Minha crónica na última Gazeta de Física (na imagem Max von Laue):
No presente ano passa o centenário do Prémio Nobel da Física
atribuído ao alemão Max von Laue, pela “sua descoberta da difracção dos raios X
pelos cristais”. Esse foi um dos pretextos invocados pelas Nações Unidas para
designarem 2014 como o Ano Internacional da Cristalografia. De facto, a ideia que conduziu a essa
descoberta data, segundo o próprio autor, de Fevereiro de 1912. Num passeio
pelo Englischer Garten em Munique, von
Laue, que já era doutor por Berlim desde 1903 (tinha sido aluno de um outro Max,
Max Planck), foi estimulado por uma
conversa com Paul Ewald, então estudante doutoral de Arnold Sommerfeld. O
problema de Ewald tinha a ver com a passagem de luz visível por um cristal, mas
Laue (que então ainda não era von Laue, pois só mais tarde, e à custa do pai,
ganharia tal distinção nobiliárquica) pensou que faria mais sentido fazer
passar raios X pelos cristais. Já se conhecia o tamanho típico das distâncias
interatómicas e havia bons motivos para suspeitar que o comprimento de onda dos
raios X era da mesma ordem de grandeza.
Apesar de alguma resistência inicial à ideia por parte de
Sommerfeld, o certo é que dois assistentes deste, Paul Knipping and Walter
Friedrich, na Universidade Ludwig-Maxmilian de Munique, logo realizaram a experiência
usando um vulgar cristal de sulfato de cobre, seguindo as recomendações de von
Laue, que era um teórico e não um experimentalista. O padrão de interferência da
radiação X numa chapa fotográfica era manifesto, confirmando duas coisas: por
um lado, a natureza ondulatória dos raiox X (na época não era ainda nada
evidente!) e, por outro, a natureza atómica da matéria sólida (uma ideia que já
estava interiorizada). O próprio Sommerfeld anunciou ao mundo científico a
novidade em Junho de 1912. Agora dispunha-se de um meio para ver as coisas por
dentro e a dupla familiar William Henry Bragg e William Lawrence Bragg,
respectivamente pai e filho, do outro lado do canal da Mancha, rapidamente o
aproveitaram para conseguirem avanços notáveis
na área, num trabalho que lhes valeria o
Nobel em 1915. Bragg filho tinha então apenas 25 anos, o que lhe concede a
distinção de ser o mais jovem de todos os laureados Nobel até hoje. Foram
merecidamente rápidos os prémios Nobel para a cristalografia. A técnica
generalizou-se. Nem von Laue nem os Braggs poderiam imaginar que hoje a
difracção de sólidos por raios X continua a ser, em várias disciplinas
científicas, uma ferramenta essencial.
Pode-se até falar de “indústria” da difracção de raios X, seja para descobrir
a estrutura de uma proteína, seja para descobrir a natureza íntima de um
mineral.
Von Laue obteve um lugar de professor em 1912 em Zurique, em
1914 em Frankfurt e em 1919 em Berlim. Haveria de se manter na Universidade de
Berlim até 1943 quando se reformou. Foi, portanto, um dos sábios alemães que
ficaram no seu país durante o governo de Hitler. Mas isso não o impediu de, com
os limitados meios à sua disposição, ter resistido ao regime nazi. Ele era, de
resto, um claro adepto da teoria da relatividade, que a “ciência alemã”
procurava ridicularizar. Von Laue foi, em Berlim, colega e amigo de Einstein
(os dois tinham a mesma idade), que deixou a Alemanha logo que Hitler chegou ao
poder. Em 1945, numa operação de caça aos sábios alemães, um comando aliado prendeu-o
em sua casa e levou-o para a famosa propriedade, repleta de microfones
escondidos, de Farm Hall, na Inglaterra,
onde, com Heisenberg, Hahn, von Weizsaecker e outros, receberia a notícia da
bomba sobre Hiroshima. Na prisão von Laue escreveu um artigo sobre a
interferência de raios X que foi publicado na Acta Crystalographica, nada mau para um reformado.
Von Laue, que recuperaria as honrarias científicas na
Alemanha, morreu após um acidente automóvel em 1960, cinco anos após Einstein.
Os dois simbolizam os dois grupos de físicos alemães, os que ficaram e os que abandonaram a sua pátria, temendo a
perseguição nazi. A física unia-os a todos.
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