domingo, 23 de junho de 2013

ENTREVISTA À VISÃO

Entrevista que dei à Visão e que saiu na quinta-feira no suplemento sobre o Ensino Superior:

P- O que se deve esperar de um curso de ensino superior?

R- Um curso de ensino superior é uma experiência que prepara para a vida. No final do seu curso o estudante deve ser capaz de responder a desafios da sociedade dentro da área que escolheu. Para isso tem não só de possuir conhecimentos superiores como de ser capaz de os aplicar em situações concretas. E tem ainda de ser capaz de lidar com problemas inesperados, porque a vida está cheia de surpresas.

P- Considera que a oferta que existe no nosso país é adequada ao que o nosso país precisa?

R- Há em Portugal uma oferta grande e variada de cursos. Dá-me a ideia que é demasiado grande e variada. Poder-se-iam unir alguns cursos e até fazer desaparecer aqueles que não tenham suficiente justificação.

P- Considera que o nosso ensino superior tem evoluído positivamente? Porquê?
~
R- Sim, basta olhar para os números da PORDATA para verificar que o nosso ensino superior cresceu muito desde que entrámos na União Europeia. A evolução positiva não se traduz apenas no número de matrículas e canudos. O aumento da qualidade é visível do facto de encontrarmos algumas universidades, as que produzem mais ciência, no “top 500” das universidades mundiais. Mas podemos e devemos subir mais quer em quantidade, atraindo mais jovens e novas faixas de população, quer em qualidade, reforçando a produção científica nas universidades. Além do ensino universitário há ainda o ensino politécnico, mas aí temos um problema de definição de objectivos, que deveriam ser distintos dos do ensino universitário.

P- Acha que o estudo das ciências pode ser uma aposta ganha para os nossos licenciados e, por consequência, para o futuro nosso país?

R- Sim. Vivemos numa sociedade que deve o seu estado de desenvolvimento ao cultivo das ciências e das tecnologias. No futuro vai continuar a ser assim, pelo que as profissões científico-técnicas vão continuar a ser procuradas pelo mercado. Basta olhar para o elevadíssimo número de cientistas e engenheiros formados em países de economia emergente, como a China.

P- Acha que o nosso ensino tem tratado bem o estudo das ciências?

R- O ensino básico e secundário das ciências poderia ser melhor, designadamente mais experimental desde o jardim de infância e o 1.º ciclo do básico. Mas as nossas melhores universidades têm preparado bem os seus alunos, como mostra o facto de alguns chegarem rapidamente a posições de topo no estrangeiro. O nosso ensino superior podia ser reforçado através de uma aliança mais estreita com a investigação científica, por exemplo com o rejuvenescimento do corpo docente: alguns novos doutores brilhantes bem merecem lugares nas universidades e politécnicos. Essa entrada no sistema de ensino superior seria uma alternativa a algumas saídas do país que vemos hoje. Os nossos jovens cérebros são a nossa maior riqueza e, se apostarmos neles, seremos recompensados.

P- Que tipo de competências ficam mais valorizadas quando se opta por fazer carreira nas áreas das ciências?

R- Ficam mais valorizadas as capacidades de descoberta do mundo, fundada na curiosidade, e de transformação do mundo, baseada no engenho. Os cientistas resolvem enigmas. Por seu lado, os engenheiros, servindo-se do conhecimento científico, tornam mais fácil a vida de toda a gente.

P- Quando pensamos em ciências pensamos em bioquímica, medicina, etc. Contudo, as ciências são muito mais vastas. Que saídas profissionais podem os nossos jovens ter na área das ciências?

R- Sim, há um grande leque de ciências, assim como há a possibilidade de formação interdisciplinar, por exemplo licenciatura num ramo e mestrado ou doutoramento noutro. As ciências e tecnologias têm, em geral, saída, pelo menos têm mais saída que outros cursos. Bem sei que vivemos um momento de grave crise de emprego, mas não aconselho os jovens a serem demasiado calculistas, pensando apenas na profissão. Os tempos mudam. Pensem antes em formar-se numa ou mais áreas de que gostem, áreas para as quais se sentem atraídos. A paixão deve ser decisiva.

P- Agora que estamos num momento em que milhares de jovens portugueses vão fazer as suas opções de licenciatura, pedia-lhe que desse uma sugestão.

R- Ninguém me levará a mal se eu recomendar o curso que eu próprio fiz, por escolha apaixonada: o curso de Física da Universidade de Coimbra. Os estudantes têm direito a tratamento personalizado. Mas há outras boas escolhas: o importante é escolher uma área de que gostem, pois em princípio a escolha será para a vida.

P- “Darwin aos Tiros e outras histórias de ciência” é o título de um dos seus livros, que relata, de uma forma divertida, situações científicas. A ciência poderia ser mais aliciante se fosse apresentasse de uma forma mais divertida?

R- A ciência não é a senhora carrancuda que, por vezes, parece. Ela é divertida, é aliciante, como mostram as histórias do livro que escrevi a meias com um jovem cientista, o David Marçal. Mas, para encontrarmos esse lado da ciência, é necessário conhecê-la bem. Fazer ciência é decifrar mistérios, o que dá sempre um enorme prazer.

P- O que falta fazer no nosso país na investigação científica?


R- Falta continuar o crescimento que se deu nos últimos 25 anos. O crescimento está a abrandar, quando ainda estamos longe do lugar europeu a que devemos aspirar. Infelizmente, os cortes orçamentais têm sido cegos. Cortar na ciência significa limitar o futuro. Precisamos de mais ciência nas universidades e nas empresas. Para sermos tão ricos como outros países europeus, precisamos de mais e melhor ciência.

9 comentários:

Anónimo disse...

Nada se pergunta sobre como vai o ensino secundário e básico, como vão os professores, que tal a greve, que tal a actuação do Ministro? Os jornalistas às vezes (diz-se) gostam de fazer fretes aos entrevistados.

Rui Baptista disse...

Incidindo esta entrevista sobre o ENSINO SUPERIOR ( o suplemento da revista Visão assim o determina ao próprio entrevistado )não lhe parece que seria misturar alhos com bugalhos falar sinultaneamente, e mesmo abusivamente, sobre os ensinos básico e secundário?

Rui Baptista disse...

Sinultaneamente corrijo para simultaneamente.

João Pires da Cruz disse...

Muito bom, Carlos. Acrescentaria só a maturidade das profissões como um factor a favorecer a escolha das ciências em geral e da física em particular :),

Anónimo disse...

Ouviram o que disse hoje Marcelo Rebelo de Sousa sobre o cartaz da PORRA? Há uma diferença para o pudico Carlos F.!!!!
Se Carlos F. ocupasse um cargo político esta da Porra ficar-lhe-ia colada até ao fim do mandato. Se o ridículo matasse... Felizmente não, só faz rir.

Anónimo disse...

não percebo bem como o facto de alguns jovens terem chegado a posições de topo permite concluir que as univerdidades têm preparado bem os jovens e que o ensino pré universitário podia ser melhor.

porque não se concluí com a mesma facilidade que o ensino básico é excelente e compensa o fraco ensino universitário? ou

que são os dois ensinos razoáveis? ou

estes alguns jovens são insignificantes entre milhares de jovens(e velhos) mal preparados, sendo os dois ensinos medíocres?

esta facilidade, de sempre que queremos defender o que é nosso, (neste caso do professor Fiolhais o ensino superior) em tirar conclusões do ar é assustadora, tendo em conta que vem de alguém habituado ao rigor científico

Anónimo disse...

Caro anónimo: já sabe, o Professor Carlos Porras até coraria com as asneiras e desavergonhices do Marcelo R. de Sousa. Este é um debochado e o Prof. Carlos P pertence à elite dos catedráticos de Coimbra (veja artigo do Prof. Galopim).

perhaps disse...

Já tinha lido a entrevista na Visão. Gostei especialmente - por concordância, claro - da afirmação de que o curso será uma escolha para a vida. Não no sentido de um casamento, mas porque, se se encontrar emprego na área, 1/3 da vida adulta vai passar-se na profissão. Contando que o outro terço é, aproximadamente, utilizado para dormir - vivam as horas de sono, em que morremos temporariamente e se um alien nos visitasse pensaria sabe Deus o quê destas quase múmias e quase hibernadas noite a noite-, mediante isto, digo eu que quase metade da vida adulta activa se gasta na profissão. Tem que se gostar muito. Paixão. Ou seremos infelizes no total; depois há um país que fazemos triste e de empurrão.

Os nossos governantes não estão de paixão. Sequer de amor desinteressado. Estão de interesse. Que não almeja nenhum dos dois - a emoção ou o sentimento.

Quanto à relação continuísta entre os ciclos de ensino, creio que as universidades recebem o produto final. Mas toda a estrutura de ensino se implica nos resultados. Não é possível dissociar o trabalho dos professores universitários do dos outros. Os alunos trazem bagagem. Parece-me sempre que entre secundário e universidades deveria haver o que não existe. O professor refere-se a criação de atitudes científicas e começa pelos jardins de infância. De pequenino...

Anónimo disse...

Diz-se a páginas tantas «Vivemos numa sociedade que deve o seu estado de desenvolvimento ao cultivo das ciências e das tecnologias.» Não é preciso ler mais nada!

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