Uma nota que Ana Lúcia Neves me enviou a propósito do livro Sobre Literatura, de Umberto Eco, referido na rubrica O livro do dia, da TSF, do dia de ontem.
Nos cerca de dois minutos e meio, que vale a pena ouvir (aqui), destacou este pequeno extracto.
“Tenho-me interrogado muitas vezes: escreveria ainda hoje, se me dissessem que amanhã uma catástrofe cósmica iria destruir o universo, de modo que amanhã ninguém pudesse ler o que escrevo hoje? Em primeira análise, a resposta é não. Para quê escrever, se ninguém puder ler-me? Em segunda análise a resposta é sim, mas só porque nutro a desesperada esperança de que, na catástrofe das galáxias, consiga sobreviver alguma estrela, e amanhã alguém possa vir a decifrar os meus sinais. Neste caso escrever, mesmo na véspera do Apocalipse, ainda teria sentido.”
Maria Helena Damião
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E porque não perguntar simplesmente para quê escrever? Isso do universo poder desaparecer já iria incluído. Por outro lado, parece-me pretensiosismo ou mesmo pindérico que alguém, seja ele quem for, tenha em tanta conta o que escreve(ria) que o faça sob uma condição tão rebuscada. A menos que esteja a reinar. Eu compreendo que, se houver uma catástrofe ou guerra que destrua quase tudo, excepto este escrito, provavelmente serei mais importante que Platão e mesmo que Newton, ou Einstein, mas não escrevo a pensar nisso.
Escrever e falar para alguém ler ou ouvir. São formas de comunicar. Mas há quem fale sozinho...
Dá gosto ler Umberto Eco.
Apetece dizer: "No princípio era o Verbo e no fim o Verbo será".
Escreve-se por necessidade. O que Eco quis dizer foi que se houver a remota esperança de que alguém nos leia, escrevemos. Não para sermos importantes, mas porque precisamos de escrever. Já Rilke o dizia.
Nem sempre escrevo por necessidade. De outras pessoas, não sei. A maior parte das vezes, julgo que o faço por outras razões e motivos.
Mas a questão da importância parece-me essencial.
Para Eco o que é importante é que alguém possa vir a decifrar os seus sinais.
Pela parte que me toca, não considero isso importante, mas na situação de alguém, numa era pós Apocalipse, encontrar este escrito, admito que me tornaria importante.
O que Eco quis dizer, só ele saberá...
Respeito a sua interpretação, mas não partilho dela.
Poderá haver quem escreva por necessidade, mas também se pode escrever por prazer. É como ler. Podemos ler por obrigação, ou por prazer...
Quando falo de necessidade não me refiro aos meios de subsistência. Falo de uma necessidade vital em escrever. Alguém que sinta que pode viver sem escrever, perde o direito a fazê-lo, dizia Rilke.
“ As obras literárias convidam-nos à liberdade de interpretação porque nos propõe um discurso a partir dos inúmeros planos de leitura e nos colocam perante as ambiguidades da linguagem e da vida” (Umberto Eco, Sobre Literatura, 2003).
Na minha liberdade de interpretação, e no contexto em que surgiu, ouvir a leitura deste texto revelou-se apaziguador…
Quem escreve e pensa, principalmente de forma fundamentada e intelectualmente rigorosa, ainda que sabendo que todo o seu trabalho poderá ser, de um momento para o outro, completamente abandonado, deve perceber aquilo a que me refiro…
Admiro aqueles que continuam a escrever e a defender as suas convicções, nutrindo a esperança de que, na catástrofe das mudanças (e essas não se resumem às cósmicas) continue a haver quem os leia, quem decifre o seu pensamento, quem partilhe das suas convicções…
Com ou sem catástrofes, pensar e escrever, fará sempre sentido.
Coloquei, agora mesmo, a questão à minha sobrinha, com 8 anos.
Achas que a tia deve continua a escrever, mesmo sabendo que amanhã ninguém vai poder ou querer ler aquilo que eu escrevo?
A sua resposta, num primeiro momento, também foi não. Após alguns segundos, passou a sim. "Sim, deves continuar a escrever porque é o que tu gostas de fazer, ainda que saibas que amanhã ninguém vai ler."
No modelo literário de Umberto Eco acima descrito a escrita ramificada (desenvolve o personagem sem personificar) significa desenhar a revelar o sentido primevo saudável.
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