quinta-feira, 29 de maio de 2014

DIA DO GEÓLOGO - 1



Artigo recebido de opinião Victor Hugo Forjaz, Catedrático Jubilado de Vulcanologia (na figura, fotografia aérea das ilhas da Terceira, em primeiro plano, S. Jorge, Pico e, ao fundo no centro,  o Faial):

1 - Dizem-me que inventaram mais um dia comemorativo - o Dia do Geólogo, no  30.º dia de mês de Maio, um  mês de santidades. É um dia sem direito a feriado ou a dispensa de serviço. Ou bónus como os de certos bancos. Dizem-me, uns longínquos  colegas e amigos, que é o dia  em que eu, como decano indígena (o mais velhote, entenda-se) devo recordar coisinhas dessa profissão aqui, na Região Autónoma, sem partitura, cábula ou  assopro. Assim, arriscando um pensamento de Luther King ( "Para se ter inimigos basta emitir uma opinião"….) avanço com um resumo recordatório do que tem sido a Geologia nos Açores, resumo para um público generalista, nomeadamente políticos. E realço "resumo" porque a história, nomeadamente a pós-abrilina, é um longo romance de capa e espada, já  escrito,  bem guardado e que alguns políticos detestam recordar .

2 - Um  geólogo é o profissional que se dedica a estudar e a divulgar o conhecimento geológico, a História da Terra, a génese e evolução do planeta que habitamos com maior ou menor ou nenhuma felicidade. Há séculos, a Geologia encontrava-se associada com a  Filosofia, fase interessantíssima para a compreensão das que se seguiram. No século XIX  a Geologia passou a integrar as Ciências Histórico-Naturais e no segundo quartel do século seguinte passou  a assumir-se como Ciências da Terra e do Espaço, modelo CEE/UE. Presentemente já existem astrogeólogos (tal como os astrobiólogos, gente estranhíssima...), geólogos lunares, geólogos marcianos,etc. Nos Açores já existiu a tentativa de dividir, tal como nas castas da Índia, a classe geológica regional  e assim  criar a profissão de vulcanólogo "made in Azores", exclusivo da nossa querida universidade. Arrumei com a tontice (antes de "subir" ao reitorado do "amen") recordando que Haroun Tazieff, primeiro doutor honoris causa da nossa bendita universidade e decerto  um dos maiores do mundo, era engenheiro agrónomo e que Frederico Machado, o maior vulcanólogo nacional,era engenheiro civil. Os proponentes ficaram desapontados, quase desistindo, mas voltarão à carga… O conhecimento geológico, dizem os economistas, está relacionado com o estado de desenvolvimento de cada país, de cada região. Compete aos geólogos inventariar e descobrir minerais e rochas, descrever camadas sobre camadas e respectivos significados, realizar a várias escalas  as denominadas cartas geológicas e suas variantes temáticas, fornecer à  engenharia  civil os parâmetros geotécnicos que necessitam, estudar a génese, a circulação e a extracção da água  (o bem geológico mais precioso do planeta - frequentemente mal gerido), identificar e aconselhar as situações de perigos geológicos (recorrendo à sismologia, à vulcanologia, à  geotecnia, à  protecção civil, à tecnologia).  Geólogo é uma profissão planetária, imprescindível e insusbstituível por equipamentos informáticos; estes serão sempre meros auxiliares, simples complementos, embora cada vez mais apaixonantes

3 - A geologia dos Açores pode ser dividida em dois grandes períodos, ou seja,  antes e depois  do Projecto  Geotérmico de 1976 ( incluindo S. Migue, Terceira, Faial, Pico e Flores).

4 - O período ante-1976 ainda pode ser dividido em  várias  fases, algumas de incómoda explicação para a maioria dos leitores .Pelo que apenas sintetizamos as mais evidentes.

Porém tem interesse recordar que Gaspar Frutuoso, o famoso cronista das Saudades da Terra, no século XVI, já foi considerado o primeiro vulcanólogo português, dadas as suas espantosas descrições do relevo e litologias  as ilhas, nomeadamente quanto à ilha de S.Miguel. Porém, a primeira narrativa geológica e científica dos Açores deve-se a John Webster, obra em inglês, editada em Boston  em 1821 e intitulada "Uma descrição da Ilha de S.Miguel, Compreendendo o relato da sua Estrutura Geológica; com anotações sobre  outras ilhas dos Açores, as  localizadas a poente". Adquiri  essa raríssima obra  na  saudosa e célebre Livraria  Nove Estrelas, do Dr. José de Almeida, à rua do Mercado. O livro de Webster circulou pelo mundo científico de então e deu brado a sua trágica  morte, em Boston, por enforcamento, por ter mandado matar um  fornecedor  a quem devia volumosa maquia .

 Seguiram-se diversos e saltitantes  naturalistas de diversas nacionalidades, como Hulbert (1827 - Volcanoes of the Azores…, etc), Hartung e Esenwein, militares e mineralogistas vivendo em  Lisboa, alguns publicando excelentes descrições geológicas e até descobertas  (como o mineral azorite de Alfredo Bensaúde, genial fundador do Instituto Superior Técnico ) e o mineral  faialite, composto essencial da olivina, descoberto na Praia do Norte da ilha do Faial.

A estadia do Príncipe Di Conti ,em S. Miguel, em 1950, a convite do Dr. Augusto Arruda, embora combatida pelo partido único, a União Nacional, conduziu ao início da cartografia das ilhas por equipas dos Serviços Geológicos de Portugal - SGP, em 1956. O raiar da erupção dos Capelinhos (tinha eu 16 anos…) apanhou a missão dos SGP em pleno trabalho de campo, em 1957, em S. Miguel, dirigida pelo Doutor Georges Zbyszewski, filho de príncipe polaco que se exilou em França. Um dos filhos dele (Georges) mudou-se para  Lisboa. O doutor Zbyszewski executou primorosos mapas geológicos dos Açores (peças sempre de difícil aquisição)  e encarregou-me de realizar a Carta Geológica de S. Jorge, após a crise sismovulcânica de 1964, a primeira carta oficial  que inseria a vulcanoestratigrafia da ilha, ou seja,  a divisão das diversas grandes formações geológicas  por idades (os Complexos Vulcânicos). A carta de S. Jorge constituiu a minha tese de estágio científico da licenciatura em Geologia e foi classificada pelo Catedrático de Geologia da FCUL Professor Doutor Carlos Teixeira. O respeitadíssimo geólogo Zbyszewsky (ou apenas  Doutor Zby para os  que  com ele conviviam) organizou duas belas memórias sobre os Capelinhos,  ainda hoje referências mundiais.  Era amigo de Tazieff, também polaco, primeiro doutor honoris causa da Universidade Açores. Nem um retratinho dele  (nem de outros honoris…) existe naquela  santa casa! Por causa dos proponentes, decerto.

(continua)                                                     



2 comentários:

Rantanplan disse...

Só um pormenor, parece-me antes ser uma foto das ilhas Terceira (1º plano) S.Jorge e Pico. O Faial ainda se vê ao fundo ao centro.

De Rerum Natura disse...


Tem toda a razão, já emendámos. Cordialmente
Carlos Fiolhais

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