quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Uma questão de dignidade

Artigo recebida da Prof.ª Regina Gouveia:

Na Escola Rodrigues de Freitas está uma exposição muito interessante, parte de uma exposição do Pavilhão do Conhecimento e que tem por base a Física para o Povo (agora com novo título, Física no dia a dia) de Rómulo de Carvalho. Hoje fui vê-la para depois levar lá os meus netos.

Quem está responsável é uma jovem que conheci no Carolina Michaelis, onde fez um estágio brilhante com a colega Daisi (que me substituiu como orientadora quando eu passei a acumular na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto). Pois bem, a referida jovem deveria (?) ter feito aquela malfadada prova sem pés nem cabeça mas, com muita dignidade, recusou-se a fazê-la. Até aceito que os candidatos, pressionados pelas crise e pelo desemprego crescente, aceitem ser submetidos a tal prova, mas não aceito minimamente que professores "instalados" aceitem vigiar as provas.

Recuo no tempo até 1970. Até 1969, professores que quisessem fazer estágio tinham que fazer uma prova de admissão ao estágio e, caso fossem admitidos, seriam estagiários por um ano (homens) ou dois anos (mulheres) sem qualquer vencimento, tempo findo o qual seriam submetidos a Exame de Estado. Em 1969 foram alteradas algumas das "regras do jogo" e eu, com 23 anos, candidatei-me ao estágio, que fiz em 1969/70 com o Dr. Carvalho Homem, um excelente orientador, com quem muito aprendi. Terminado o ano letivo de 1969, realizou-se em Coimbra uma ação de formação para professores já com estágio. Eu, como os demais estagiários, teria ainda que fazer, no início do ano letivo de 1970/71, o célebre Exame de Estado com duas partes, uma teórica e uma prática que constava de uma aula, dada num dos Liceus Normais, a uma turma qualquer, sorteada de véspera, tendo a assistir os vários metodólogos do país, entre eles Rómulo de Carvalho.

O Exame de Estado correu-me muito bem mas a história que quero contar é ainda anterior a esse exame. Como acima referi, findo o ano letivo de 1969, decorreu em Coimbra uma ação de formação para professores de Física já profissionalizados. Eu e uma colega de estágio, pedimos para frequentar essa formação, mesmo tendo que a pagar, o que não acontecia com os demais professores. Logo no primeiro dia fizemos uma visita de estudo. Entrámos num autocarro disponibilizado para o efeito e, quando eu e a colega entrámos, ouvimos alguns professores comentar entre dentes:

- "Duas professoras de aviário". 

E logo de seguida, a voz firme de uma senhora comentou:

- "Não entendo, colegas. Sempre questionaram a admissão ao estágio e o estágio não remunerado. Agora que estão do outro lado, menosprezam a formação das jovens colegas." 

Eu e a minha colega ficámos boquiabertas. Durante a visita ficámos a saber que a intervenção tinha sido da Dr.ª Aurelina Martins, co-autora de livros de Física e Química com Rómulo de Carvalho. Durante a formação fiquei instalada em casa de um tio do meu marido, investigador no Departamento de Química da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde também dava alguma aulas. Ao jantar comentei o episódio. O senhor, que era uma pessoa muito reservada, comentou:

- "Não me espanta. Fui colega de curso da Aurelina. É uma pessoa muito inteligente e com muita dignidade".

 Regresso aos professores que aceitaram vigiar a tal "prova de avaliação". Creio que a Dr.ª Aurelina nunca teria aceite um tal papel. E vêm-me à mente algumas citações:

"A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana" (Franz Kafka)

"Não é digno de saborear o mel aquele que se afasta da colmeia com medo das picadelas das abelhas." (William Shakespeare)

"Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo". (Mahatma Gandhi)

"Para ser grande, sê inteiro: nada/ Teu exagera ou exclui./ Sê todo em cada coisa./ Põe quanto és/ No mínimo que fazes. /Assim em cada lago a lua toda/ Brilha, porque alta vive." (Ricardo Reis).

Não se deduza, do que foi dito, que sou contra a avaliação dos professores. Bem pelo contrário. Já várias vezes referi que em tempos havia os inspetores que entravam sala dentro sem serem anunciados. Considero que ainda é a forma mais correta de ir avaliando o desempenho dos professores ao longo do tempo. Isto sem esquecer que o estágio inicial, com prática letiva, é peça fundamental na formação dos professores Durante alguns anos os orientadores de estágio tinham frequentemente reuniões, ações de formação, etc, inclusivamente com professores estrangeiros que, genericamente, consideravam muito bom o nosso sistema de estágio.

Infelizmente as soluções que hoje se apresentam, algumas absolutamente aberrantes, têm apenas um fim - redução de custos.

Regina Gouveia

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