Artigo recebido de opinião Victor Hugo Forjaz, Catedrático Jubilado de Vulcanologia (na figura, fotografia aérea das ilhas da Terceira, em primeiro plano, S. Jorge, Pico e, ao fundo no centro, o Faial):
1 - Dizem-me que
inventaram mais um dia comemorativo - o Dia do Geólogo, no 30.º dia de mês
de Maio, um mês de santidades. É um dia
sem direito a feriado ou a dispensa de serviço. Ou bónus como os de certos bancos. Dizem-me, uns longínquos colegas e
amigos, que é o dia em que eu, como decano indígena (o mais velhote, entenda-se) devo recordar
coisinhas dessa profissão aqui, na Região Autónoma, sem partitura, cábula
ou assopro. Assim, arriscando um pensamento de Luther King ( "Para se ter inimigos
basta emitir uma opinião"….) avanço com um resumo
recordatório do que tem sido a Geologia nos Açores, resumo para um público
generalista, nomeadamente políticos. E
realço "resumo" porque a história, nomeadamente a pós-abrilina, é um longo romance de capa e espada, já escrito,
bem guardado e que alguns
políticos detestam recordar .
2 - Um geólogo é o profissional que se dedica a estudar e a divulgar o conhecimento
geológico, a História da Terra, a génese e evolução do planeta que habitamos
com maior ou menor ou nenhuma felicidade. Há séculos, a Geologia encontrava-se associada com a Filosofia, fase interessantíssima para a
compreensão das que se seguiram. No século XIX a Geologia passou a integrar as Ciências Histórico-Naturais
e no segundo quartel do século seguinte passou a assumir-se como Ciências da Terra e do
Espaço, modelo CEE/UE. Presentemente já existem astrogeólogos (tal como os astrobiólogos, gente
estranhíssima...), geólogos lunares, geólogos marcianos,etc. Nos Açores já
existiu a tentativa de dividir, tal como nas castas da Índia, a classe geológica regional e assim criar a profissão de vulcanólogo "made in
Azores", exclusivo da nossa querida universidade. Arrumei com a tontice (antes de "subir" ao reitorado do "amen") recordando que Haroun Tazieff, primeiro doutor honoris causa da nossa bendita
universidade e decerto um dos maiores do
mundo, era engenheiro agrónomo e que Frederico Machado, o maior vulcanólogo
nacional,era engenheiro civil. Os proponentes ficaram desapontados,
quase desistindo, mas voltarão à carga… O conhecimento geológico, dizem os economistas, está relacionado com o estado de desenvolvimento de cada país, de cada região. Compete aos geólogos inventariar e descobrir minerais e rochas, descrever camadas
sobre camadas e respectivos significados, realizar a várias escalas as denominadas cartas geológicas e suas
variantes temáticas, fornecer à engenharia civil os parâmetros geotécnicos que
necessitam, estudar a génese, a circulação e a extracção da água
(o bem geológico mais precioso do planeta - frequentemente mal gerido), identificar e aconselhar as situações de perigos geológicos (recorrendo à sismologia, à vulcanologia, à geotecnia, à
protecção civil, à tecnologia). Geólogo é uma profissão planetária,
imprescindível e insusbstituível por equipamentos informáticos; estes serão sempre meros auxiliares,
simples complementos, embora cada vez
mais apaixonantes.
3 - A geologia
dos Açores pode ser dividida em dois grandes períodos, ou seja, antes e depois do Projecto
Geotérmico de 1976 ( incluindo
S. Migue, Terceira, Faial, Pico e Flores).
4 - O período ante-1976
ainda pode ser dividido em várias fases, algumas de incómoda explicação para a
maioria dos leitores .Pelo que apenas sintetizamos as mais evidentes.
Porém tem interesse recordar que Gaspar Frutuoso, o famoso
cronista das Saudades da Terra, no século XVI, já foi considerado o primeiro
vulcanólogo português, dadas as suas espantosas descrições do relevo e
litologias as ilhas, nomeadamente
quanto à ilha de S.Miguel. Porém, a primeira narrativa geológica e
científica dos Açores deve-se a John Webster, obra em inglês, editada em Boston em 1821 e intitulada "Uma descrição da
Ilha de S.Miguel, Compreendendo o relato da sua Estrutura Geológica; com
anotações sobre outras ilhas dos Açores,
as localizadas a poente".
Adquiri essa raríssima obra
na saudosa e célebre
Livraria Nove Estrelas, do Dr. José de
Almeida, à rua do Mercado. O livro de
Webster circulou pelo mundo científico de então e deu brado a sua trágica morte, em Boston, por enforcamento, por ter
mandado matar um fornecedor a quem devia volumosa maquia .
Seguiram-se diversos e saltitantes naturalistas de diversas nacionalidades,
como Hulbert (1827 - Volcanoes of
the Azores…, etc), Hartung e Esenwein, militares e mineralogistas vivendo em Lisboa,
alguns publicando excelentes descrições geológicas e até descobertas (como o mineral azorite de Alfredo
Bensaúde, genial fundador do Instituto Superior Técnico ) e o mineral faialite, composto essencial da olivina,
descoberto na Praia do Norte da ilha do Faial.
A estadia do Príncipe
Di Conti ,em S. Miguel, em 1950, a convite do Dr. Augusto Arruda, embora
combatida pelo partido único, a União Nacional, conduziu ao início da
cartografia das ilhas por equipas dos Serviços Geológicos de Portugal - SGP, em 1956. O raiar da erupção dos Capelinhos
(tinha eu 16 anos…) apanhou a missão dos SGP em pleno trabalho de campo, em
1957, em S. Miguel, dirigida pelo Doutor Georges Zbyszewski, filho de príncipe
polaco que se exilou em França. Um dos filhos dele (Georges) mudou-se para Lisboa. O doutor Zbyszewski executou
primorosos mapas geológicos dos Açores (peças sempre de difícil aquisição) e
encarregou-me de realizar a Carta Geológica de S. Jorge, após a crise
sismovulcânica de 1964, a primeira carta oficial que inseria a vulcanoestratigrafia da ilha, ou seja, a divisão das diversas grandes formações
geológicas por idades (os Complexos
Vulcânicos). A carta de S. Jorge
constituiu a minha tese de estágio
científico da licenciatura em Geologia e
foi classificada pelo Catedrático de Geologia da FCUL Professor Doutor Carlos
Teixeira. O respeitadíssimo geólogo Zbyszewsky (ou apenas Doutor Zby para os que
com ele conviviam) organizou duas
belas memórias sobre os Capelinhos, ainda hoje referências
mundiais. Era amigo de Tazieff, também
polaco, primeiro doutor honoris causa da
Universidade Açores. Nem um retratinho
dele (nem de outros honoris…) existe naquela santa casa! Por causa dos proponentes, decerto.
(continua)
2 comentários:
Só um pormenor, parece-me antes ser uma foto das ilhas Terceira (1º plano) S.Jorge e Pico. O Faial ainda se vê ao fundo ao centro.
Tem toda a razão, já emendámos. Cordialmente
Carlos Fiolhais
Enviar um comentário