segunda-feira, 18 de março de 2013

MOOC: revolução ou fantasia?

Já falámos aqui dos cursos online em quantidade industrial (MOOC: massive open online courses), e vale a pena ler aqui o resultado do inquérito aos professores que já leccionaram nos MOOC.

Do meu ponto de vista, estes cursos são mais uma tolice pedagógica, limitando-se a continuar a tolice do ensino medieval em que ainda estamos mergulhados. Inventámos a ideia engenhosa de um professor a falar para várias dezenas de estudantes num tempo em que quase não havia livros, estes eram caros e difíceis de obter. Neste contexto, e dado não haver na altura meios de gravação de áudio, fazia sentido pagar a um professor para recitar um livro para dezenas de alunos, que diligentemente tentavam anotar o máximo que conseguiam. Porque as escolas e universidades se caracterizam por um conservadorismo que as faz continuar a ensinar que a Terra está no centro do universo cem anos depois de se saber o contrário, continuamos a usar aproximadamente o mesmo método de ensino, que era razoável há trezentos anos.

Mas hoje esse método de ensino não faz sentido porque temos livros e textos baratos, tanto em papel como electrónicos, que quase qualquer pessoa pode comprar (e quem não pode comprar, o estado pode pagar em seu lugar, tal como paga aos professores para dar aulas). Quem quiser aprender história da pintura, física quântica ou seja o que for só precisa de se deitar a estudar: a bibliografia de qualidade está aí para quem a quiser estudar. O único papel relevante de um professor é discutir ideias com os alunos e avaliar os seus trabalhos e exercícios; a exposição oral (quase sempre desorganizada e sem rigor) do que os estudantes podem ler num livro ou texto bem organizado e rigoroso é pura tolice.

A maior parte dos estudantes nada aprendem com os professores, em qualquer caso, excepto coisas artificiais para pôr nos exames e que são felizmente esquecidas duas semanas depois. O único estudo que conta realmente é o estudo individual de livros e artigos, a redacção de trabalhos, a resolução de exercícios inteligentes e a discussão do que desse modo se aprendeu com colegas e professores. A exposição oral de matérias, que é tudo o que as pessoas associam ao ensino, é a parte irrelevante e até perniciosa do ensino, pois consiste demasiadas vezes em caricaturas da realidade das coisas.

Assim, os MOOC já existem há muito tempo. Basta que quem quiser estudar X se junte num fórum da Internet para discutir os livros e textos que há muito estão disponíveis, e basta que nesse grupo algumas pessoas tenham mais conhecimento do que outras. Não é preciso dar-lhe um nome chique e ainda menos fingir que é uma novidade, sobretudo se, como se viu no inquérito divulgado no Chronicle of Higher Education, a maior parte dos professores gravou vídeos com eles mesmos falando (!) para dar aos alunos. Duh? Qual é a metafísica pedagógica assim tão extraordinária de um passarão a falar coisas vagas quando pode escrever coisas rigorosas?

13 comentários:

Miguel disse...

Discordo completamente da sua assumpção quanto às aulas orais. Não substituem os livros, mas complementam-nos e de que maneira. Eu sou fã dos mooc e dos vídeos tutoriais de muita coisa que encontro no youtube, bem como de palestras e de etnografia e afins...

Há uma coisa insubstituível e que o Desidério se está a esquecer: a experiência humana. O facto de se ouvir um humano a falar da sua própria experiência convida à curiosidade, à introdução de um assunto desconhecido e convida a uma memorização mais fácil e interiorização. Há uma imagem, um tom de voz - são mais sentidos estimulados. E a conversa por vezes não sistemática, errante, é uma delícia para quem já sabe algo do assunto e quer consolidar conhecimentos, apanhar referências ou pequenas curiosidades que não vêm nos livros ou não podem ser descritas com esquemas. Ver fazer ou ver ao vivo é diferente. Por isso lamento que o Desidério não compreenda toda essa dimensão humana que complementa a dimensão abstracta. Além de tudo isso apenas mais uma: a motivação e a organização temporal. Ter um professor com um horário e vídeos convida a que as pessoas vão "fazendo" as coisas a um certo ritmo e cadência. Sem ele as pessoas correm o risco de se "perder" ou "desmotivar", mesmo estando interessadas no assunto.

Para quem realmente quer aprender algo um professor, ou a sua gravação é um complemento importante.

Para quem não quer aprender, é irrelevante se de facto ele está lá ou não.

joão viegas disse...

Bem visto,

Não sei o que é o MOOC, mas a critica das aulas plenarias, apesar de ser um pouco excessiva, esta bastante bem vista e com piada. No fundo, as aulas plenarias deviam ser vistas como o complemento das aulas praticas : estas ultimas permitem ao aluno medir os seus progressos no conhecimento da matéria, enquanto as plenarias servem sobretudo para o aluno medir a ignorância do regente da cadeira... Se nos limitarmos a considerar o que é necessario para passar no exame, é defensavel que assistir às plenarias seja mais importante do que assistir às praticas...

Boas

PS : Como é que o Desidério convive com tanta raiva aos professores continua a ser para mim um mistério...

Desidério Murcho disse...

Não estou a esquecer a experiência do contacto humano, Miguel. Você é que não compreendeu adequadamente o que leu. Em momento algum eu afirmei que devemos eliminar o contacto humano do ensino. Acontece que esse contacto humano é uma tolice se o professor se limita a ser uma espécie de (mau) livro oral. O contacto humano faz sentido, e é parte integrante e fundamental do ensino de excelência, mas consiste em discutir ideias, resolver exercícios, esclarecer dificuldades. Ficar passivamente sentado a ver teatro tem a desvantagem de dar a ilusão ao aluno de que está a aprender algo, quando na verdade, se fizermos um exame imediatamente a seguir à aula, quase todos os alunos irão reprovar porque não aprenderam realmente coisa alguma. Apenas gostaram do espectáculo.

Miguel disse...

Então introduzo apenas mais um grão de sal: eu gosto do espectáculo e sinto que realmente me motivo mais para aprender quando vejo um bom espectáculo. Um professor que aja com certa teatralidade e seja capaz de apresentar os assuntos perante o seu público é um excelente catalisador. Veja por esse prisma - catalisador, motivador. E eu já fui arrastado para ler inúmeros livros depois de ver apresentações em vídeos com oradores fenomenais. Se os não tivesses visto passivamente se calhar jamais teria sido influenciado a ir procurar mais sobre o assunto...
E confesso que mesmo só de ver uma exposição oral passiva aprendo imenso. Tudo depende da qualidade dessa apresentação e da forma como é exposta. Como tudo há muito maus oradores e muito bons oradores...

Desidério Murcho disse...

É uma ilusão. Não aprende coisa alguma. Se o Miguel for fazer um bom exame depois de ouvir um pardal que fala muito bem, tem quase zero. O que o Miguel gosta é do espectáculo, e isso está muito bem. Mas ninguém aprende coisa alguma de real ouvindo coisas. É preciso estudar. Aprende-se realmente muito é a discutir ideias ou esclarecer subtilezas e dificuldades. Mas a ouvir um pardal a falar nada se aprende. Se as pessoas fizessem um exame rigoroso depois de ver a série Cosmos de Carl Sagan, reprovavam quase todas.

É absurdo pensar que se aprende alguma coisa de sólido e real ouvindo falar. Imagine-se o que seria uma pessoa aprender a programar em HTML (que é a coisa mais simples do mundo) ouvindo apenas alguém a falar com muita eloquência. É um absurdo.

Não devemos confundir o entretenimento, que certamente é muito mais interessante vendo o Carl Sagan ou o David Attenborough do que muitas aulas, com ensino a sério. Ninguém aprende a ser mecânico de automóveis ouvindo conversa bonita. É preciso estudar.

O que acontece com o Miguel, como com muitas outras pessoas, é confundirem o saber realmente algo com a capacidade de papagaio para repetir meia dúzia de ideias vagas que pensam fantasiosamente ter compreendido.

José Batista disse...

Concordo com Miguel.
E lembro-me da delícia de algumas exposições de pessoas como Vitorino Nemésio, no "se bem me lembro..."
Ou de uma criança da minha família que, ainda sem saber ler, se sentava no sofá, frente à tv, muito quietinha, à espera de programas de José Hermano Saraiva.
E também me lembro de alguns professores meus, do ensino liceal, a quem admirava profundamente, e que chegava a imitar em casa, explicando para a parede, o que eles me explicavam a mim e aos meus colegas... Foi aí, e então, que me deu a "pancada" de querer ser professor. E fui tirar um "sub-curso", na opinião de familiares, com a intenção de poder ser professor...
Hoje, embora a crise seja grande, e cada vez maior, há uma profissão que a generalidade dos alunos sabe que não quer: precisamente, ser professor!
Uma profissão belíssima que muitos, alguns deles parasitariamente, se aplicaram em abandalhar e prostituir, com grande sucesso. E, entre eles, muitos professores!, facto de que, em certos momentos, chego a duvidar.

Desidério Murcho disse...

Penso que quem se deixa seduzir pela conversa fiada em vez de de apaixonar pelo conhecimento genuíno e profundo das coisas será um mau profissional, excepto se a sua profissão for ler o telejornal ou dar espectáculos como a Lady Gaga.

Em qualquer caso, repito: não defendi a exclusão do contacto humano no ensino. Apenas defendi que expor oralmente o que pode ser mais adequadamente exposto por escrito é uma tolice. A parte oral deve ser apenas a discussão do que se estudou nos escritos, a resolução de bons exercícios e o esclarecimento de dificuldades. E, claro, quando se faz isto percebe-se que quem se deixou seduzir por Carl Sagan ou pelo José Hermano Saraiva nada ficou realmente a saber de sólido: ficou apenas com ideias vagas.

José Batista disse...

Caro Desidério

Concordo com o seu primeiro parágrafo, tirando a parte da leitura do telejornal (suponho que aquilo não é bem para todos...), por razões opostas às suas.

Quanto ao segundo parágrafo, para lá do primeiro período, apenas digo que nada tenho contra as suas convicções, por julgar que tem inteiro direito a elas. E, desculpará que confesse, no que respeita ao ensino de crianças e jovens, ao trabalho de lidar com elas e ao prazer de vê-las aprender, também eu estou convicto de que não são as minhas as ideias vagas. Pelos menos não é vaga a realidade com que lido todos os dias.

E agradeço, sinceramente, ter respondido ao meu comentário.

Otavio Magnani disse...

Concordo com o texto. Já participei de alguns MOOC e cheguei a partilhar desse entusiasmo que as pessoas vêm sentindo, mas nenhum dos cursos que fiz correspondeu às minhas expectativas.

Fiquei decepcionado com os vídeos e os testes. As aulas em vídeo possuem organização muito pior que a de um bom livro e, além disso, menos clareza e conteúdo. Já os testes normalmente são de múltipla escolha e testam mais a capacidade de memorização do que a capacidade de pensamento.

Este segundo aspecto ficou evidente num curso que fiz no Coursera, Introduction to Philosophy. As questões eram todas de múltipla escolha e não testavam o raciocínio do aluno, mas somente o seu conhecimento sobre as ideias dos filósofos. Ou nem isso, porque consegui tirar a nota máxima num quiz sem nem sequer ter visto os vídeos. As questões eram tão ruins que só foi preciso fazer umas buscas rápidas no Google... Outro curso, de história, possuía questões tolas sobre datas e o nome de pessoas importantes.

Aprende-se muito mais lendo e escrevendo.

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelo seu testemunho, Otávio!

Marina Pereira disse...

1.º) A minha perplexidade: como é que com um ensino medieval, praticado durante dezenas de anos, a humanidade chegou aqui? Como foi possível tanto progresso? De facto, deveríamos estar em regressão desde... e já deveríamos estar quase de regresso à descoberta da roda.

2.º) Eu tenho um filho autista, não profundo, mas com evidentes problemas. Sem um professor que lhe papagueie a matemática, o português e o inglês, o miúdo deverá ser um génio.

3.º) Camões, pelos vistos, estava muito mais adiantado do que muito desiderato contemporâneo, ao defender uma mescla entre o saber livresco e o de «experiência feito».

4.º) Por outro lado, ninguém aprende lendo «um bom livro». Aprende-se lendo MUITOS bons livros. Daí que o professor-pardal, com o seu ensino medieval, abra portas com a sua palrice.

5.º) Por último, a ideia de que um qualquer sistema (seja o medieval, seja o progressista, seja o do indiano tresloucado, seja o de Summervile) serve todos os alunos é uma imbecilidade. Estes «totalitarismos» e as ideias únicas não deveriam atormentar a mente de génios como o caro professor.

6.º) Por último, qual é o bom livro que, lido pelos nossos alunos, os ensina a escrever em português? A pensar criticamente? A ler um texto e a compreender o que lá está escrito? Relembremos Twain quando afirmou que as notícias sobre a sua morte eram um claro exagero. O mesmo sucede com o «ensino medieval».

Anónimo disse...

A aprendizagem que o autor da posta propõe presume que existem algumas competências anteriores entre as quais saber ler em várias línguas, saber pesquisar as fontes, saber reflectir e discutir e mais outras tantas coisas. Por isso li o texto do autor na óptica de um ensino superior para adultos, jovens ou não. Se for assim concordo, em absoluto, com o que diz o autor embora noutros níveis mais iniciais de ensino não vejo que se possa prescindir do professor. Lembro também que um aluno médio retém de uma aula só 15 a 20 % do que foi dito, o que torna o método expositivo/papagaio de baixíssimo rendimento. Se pensarmos nos custos perdidos em tempo de transportes, instalações e outros o rendimento, - quando comparado com o conhecimento que se poderia obter com métodos mais actuais -, cai para zero. Creio, salvo melhor opinião que o papel fulcral do professor no ensino superior é: orientar e fornecer fontes de informação; estar disponível para debater questões e esclarecer dúvidas; proceder às provas de avaliação de conhecimentos e à correcção ( não é só a classificação...) das provas a serem devolvidas aos alunos; apoio nos trabalhos experimentais e que envolvam laboratórios. O que escrevo resulta da minha experiência de mais de trinta anos de professor do ensino superior na área das engenharias. Admito que noutras áreas como Filosofia ou História ou Literatura o método seguido por professores como o referido Nemésio o qual, segundo me diziam, começava a aula a falar de alhos e acabava-a a falar de bugalhos seja um método apropriado...

Anónimo disse...

Como "aluno" em alguns MOOC não posso concordar com o Desidério Murcho nesta matéria. Aproveitei o Coursera para aprender algumas matérias cientificas que surgiram desde que saí da Universidade e posso garantir que a experiência foi muito diversa, e tal facto deveu-se quase sempre à qualidade do Professor (como no Liceu e na Universidade). Experimentei também um curso no EDx e não gostei da plataforma, muito pouco usável, não intuitiva.
Foi este "sistema medieval" que nos permitiu acumular esta quantidade enorme de conhecimento que transmitimos à geração seguinte, para que ela aumente esse conhecimento. Não será dizendo "agora aprendam o que quiserem" que as gerações futuras consiguirão sequer compreender o que já foi conhecido, quanto mais aumentar o conhecimento. Apenas uma minoria muto reduzida teria o minimo de instrução se fosse assim, e o autor do post como professor penso que o saberá.
Em resumo, na minha opinião, os MOOC vieram para ficar, não vão substituir o ensino tradicional, mas servir para se tomar conhecimento com novas áreas a título de curiosidade.
Nota: depois de ter ouvido a TED do Khan e experimentado alguma das lições dele na área de matemática, ficou com pena de há 15 anos atrás não haver uma coisa dessas para quando os meus filhos me faziam perguntas sobre matemática do 7º ao 12º ano.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...