No século XX, o cientista português mais conhecido internacionalmente foi António Egas Moniz, o nosso único prémio Nobel
em Ciência: recebeu o Nobel da Medicina e Fisiologia em 1949, pelos seus
trabalhos relativos à lobotomia pré‑frontal, em conjunto com o suíço Walter Rudolf Hess (alguns
partidários do Estado Novo chamaram‑lhe jocosamente “o meio prémio Nobel”...).
Egas Moniz nasceu em Avanca, perto de Aveiro, no sítio onde hoje
pode ser visitada a Casa Museu Egas Moniz. É curiosa a história da iniciação de
Egas Moniz na técnica de raios X. Corria o ano de 1896 e era ele ainda
estudante de Medicina em Coimbra quando teve a oportunidade de colaborar com o
seu professor de Física, Henrique Teixeira Bastos, na reprodução das experiências
de raios X, passados dois escassos meses da descoberta daqueles raios por
Wilhelm Roentgen em Wuerzburg, na Alemanha. Escreveu ele muitos anos mais tarde
sobre as suas experiências com os raios X:
“O facto era conhecido, mesmo no vivo, pois nenhuma
descoberta teve até hoje aplicação mais rápida e imediata que a de Roentgen. Em
Coimbra, porém, não se tinha feito e lembro‑me da alegria que tal
acontecimento determinou na minha vida.”
Após ter concluído no ano de 1899 o curso de Medicina, começou por
ser professor na Universidade em Coimbra. Doutorou‑se também naquela instituição em 1901 a tese A Vida Sexual – Fisiologia, editada em
livro, que foi considerado muito avançado para a época, a tal ponto que, nos
anos do Estado Novo, só era vendido mediante receita médica. Tendo sido
aprovado num concurso em Coimbra para professor catedrático em 1910, mudou-se no ano seguinte para a Universidade de Lisboa, quando aí abriu
a Faculdade de Medicina. A razão, pelo menos em parte, foi a sua intensa
actividade política, que realizava melhor em Lisboa. Durante a 1.ª República
foi embaixador em Madrid em 1917 e Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1918.
Esteve presente no armistício de Versalhes em representação de Portugal. Mas,
quando terminou a 1.ª República, abandonou a vida política para se dedicar em pleno
à ciência.
Usando precisamente os raios X com os quais contactou na
juventude, Moniz foi o autor da técnica da angiografia cerebral, que se servia
da marcação de vasos sanguíneos para diagnosticar doenças do cérebro. Mas,
apesar deste feito ser já merecedor do Nobel, seria outra inovação que lhe valeria o prémio da Academia
Sueca. Num congresso de Neurologia em Londres em 1935 Moniz ouviu um relato de
experiências de cirurgia mental em símios, que lhes modificavam o
comportamento, diminuindo‑lhes a
perigosidade. E logo pensou em aplicar essa técnica em doentes psicóticos
graves. O Nobel foi‑lhe atribuído
precisamente pela sua “descoberta do valor terapêutico da leucotomia em certas
psicoses”. A técnica, que consistia na
ablação de parte do cérebro em doentes mentais, tornou‑se bastante popular (um médico norte‑americano, Walter Freeman, foi o “campeão” das lobotomias, tendo
realizado milhares delas), mas está hoje banida. A atribuição do Nobel ainda é, por isso, objecto de
polémica nalguns círculos. Mas o certo é que não se pode ver o passado apenas
com os olhos do presente. Entre os lobotomizados famosos em Portugal estiveram
o escritor Raul Proença e Teresa Caetano, a mulher do primeiro‑ministro Marcello Caetano. Na sua prática clínica
Egas Moniz foi procurado por celebridades literárias actuais, embora não na
época, como os poetas Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Há até uma
história curiosa sobre o primeiro: quando Sá Carneiro
lhe descreveu um problema de separação corpo‑mente,
o médico referiu-lhe um poema glosando esse tema, que tinha lido na Orfeu:
As mesas do Café endoideceram feitas ar
Caiu‑me
agora um braço... olha lá vai ele a valsar,
Vestido de casaca, nos salões do Vice‑Rei...
(Subo por mim acima como por uma escada de corda
E a minha ânsia é um trapézio escangalhado...).
Resposta lesta de Sá Carneiro:
– Mas esse poema é meu!
Tal como o seu colega médico Miguel Bombarda, Egas Moniz foi
alvejado a tiro por um doente mental, mas conseguiu escapar aos graves
ferimentos. Moniz foi o autor de várias obras científica e obras
autobiográficas, como A Minha Casa, sobre a sua infância e juventude, e Confidências de um
Investigador Científico, sobre a sua fulgurante carreira
científica. Recebeu, além do Nobel, numerosas distinções nacionais e
internacionais. O nosso Nobel deixou escola na Faculdade de Medicina de Lisboa,
uma circunstância que não é normal em Portugal: a chamada escola de Angiografia
de Lisboa. À cabeça dela esteve”, Pedro de Almeida Lima, o seu principal
colaborador, pode mesmo dizer‑se em sentido
literal “o seu braço direito, uma vez que Moniz sofria de gota, bem visível nas
mãos, pelo que não podia operar. Mas também estiveram Reynaldo dos Santos e o
seu filho João Cid dos Santos, entre outros (este não foi de algum modo o único
caso de pai e filhos médicos, mas Egas Moniz não teve filhos). O médico, activo
no Porto, Mário Corino de Andrade, que descobriu a “doença dos pezinhos”, também passou pelo
laboratório de Egas Moniz.
2 comentários:
jonas
nao presta
francisco
muiti bom
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