Recriação em pintura do terramoto de Lisboa, de 1755 |
A sismologia tornou-se, assim, um dos capítulos mais importantes da geofísica, disciplina que, no respeitante à parte sólida da Terra, é entendida como o domínio da geologia interessado no seu estudo, através de procedimentos do campo da física. O nome desta disciplina surgiu publicado pela primeira vez na Alemanha, em 1863, na obra Beitraege zur Geophysik und Klimatographie, de Adolf Mühry (1810-1888) médico alemão que, influenciado por Alexander von Humboldt (1769-1859), abandonou a medicina para se entregar à climatologia e à oceanografia. Cerca de duas décadas mais tarde, em Inglaterra, surgia o primeiro tratado de geofísica, The Physics of the Earth’s Crust, editado em 1881, pelo Reverendo Osmond Fisher (1817-1914), que explica a dinâmica da capa rígida do planeta, como sendo induzida por correntes de convecção no interior da Terra, que ele admitia estar em fusão. O nome desta então novíssima disciplina ressurge em 1887, no título do livro Handbuch der Geophysik, de Siegmunt Günther (1848-1923), e data de 1898 a primeira cátedra de geofísica, regida na Universidade Georg-August, em Göttingen, por Emil Johann Wiechert. Embora se conheçam ideias e estudos antigos, envolvendo aspectos físicos (calor interno, pressões, magnetismo, electricidade) que afectam o corpo planetário, nomeadamente, os relacionados com os sismos e as erupções vulcânicas, foi só no século XIX que a geofísica ganhou estatuto de ciência.
Na Suíça, o professor de medicina da Universidade de Lausana, François-Alphonse Forel (1841-1912), colaborou com o geofísico italiano Michele Stefano de Rossi (1834-1898) no desenvolvimento de uma escala de dez graus para descrever a intensidade de um sismo, com base nos seus efeitos, que ficou conhecida por Escala de Rossi-Forel. Apresentada em 1883, por aperfeiçoamento de uma congénere, concebida dez anos antes por Rossi, constituiu a primeira tentativa de avaliação da intensidade dos sismos e elaboração de uma escala de intensidade sísmica a recolher aceitação generalizada, sendo durante muitos anos a mais usada. Duas décadas mais tarde, em 1902, o sacerdote italiano Giuseppe Mercalli (1850-1914), vulcanólogo e sismólogo, concebeu e pôs em prática uma escala de intensidade dos sismos a partir dos seus efeitos sobre as pessoas e sobre as estruturas construídas e naturais a que, posteriormente, foi dado o seu nome, tendo tido uso generalizado ao longo de grande parte do século XX. A Escala de Mercalli surgiu como uma alteração à escala de Rossi-Forel, visando maior precisão, e distingue doze graus, do mais ligeiro ao catastrófico. Para um dado sismo, os graus avaliados por esta escala variam em função da distância ao foco sísmico (epicentro) e, ainda, das características geológicas dos terrenos atravessados pelas ondas sísmicas, da densidade do povoamento e do tipo das edificações. Assim sendo, esta escala não faculta informação absoluta sobre os sismos. Por exemplo, um sismo libertador de grande energia que tenha lugar num deserto é classificado com sendo do grau I, na escala de Mercalli, ao passo que um outro, de menor energia, numa zona muito populosa e de construções frágeis, pode causar efeitos destruidores e, assim, ser classificado num grau elevado. Com o passar do tempo e depois de várias alterações, a escala de Mercalli foi substituída, em 1956, pela Escala de Mercalli Modificada, em resultado de melhoramentos introduzidos pelo norte-americano Charles Francis Richter. (1900-1985).
Entretanto, na Irlanda, o geólogo Richard Dixon Oldham (1858-1936), tendo por base o comportamento das ondas sísmicas no interior da Terra, sugeria, em 1906, que o núcleo se encontrava no estado líquido.
Prosseguindo na mesma linha de investigação, o meteorologista e sismólogo austríaco Victor Conrad (1876-1962), depois de estudar os sismos ocorridos na Áustria, em 1923 e 1927, propôs a existência de uma fronteira de transição entre uma suposta crosta continental superior e uma suposta crosta continental inferior. Esta fronteira, na qual a velocidade das ondas sísmicas, segundo ele, varia de modo descontínuo, passou a ser conhecida por descontinuidade de Conrad. Ausente em algumas áreas continentais, foi definida pelo autor como uma superfície sub-horizontal, localizada entre 15 a 20 km de profundidade.
Nos anos de 1960, numa época em que a crosta continental superior era referida por sial (dos símbolos químicos do silício e do alumínio) e descrita como sendo constituída por rochas félsicas, de tipo granítico, e que a crosta continental inferior era referida por sima (dos símbolos químicos do silício e magnésio) e considerada constituída por rochas máficas, de tipo basáltico, a descontinuidade de Conrad foi posta em dúvida por geólogos e geofísicos. Perseguido político no seu país e emigrante nos Estados Unidos da América, a partir de 1939, este académico de renome internacional, leccionou nas Universidades de Nova Iorque, Chicago e Harvard, e no Instituto de Tecnologia da Califórnia. O Conrad Observatory for Seismology, criado em sua homenagem a cerca de 50 km de Viena, perto de Gutenstein, tem por objectivos principais a investigação em sismologia, gravimetria e geomagnetismo.
Uma outra descontinuidade no interior da Terra foi identificada, em 1930, pelo jesuíta norte-americano William Charles Repetti (1884-1966). Conhecida por descontinuidade de Repetti, é tida por estar situada a cerca de 970 km de profundidade, na fronteira entre o manto superior e o manto inferior.
Representação
esquemática do interior da Terra
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Tendo em atenção a diferença entre a densidade média das rochas conhecidas à superfície da crosta e a densidade média do corpo planetário, no seu todo, concluiu pela existência de um núcleo bastante mais denso. Numa outra linha de trabalho, desenvolveu um sismógrafo mais eficaz do que os existentes à época, sendo pioneiro na utilização de sismos artificialmente produzidos, com vista a prospecções geológicas no terreno, uma actividade que recebeu o nome de prospecção sísmica, que se revelou do maior interesse na procura de jazidas petrolíferas e outras.
Um seu contemporâneo, o meteorologista e sismólogo croata, Andrija Mohorovicic (1857-1936), foi outro dos fundadores da moderna sismologia, sendo considerado um dos geofísicos mais importantes do século XX. É, sobretudo, lembrado por ter descoberto uma importante descontinuidade na velocidade de propagação das ondas sísmicas na fronteira entre a crosta e o manto terrestres. Conhecida por descontinuidade de Mohorovicic ou, simplesmente, por Moho, em homenagem ao seu descobridor, teve e continua a ter plena aceitação pela comunidade científica.
Ao analisar os sismogramas do terramoto de 8 de Outubro de 1909, perto de Zagreb, registados em estações progressivamente mais afastadas do epicentro deste abalo, Mohorovicic verificou que sempre que as ondas sísmicas passam de uma camada geosférica a outra, são reflectidas ou refractadas, à semelhança da luz quando passa de um meio óptico para outro.
Em sismos gerados próximos da superfície, detectou a existência de uma descontinuidade na velocidade de propagação das ondas sísmicas na fronteira entre a crosta e o manto, a uma profundidade de 5 a 10 km, sob a crosta oceânica e de 35 a 40 km, sob a crosta continental, podendo situar-se a cerca de 70 km sob as altas montanhas. Reconheceu, ainda, pela primeira vez, a existência de ondas sísmicas longitudinais e transversais, que se propagam com diferentes velocidades através do interior do planeta. Mohorovicic desenvolveu conceitos, muito avançados para o seu tempo, sobre modelos de composição e estrutura da Terra e sobre a geração de sismos de foco profundo. Inovou sobre a localização automática de epicentros e estudou o efeito dos sismos sobre os edifícios e propôs procedimentos que só tiveram aceitação décadas mais tarde, como a melhoria dos equipamentos, o aumento do número de estações sismográficas e a observação de sismos de foco profundo.
Da mesma geração, o irlandês Richard Dixon Oldham (1858-1936), geólogo com intenso trabalho produzido nos Himalaias, Outro nome grande na investigação do interior do planeta, o meteorologista e sismólogo alemão Beno Gutenberg (1889-1960), discípulo de Emil Johann Wiechert, no Geophysical Institute, em Göttingen, foi um dos mais ilustres professores e investigadores da Universidade de Frankfurt. Em 1913, ao analisar a propagação de ondas sísmicas, identificou, a cerca de 2883 km de profundidade, uma descontinuidade na fronteira entre o núcleo externo e o manto inferior terrestres, que alguns referem como Descontinuidade de Gutenberg e outros como descontinuidade de Wiechert-Gutenberg.
A partir deste limite, as ondas transversais (ondas S) deixam de se propagar, uma vez que o núcleo externo é líquido, e as ondas longitudinais (ondas P) diminuem a sua velocidade. Na sequência do estudo do comportamento destas ondas, Gutenberg descobriu, ainda, uma camada do manto externo, menos rígida, caracterizada por causar uma diminuição da velocidade de propagação das ondas sísmicas, cujo limite superior, sob os continentes, se situa a profundidades superiores a 100 km. A esta camada, de limite inferior difuso, o americano Joseph Barrell (1869-1919) deu o nome de astenosfera.
Em 1930, Gutenberg emigrou para os Estados Unidos da América, tendo sido acolhido como professor titular de Geofísica no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), em Pasadena, onde fundou o laboratório sismológico, para o qual foi nomeado director, a partir de 1948. Neste Instituto conviveu com o sismólogo e professor de Sismologia norte-americano Charles Francis Richter (1900-1985), com o qual colaborou na criação da escala que mede a magnitude [1] dos sismos, em uso desde 1935 e divulgada sob o nome de Escala de Richter.
Ao tempo do engenheiro químico norte-americano Leason Heberling Adams (1887-1969), ainda não eram conhecidos valores referentes à elasticidade das rochas. Tendo iniciado este domínio do conhecimento, estudando as propriedades elásticas de materiais rochosos sujeitos a pressões e temperaturas elevadas e relacionando os resultados obtidos com a velocidade de propagação das ondas sísmicas, Adams inovou valiosos conhecimentos sobre o interior do planeta. Demonstrou que a ideia convencional de uma pirosfera terrestre era falsa e que o núcleo é constituído por ferro-níquel. Ao relacionar a velocidade das ondas sísmicas com a compressibilidade e a densidade das rochas, encontrou uma via para avaliar a densidade do interior da Terra.
Maurice Ewing é uma homenagem à sua obraO Instituto Biométrico Marinho, em Galveston, no Texas, onde foi chefe da Divisão de Ciências Planetárias e da Terra, chama-se hoje Laboratório de Geofísica Maurice Ewing Hall.A continuação da investigação sismológica visando a estrutura interna da Terra conduziu à descoberta de mais uma descontinuidade, desta vez por uma mulher, a dinamarquesa Inge Lehmann (1888-1993), lembrada pelos seus importantes estudos sobre a constituição interna do planeta, o que a tornou uma autoridade entre os seus pares. Em 1936, esta sismóloga sugeriu a existência de uma fronteira sísmica que divide o núcleo terrestre em duas unidades esféricas distintas e concêntricas, uma interna, considerada no estado sólido, e outra externa, comportando-se como um corpo no estado líquido. Mais conhecida por descontinuidade Lehmann, também tem sido referida por Descontinuidade de Wiechert-Lehmann.
As investigações levadas a efeito nas décadas de 1920 e 1950, respectivamente, pelo sismólogo japonês, Kiyoo Wadati (1902-1995) e pelo seu homólogo norte-americano, Hugo Benioff os focos dos muitos sismos aí ocorrentes se aprofundam à medida que se afastam da fossa, no sentido do continente. Esta descoberta permitiu conceber o processo designado por subducção, segundo o qual, uma porção da litosfera oceânica mergulha ao longo de um plano inclinado a que foi dado o nome de plano ou zona de Benioff-Wadati, uma das fronteiras dessas porções a que mais tarde se daria o nome de placas litosféricas ou, simplesmente, placas. O registo sistemático dos sismos, ao longo do século XX, em múltiplas estações sismográficas espalhadas por toda a superfície da Terra e equipadas com sismógrafos de maior precisão, fornecedores de dados de melhor qualidade, permitiu obter uma imagem da sua distribuição à escala do planeta.
Rede
sísmica mundial nas fronteiras da placas litosféricas
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[1] A magnitude de um sismo é um parâmetro numérico relacionado com a energia libertada nesse abalo. A escala de magnitudes simples de Richter (de um sismo) que é a habitualmente referida na comunicação social, utiliza o logaritmo, na base 10, da amplitude de oscilação máxima medida num sismógrafo padrão que esteja colocado a 100 km do respectivo epicentro. O valor medido à referida distância padrão é obtido por cálculo a partir dos registos em várias estações sismográficas. Nesta escala o valor 8,9 corresponde aos terramotos mais destruidores e 1,5 aos sismos de menor intensidade.
A. Galopim de Carvalho
1 comentário:
Há muitos registos de sismos com magnitudes abaixo de 1,5, Magnitudes -1 (MENOS UM) vi eu muitos (registados no fundo do mar onde tudo é mais calmo).
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