(Fachada da Escola Industrial da antiga Lourenço Marques)
Meu artigo de opinião saído hoje no Público:
“Existe uma erótica
do novo, o antigo é sempre suspeito”
(Roland Barthes).
Num dos programa da TVI24, Olhos nos Olhos foi tema de debate o
ensino superior, com a participação bem documentada e explanada do catedrático
de Coimbra, Carlos Fiolhais.
A páginas tantas, foi abordado, um tanto a latere, o ensino profissional de antes de 25 de Abril, merecedor
da atenção de Medina Carreira, licenciado em Direito, mas com
vivência escolar deste tipo de ensino por ser, também, diplomado com o curso industrial do antigo ensino
técnico. Desta forma, com conhecimento de causa, lamentou-se ele, perante os
telespectadores, do facto da discussão na praça pública desta forma de ensino
ser tida pelo poder político como uma espécie de águas passadas que não movem
moinhos não merecedora, portanto, de ser
avaliada nos prejuízos que a sua extinção acarretou.
Extinção essa que mereceu esta contundente crítica de Guilherme Valente: “O maior crime perpetrado na educação foi a extinção do ensino técnico-profissional. Decidida na primeira assembleia constituinte, por unanimidade, com a concordância cobarde de muita gente que seguramente tinha consciência do erro. Na altura só uma voz se ergueu para criticar a decisão, afirmando que iria gerar mais desigualdade: o Professor A. Sedas Nunes. E assim aconteceu”.
Extinção essa que mereceu esta contundente crítica de Guilherme Valente: “O maior crime perpetrado na educação foi a extinção do ensino técnico-profissional. Decidida na primeira assembleia constituinte, por unanimidade, com a concordância cobarde de muita gente que seguramente tinha consciência do erro. Na altura só uma voz se ergueu para criticar a decisão, afirmando que iria gerar mais desigualdade: o Professor A. Sedas Nunes. E assim aconteceu”.
Ora este statu quo ficou a dever-se a uma coisa bem
simples, que repousa menos no direito constitucional à educação e mais no
novo-riquismo da democracia portuguesa reconhecido pelo ex-ministro da Educação
David Justino ao lamentar o facto de, após o 25 de Abril, “se ter morto o ensino
técnico e profissional, tendo-se perdido, com isso, quase 30 anos” (Diário de Coimbr”, 10/12/2003).
Por acreditar num ensino técnico devidamente dignificado me fiz seu defensor, por várias vezes, com posts publicados no blogue De Rerum Natura e nos media: O ensino profissional na ordem do dia, Público (05/Set./2012) e A extinção dos liceus e escolas técnicas, Diário de Coimbra (26/Set./2001). Mas ouçamos, sobre esta temática, a voz de Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard e festejado autor da Teoria das Inteligências Múltiplas:
“Chegou a hora de alargar a nossa noção do espectro dos talentos. A contribuição mais importante que a escola pode fazer para o desenvolvimento de uma criança, é ajudar a encaminhá-la para a área onde os seus talentos lhe sejam mais úteis, onde se sinta satisfeita e competente. É um objectivo que perdemos completamente de vista. Em vez disso, submetemos toda a gente a uma educação em que, se somos bem sucedidos, a pessoa fica preparada para ser professor universitário. E, ao longo do percurso, avaliamos toda a gente de acordo com esse estreito padrão de sucesso. Devíamos passar menos tempo a classificar as crianças e mais tempo a ajudá-las a identificar as suas competências e dons naturais, e a cultivá-los. Há centenas de maneiras de ser bem sucedido e muitas, capacidades que nos ajudarão a lá chegar”.
E, se é verdade que o direito à educação está estabelecido pela Constituição Portuguesa, igual direito se perfila no que respeita à cultura física e à prática desportiva. Mas daí a defender-se que o acesso à universidade deve ser para todos, independentemente das suas capacidades intelectuais ou de trabalho, apresenta o mesmo vício de forma que considerar que aos praticantes de futebol de menor aptidão físico-motora deve ser facultada a integração nas equipas profissionais dos maiores clubes da 1.ª Liga de Futebol. Em mera hipótese, suponhamos que Eusébio, Figo ou Cristiano Ronaldo tinham sido obrigados a desistir das suas competências, para utilizar a classificação de Gardner, “corporal-cinestésicas” em favor de exigências “lógico-matemáticas ou linguísticas”. Hipoteticamente, não seriam eles hoje indivíduos a aumentar o rol imenso de portugueses em buca de emprego no estrangeiro vítimas de insucesso escolar pela não conclusão do antigo ensino superior ou mesmo liceal?
Sabendo-se que as aprendizagens de determinadas profissões tem um determinado período da vida do aluno para uma melhor e mais rápida aquisição, não posso deixar de considerar que colocar indivíduos no actual ensino técnico-profissional depois de terem falhado anos consecutivos num ensino direccionado unicamente para o ingresso em escolas de ensino superior desacredita aquele ensino tornando-o numa escolha de último recurso.
Urge, portanto, mudar a mentalidade de uma sociedade arreigada a padrões obsoletos de sucesso de um diploma de ensino universitário ou politécnico impingido a qualquer custo e sem condições de êxito, regressando a um ensino que, a partir do 6.º ano de escolaridade, seja capaz de indicar ao aluno o caminho a seguir, segundo as suas capacidades avaliadas em testes de aptidão vocacional. E, consequentemente, não misturando numa mesma escola secundária alunos de “papel e caneta” com alunos que necessitam de oficinas devidamente apetrechadas e professores com formação altamente especializada.
Arrogo em minha defesa o facto de não escrever de pena ao vento , como diria Eça, por ter iniciado, em fins de 50, a minha carreira docente de 18 anos na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, da então Lourenço Marques, e ter-me deparado com uma pontinha de orgulho, décadas volvidas, com um site da autoria de seus antigos alunos que homenageiam o respectivo corpo docente pela formação académica recebida e pelo seu não menos importante desenvolvimento como pessoas, em cumprimento do princípio defendido por Albert Einstein: É fundamental que o estudante adquira uma percepção nítida dos valores. Lê-se aí:
“Naturalmente que, como em tudo, no respeitável corpo docente que ao longo dos anos leccionou na nossa escola, nem todos conseguiram ser populares, mas todos contribuíram, de uma forma ou de outra, para a nossa formação, quer como estudantes, quer como pessoas. Alguns deixaram a sua marca. (...) Ainda hoje, e eu faço notar isso aos meus filhos, eu sei o nome dos meus professores, e faço questão de realçar a sua competência. Pena que nem todos eles possam já tomar conhecimento de que também fazem parte da nossa saudade académica”.
É este ensino técnico, com espirit de corps, sem complexos de inferioridade de ser "filho de um Deus menor”, viveiro de profissionais briosos e de homens reconhecidos pelo ensino que receberam e os preparou para o mundo do trabalho, que deve merecer o respeito dos cidadãos e o remorso de políticos que, em nome de uma sociedade sem classes, a transformaram numa sociedade desclassificada académica e profissionalmente.
Só desta forma sairá reforçada uma educação que não tenha como finalidade um descarado facilitismo, ainda que para fins meramente estatísticos, na obtenção de diplomas de ensino superior à Relvas que envergonham as instituições privadas que os outorgaram e desvirtuam os políticos seus possuidores em cargos ministeriais ou “sentados de cócoras nas bancadas de São Bento”, para fazer uso da mordaz crítica social e política de Eça de Queiroz.
Por acreditar num ensino técnico devidamente dignificado me fiz seu defensor, por várias vezes, com posts publicados no blogue De Rerum Natura e nos media: O ensino profissional na ordem do dia, Público (05/Set./2012) e A extinção dos liceus e escolas técnicas, Diário de Coimbra (26/Set./2001). Mas ouçamos, sobre esta temática, a voz de Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard e festejado autor da Teoria das Inteligências Múltiplas:
“Chegou a hora de alargar a nossa noção do espectro dos talentos. A contribuição mais importante que a escola pode fazer para o desenvolvimento de uma criança, é ajudar a encaminhá-la para a área onde os seus talentos lhe sejam mais úteis, onde se sinta satisfeita e competente. É um objectivo que perdemos completamente de vista. Em vez disso, submetemos toda a gente a uma educação em que, se somos bem sucedidos, a pessoa fica preparada para ser professor universitário. E, ao longo do percurso, avaliamos toda a gente de acordo com esse estreito padrão de sucesso. Devíamos passar menos tempo a classificar as crianças e mais tempo a ajudá-las a identificar as suas competências e dons naturais, e a cultivá-los. Há centenas de maneiras de ser bem sucedido e muitas, capacidades que nos ajudarão a lá chegar”.
E, se é verdade que o direito à educação está estabelecido pela Constituição Portuguesa, igual direito se perfila no que respeita à cultura física e à prática desportiva. Mas daí a defender-se que o acesso à universidade deve ser para todos, independentemente das suas capacidades intelectuais ou de trabalho, apresenta o mesmo vício de forma que considerar que aos praticantes de futebol de menor aptidão físico-motora deve ser facultada a integração nas equipas profissionais dos maiores clubes da 1.ª Liga de Futebol. Em mera hipótese, suponhamos que Eusébio, Figo ou Cristiano Ronaldo tinham sido obrigados a desistir das suas competências, para utilizar a classificação de Gardner, “corporal-cinestésicas” em favor de exigências “lógico-matemáticas ou linguísticas”. Hipoteticamente, não seriam eles hoje indivíduos a aumentar o rol imenso de portugueses em buca de emprego no estrangeiro vítimas de insucesso escolar pela não conclusão do antigo ensino superior ou mesmo liceal?
Sabendo-se que as aprendizagens de determinadas profissões tem um determinado período da vida do aluno para uma melhor e mais rápida aquisição, não posso deixar de considerar que colocar indivíduos no actual ensino técnico-profissional depois de terem falhado anos consecutivos num ensino direccionado unicamente para o ingresso em escolas de ensino superior desacredita aquele ensino tornando-o numa escolha de último recurso.
Urge, portanto, mudar a mentalidade de uma sociedade arreigada a padrões obsoletos de sucesso de um diploma de ensino universitário ou politécnico impingido a qualquer custo e sem condições de êxito, regressando a um ensino que, a partir do 6.º ano de escolaridade, seja capaz de indicar ao aluno o caminho a seguir, segundo as suas capacidades avaliadas em testes de aptidão vocacional. E, consequentemente, não misturando numa mesma escola secundária alunos de “papel e caneta” com alunos que necessitam de oficinas devidamente apetrechadas e professores com formação altamente especializada.
Arrogo em minha defesa o facto de não escrever de pena ao vento , como diria Eça, por ter iniciado, em fins de 50, a minha carreira docente de 18 anos na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, da então Lourenço Marques, e ter-me deparado com uma pontinha de orgulho, décadas volvidas, com um site da autoria de seus antigos alunos que homenageiam o respectivo corpo docente pela formação académica recebida e pelo seu não menos importante desenvolvimento como pessoas, em cumprimento do princípio defendido por Albert Einstein: É fundamental que o estudante adquira uma percepção nítida dos valores. Lê-se aí:
“Naturalmente que, como em tudo, no respeitável corpo docente que ao longo dos anos leccionou na nossa escola, nem todos conseguiram ser populares, mas todos contribuíram, de uma forma ou de outra, para a nossa formação, quer como estudantes, quer como pessoas. Alguns deixaram a sua marca. (...) Ainda hoje, e eu faço notar isso aos meus filhos, eu sei o nome dos meus professores, e faço questão de realçar a sua competência. Pena que nem todos eles possam já tomar conhecimento de que também fazem parte da nossa saudade académica”.
É este ensino técnico, com espirit de corps, sem complexos de inferioridade de ser "filho de um Deus menor”, viveiro de profissionais briosos e de homens reconhecidos pelo ensino que receberam e os preparou para o mundo do trabalho, que deve merecer o respeito dos cidadãos e o remorso de políticos que, em nome de uma sociedade sem classes, a transformaram numa sociedade desclassificada académica e profissionalmente.
Só desta forma sairá reforçada uma educação que não tenha como finalidade um descarado facilitismo, ainda que para fins meramente estatísticos, na obtenção de diplomas de ensino superior à Relvas que envergonham as instituições privadas que os outorgaram e desvirtuam os políticos seus possuidores em cargos ministeriais ou “sentados de cócoras nas bancadas de São Bento”, para fazer uso da mordaz crítica social e política de Eça de Queiroz.
2 comentários:
Tudo tem a haver com "uma das características estruturais da sociedade portuguesa" identificada por António José Saraiva, que o Rui Baptista em postagem recente nos deu a conhecer: a Diplomocracia. Conforme Saraiva sabiamente indicou a génese do Diploma em Portugal: "Não para ter mais conhecimento ou serem mais esclarecidos, mas não serem menos que os outros. Não era a igualdade que se buscava, mas a igualdade de estatuto, através da posse do diploma".
Esta é uma característica das nossas Elites predominantes que as tornam sempre indigentes com o que vem de fora com p.e. a idolatria dos Bezerros de Ouro das Europas das Luzes: não podendo ser, só podem querer ter.
Razão tinha António José Saraiva quando em reunião em 1975 do Departamento da Faculdade, em que "depois de ouvir longos debates e acesas discussões sobre o que se pretendia com a avaliação dos alunos", "pediu a palavra, se levantou com cuidado e disse, num tom de voz resguardado (que contrastava com as vozes alteadas dos contendores que o tinham antecedido):
“Eu queria propor que se desse o diploma de licenciatura aos alunos quando eles fossem admitidos na Faculdade. Depois, só cá ficavam os que queriam mesmo aprender…”. E sentou-se. Fez-se silêncio na sala. Era uma frase radical, na realidade ninguém sabia como reagir a ela."
Era fácil de fazer, barato e satisfazia em pleno o que as Elites idolatram: aparências!
Não podia deixar de escrever (em 1:ª instância, se me é permitida a analogia jurídica!) que li com muita atenção e proveito o seu comentário. Em devida altura, responder-lhe-ei mais detalhadamente. O seu comentário bem o merece, assim esteja eu à altura de uma resposta condigna. Cordiais cumprimentos.
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