sexta-feira, 23 de maio de 2014

Saúde por maus caminhos – a “lei da rolha”


Texto recebido de Fernando J. Regateiro, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

O Ministério da Saúde tem em mãos um projecto de regulamentação da conduta dos seus profissionais – um “Código de Ética”. Num dos pontos do projecto, é estabelecido que os trabalhadores se devem abster de, em público e sem mandato superior, emitir opiniões que ponham em causa ou afectem o interesse da instituição. 

E aqui surge um conflito entre o dito “interesse” da instituição e o real interesse dos utentes da saúde. Lamentavelmente, no centro de gravidade onde a proposta impõe “absoluto sigilo e reserva”, deveria estar um “absoluto” cuidado com os doentes. 

Num espaço de liberdade e de estímulo à criatividade, o trabalhador tem o dever de denunciar, por dever de lealdade, insuficiências e erros junto da direcção. E esta de agradecer, limitar danos e corrigir a situação. Se nada acontecer, e por lealdade para com os utentes, o trabalhador passa a ter um duplo dever: trazer a público quer as falhas quer a inoperância da direcção. 

Isto é cidadania!

Mas, da proposta também se deduz uma assimetria nada ética: o trabalhador poderá dizer bem, mas não pode dizer mal! Ainda que seja verdade.

É a “lei da rolha”, a favorecer a opacidade na gestão, a mediocridade e a subserviência.

Era esperada e é saudável a reacção dos médicos. Têm o dever de denunciar condições que limitem a liberdade do exercício médico ou que prejudiquem os doentes e ponham em risco a sua segurança.

A disponibilidade reactiva do Ministério da Saúde para alterar os pontos da discórdia, pretende apenas iludir a realidade: aqui, existe uma matriz de “rolheiro”!

Por isso, e já Eça o dizia: “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.

E esta proposta cheira mal!...

Fernando J. Regateiro



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