos, no seu conjunto, as três criações premiadas em 405 (de que só a de Aristófanes chegou até nós), é visível a prioridade dada, nesse ano, à matéria literária, subjacente aos dois primeiros lugares, seguida da paródia política, comum às Rãs e ao Cleofonte. Vários são os motivos para essa prioridade. Impôs‑se, antes de mais, o efeito causado pela morte recente de Eurípides e de Sófocles (entre 406 e 405 a. C.), os dois poetas mais representativos, após o desaparecimento de Ésquilo uns cinquenta anos antes, da produção trágica, que percorrera, ao longo de todo o séc. V a. C., uma trajectória de sucesso em Atenas.
A morte, a tão curto intervalo, de Eurípides e Sófocles estimulava a um balanço do que tinha sido a arte trágica e as fibras, literárias e dramáticas, que lhe deram forma nas mãos dos melhores dos seus cultores. Mas, numa Atenas em profunda crise moral, social, económica e cultural, desencadeada por trinta anos de guerra – o longo conflito civil que a história passou a designar por guerra do Peloponeso –, o esvaziamento da cena trágica dos seus mestres parecia um prenúncio aziago a inaugurar anos de decadência.
Ao mesmo tempo, a própria arte cómica atingia também o seu clímax, para iniciar um processo descendente e passar a uma fase de transição, onde muito do seu vigor crítico e espectacularidade cénica se estiolavam; razões de crise económica, associadas a outras de instabilidade política, aconselhavam moderação e maior modéstia nos efeitos e recursos.
Por todos estes motivos, o ano de 405 figura como um marco de mudança, a separar tempos de apogeu de anos de inapelável decadência. Mas como se de um ‘canto do cisne’ se tratasse, Rãs situam‑se no limite de um clímax de criatividade e sucesso.
É, por isso, oportuna a interrogação que deixam no ar: como salvar a tragédia e a cidade?

1 comentário:

Miguel disse...

Um dos grandes inovadores da ficção ocidental; penso que poucos apreciam a revolução que ele instituiu, criando pela primeira vez personagens originais, em vez de ir buscá-los à mitologia, e inventando histórias novas em vez de andar a papaguear mitos e episódios históricos, de guerra em geral, como a Guerra da Pérsia. Que acto de liberdade de espírito! Sem ele não teríamos, bem, não teríamos a literatura moderna, ainda estaríamos a escrever a décima milésima versão da Antígona e Orestes. Engraçado como a originalidade costuma andar de braço dado com a comédia com mais frequência do que com a tragédia.

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