terça-feira, 18 de junho de 2013

Há economia porque é evolutivamente eficaz


O João pergunta aqui por que há economia. Ora, o dilema reiterado do prisioneiro mostra que há vantagens evolutivas na cooperação; e é isso que observamos em muitos outros animais, que têm comportamentos que beneficiam o grupo à custa de algum custo pessoal. Tecnicamente, isto chama-se "altruísmo", em biologia, ainda que o termo seja algo abusivo e enganador. Ora, quando há vantagens evolutivas em algo, é natural que os organismos que por acaso adoptam esse comportamento ou nascem com essa característica acabem por deixar mais descendentes do que os outros. Isto levanta alguns problemas de explicação biológica, pois parece indicar que há selecção de grupo, o que parece incompatível com a ideia de que a unidade da selecção é o gene. Mas muitos biólogos e cientistas evolucionistas não vêm aqui qualquer incompatibilidade. E. O. Wilson e Sloan Wilson, por exemplo, defendem a selecção de grupo, ao passo que Steven Pinker a contesta, assim como Dawkins (este último de uma maneira autoritária que nem apetece ler: o argumento central dele é que a maior parte dos biólogos, das maiores autoridades na área, não acreditam nisso e por isso o Wilson é parvo. Enfim.).

Ora bem, as trocas económicas são comportamentos de grupo que resolvem variadíssimos problemas, permitindo que aqueles grupos humanos que a adoptam tenham vantagem competitiva sobre os outros. Por isso não é de espantar que tais comportamentos conquistem a generalidade das populações humanas. Na verdade, parece haver indícios arqueológicos de que essa foi uma inovação crucial introduzida pelo Homo sapiens quando entrou na Europa e desalojou o homem de Neandertal: as trocas comerciais. No caso do sapiens encontramos artefactos produzidos com materiais que tiveram de viajar centenas e às vezes milhares de quilómetros, mas isso não parece acontecer com os neandertais.

Conclusão: a origem das trocas económicas parece-me não ser particularmente difícil de explicar cientificamente; certamente não é mais difícil de explicar do que qualquer comportamento de grupo que beneficia o grupo.

Hoje temos vários estudos que mostram que os comportamentos económicos intuitivos das pessoas estão optimizados para estimular a cooperação e castigar o free-rider, o explorador que beneficia do grupo mas nada contribui para o grupo. Algumas experiências mostram que as pessoas não se importam de gastar mais dinheiro para garantir que o free-rider desconhecido do grupo seja apanhado. Isto surpreendeu inicialmente os economistas, mas faz todo o sentido: quando não apanhamos os exploradores do nosso grupo, torna-se irracional não explorar os outros. É por isso que em sociedades onde os exploradores não são apanhados, como Portugal, quase ninguém é honesto: não roubar quando muita gente rouba quando pode é pura e simplesmente irracional.

Portanto, no desenho das instituições temos de garantir que os free-riders são apanhados. Em Portugal ocorre exactamente o inverso: tudo está concebido para que os free-riders (a começar pelos políticos e pelo funcionalismo público, mas prolongando-se por todas as classes elevadas, jornalistas, artistas, intelectuais, etc.) explore as pessoas que trabalham no duro e não têm outras alternativas. Praticamente as únicas pessoas que não exploram as outras em Portugal são os empregadores, os empresários. Mas a população pensa exactamente o contrário: que estes e não aqueles é que são os free-riders. É a magia da mentira ideológica. Tal como nos regimes comunistas em que depois de se ter acabado com os chamados capitalistas as pessoas continuam a viver mal acreditando que é por culpa dos capitalistas que já não existem, em Portugal as pessoas acreditam que vivem mal devido às únicas pessoas que lhes dão alguma coisa, e não devido às pessoas que consomem a riqueza dos outros sem nada rigorosamente darem em troca.

5 comentários:

João Pires da Cruz disse...

Se me permite, Desidério, todos os animais sociais têm comportamentos que favorecem o grupo e só o homem tem uma economia. A vantagem competitiva não vem do contribuir para o conjunto (economia é a ligação entre as partículas económicas, não são as partículas) vem do contribuir livremente para o grupo. Parece um detalhe, mas não é. Por isso as formigas fazem os mesmos formigueiros que sempre fizeram e o homem fez do mundo o seu formigueiro e hoje faz os seus formigueiros em minúsculos blocos de silicio com milhões de membros.

De resto, economia é em si mesmo cooperação no sentido em que é troca de trabalho. Quando se recebe mais do que se dá entra-se em excesso de alavancagem, algo que o sistema rejeita por si como o tesoureiro da fazenda pública da república portuguesa pode dizer com propriedade.

Anónimo disse...

..."em Portugal as pessoas acreditam que vivem mal devido às únicas pessoas que lhes dão alguma coisa ..." tal como os bancos, empresas quási monopolistas, empregadores de salários miseráveis ?Ó "balha-me" Deus e fiz eu um intervalo no Judt para ler disto!

Ivone Melo

Desidério Murcho disse...

Continuo sem ver o mistério da origem da economia. Dados organismos inteligentes mais complexos do que os outros, os sistemas de cooperação serão também mais complexos. A economia é um desses sistemas. Não podemos esperar que as formigas façam uma mercearia, mas o que faz os seres humanos fazer uma mercearia é o mesmo que faz as formigas fazer os seus corredores e sistemas subterrâneos: é evolutivamente vantajoso.

Desidério Murcho disse...

As empresas quase monopolistas, os subsídios chorudos dados aos bancos, a impunidade económica das empresas com ligações profundas ao estado... tudo isto existe porque a economia portuguesa está toda feita para explorar quem trabalha. Para compreender o que está errado na injustiça económica é preciso começar por pensar para lá dos lugares-comuns. Num país com genuína preocupação pela justiça, a primeira preocupação dos governantes é impedir os monopólios. Num país em que o monopólio do estado é encarado com naturalidade, todos os outros monopólios são igualmente sustentados.

joão viegas disse...

Ola,

Não tem sentido falar em monopolio do Estado nos termos acima. Um monopolio (no sentido referido no post) consiste na subtração, de direito ou de facto, às leis da concorrência que devem reger o comércio. Ora as relações entre o Estado e os cidadãos não são relações comerciais, nem estão submetidas a um regime de concorrência. O Estado tem, e julgo que a esmagadora maioria das pessoas acreditam que deve ter, o "monopolio" da produção de regras juridicas e da sua sanção. Ninguém (ou quase), hoje, contesta esta ideia, enquanto todos (ou quase) acreditam que os monopolios comerciais são maus. E' possivel imaginar que, como alguns libertarianos radicais defendem, as pessoas escolham o Estado a que recorrem como quem vai às compras, mas esta fantasia não corresponde, de todo, à realidade actual.

Podemos discutir até que ponto é oportuno, ou nefasto, deixar que a oferta e procura de determinados bens seja organizada como um comércio. Isso, sim, faz sentido. Mas não é isso que se faz no texto.

Quanto ao resto, o texto é fraco, como sempre que o D. M. se aventura em dominios que, não so desconhece completamente, como se mostra assumidamente pouco interessado em conhecer.

Curiosamente, temos aqui o papaguear de uma religão (neste caso, o pretenso liberalismo de contornos anglo-americanos) numa postura que é exactamente a mesma do que a dos nossos avos em relação à religião, ou do que a dos nossos pais (ou alguns deles) em relação ao marxismo... Da mesma forma que, ha 30 anos atras, os intelectuais da nossa praça se contentavam com imitações reles do "Nouvel Observateur", hoje parece que é moda usar em tudo as categorias simplistas do "The Economist", como se elas fossem o crivo universal para compreendermos a realidade.

Assim não vamos la...

Boas

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