Texto do Professor Galopim de Carvalho.
Quem anda pela rua, nos supermercados, nos transportes públicos, ouve a toda a hora dizer que estamos a voltar aos tempos do antigamente.
- Mas há uma diferença substancial. - Dizia-me um reformado, meu vizinho de longa data.
- Agora vivemos em democracia, podemos falar e escrever o que nos vai no pensamento, sem receio de “ir dentro”. Não há tribunais plenários, nem presos políticos. Podemos fazer manifestações de rua e as forças policiais não perturbam os manifestantes e só actuam contra meia dúzia de provocadores a mando de quem a gente não sabe nem sonha. No “tempo da outra senhora” havia bufos por todo o lado. Não podias abrir a boca. Comias e calavas.
- Sim, mas olha que de cá se vai lá. Não te esqueças que a seguir a um período de total liberdade, como foi o do final da Monarquia e princípios da República, em que homens como o Eça de Queiroz, escreveram crónicas que podem retratar os dia de hoje, tivemos uma ditadura de quase quarenta anos. Foi o tempo dos “filhos-da-curta”, no dizer da t’Inácia.
Foi numa das minhas andanças pelos campos do Alto Alentejo, em campismo selvagem, na companhia de dois ou três amigos, feitos malteses, com umas mantas, uma panela de ferro, uma canadiana como tenda, emprestada pela sede da Ala de Évora da Mocidade Portuguesa, e mais meia dúzia de utensílios de uso nestas aventuras, que conheci a ti’Inácia, mulher do ti’Justo, hortelão no Monte das Três Irmãs.
O ti’ Justo, homem já sem forças para cumprir o que sempre fora o seu trabalho, deixava-nos apanhar as beldroegas que cresciam, viçosas e fartas, entre os regos da rega. Sentava-se numa cadeira de verga, à sombra de um limoeiro e quem agora fazia a lida da horta era a mulher, uns bons anitos mais nova e cheia de força.
Foi numa das várias vezes que ali fomos em busca das saborosas ervas, que conhecemos esta alentejana. O ti’ Justo falava pouco, mas a mulher era uma tagarela, uma “algarvia”, no dizer do marido. Vivia-se um tempo difícil, sobretudo, para os camponeses, sofrendo as agruras dos meses sem trabalho e sem pão para dar aos filhos, intimidados e perseguidos pela GNR e pela polícia política.
- São barrigadas de fome que só a gente é que sabe. Os fiados na venda do Germano são sempre muitos e o pessoal nem sempre tem dinheiro para os pagar. Comemos beldoregas, acelgas, labaças, cardinhos, espargos, cilarcas e o mais que o campo possa dar à gente. E são muitos os dias em que só pão e boletas nos entram na boca. Há alguns que chegam ao ponto de ir à cidade pedir com que dar de comer à família. Outros caçam coelhos ou lebres, o que calha, mesmo no defeso. Não importa. A gente arrisca-se. E não é com espingarda, é a cajado. Fazemos o que for preciso para arranjar pão para os filhos. Tudo menos roubar! – Frisou. – As jornas são uma miséria e, tirando a ceifa, o arranque da cortiça e a apanha da azeitona, ficamos aí de braços cruzados às atenças do Germano que é quem nos vai valendo. Somos mão-de-obra barata e sem direitos, sujeitos à exploração dos patrões. E os governantes estão do lado deles. Todos! – Reforçou – Não são só os de Lisboa. O Governador Civil e o Presidente da Câmara pertencem à mesma família. São escolhidos a dedo.
Calado, o Ti’ Justo ia dizendo que sim com a cabeça.
- À mais pequena palavra ou gesto a pedirmos justiça, – continuou, – aparece logo aí a Guarda ou a polícia à paisana. E não pede licença para levar dois ou três dos homens que lhes pareçam mais destemidos. Muitos ficam lá presos o tempo que eles quiserem, são espancados, torturados e alguns deles assassinados.
- “Filhos-da-curta”! – Exclamou, num suspiro de revolta contida e continuou. – Um parente nosso, chegou-nos aí todo amolgado. Mal podia andar. Os “filhos-da-curta” encheram-no de porrada que quase o iam matando. “Filhos-da-curta”! – Repetiu, uma vez mais, a terminar a conversa.
Era evidente que esta alentejana idosa nos anos de vida, mas bem madura na sua combatividade, estava por dentro das lutas dos trabalhadores contra os agrários, enquadradas pelo Partido Comunista.
Falava com desenvoltura das “comissões de rancho”, das “comissões de herdade” e da “praça de jorna”, local da aldeia ou dos montes onde homens e mulheres se reuniam para tratarem colectivamente dos salários, de outras reivindicações e das respostas a dar aos patrões, algumas vezes, na presença intimidatória da GNR. Entremeando os relatos que fazia, foram muitas as vezes que repetiu aquela expressão de desabafo.
Como mulher séria e de bem, não se permitia dizer aquela palavra começada por p, a que se segue um u, um t, e um a, na frente de pessoas com quem não tinha confiança. Aliás, nesse tempo, as mulheres que se tinham por bem educadas não proferiam essa palavra, nem mesmo no seio da família. Quando, por exemplo, acontecia terem que referir uma rapariga que se prostituísse, não diziam esse nome tão feio, diziam “rapariga da vida” ou “rapariga infeliz”. Só os homens e rapazes de condição mais grosseira falavam de putas.
Para a t’ Inácia, os “filhos-da-curta” eram, em especial, o Salazar, os pides e os GNRs que lhe prendiam os homens e todos os ricos que engordavam à custa da pobreza do povo.
Galopim de Carvalho
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Carlos Drummond de Andrade, um brasileiro que precisa ser lembrado
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira em 31 de outubro de 1902 abaixo alguns de seus escritos:
"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."
A decadência do ensino no Brasil é uma coisa que tem pelo menos trinta a quarenta anos - e talvez mais”.“Precisamos descobrir o Brasil/ Escondido atrás das florestas/ com a água dos rios no meio/ o Brasil está dormindo, coitado”
ADEUS
“Quem é que fala hoje em Humberto de Campos? Quem é que fala
em Emílio de Menezes? Quem é que fala em Goulart de Andrade? Quem
é que fala em Luís Edmundo? Ninguém se recorda deles!
Não fica nada! É engraçado. Mas não fica, não.
Não tenho a menor ilusão. E não me aborreço:
acho muito natural. É assim mesmo que é a vida.
“Não vou dizer como o Figueiredo: ‘Quero que me esqueçam!’
Podem falar. Não me interessa, porque não acredito na vida eterna.
Para mim, é indiferente.
“Nenhum poema meu entrou para a História do Brasil. O que aconteceu
foi o seguinte: ficaram como modismos e como frases feitas: ‘tinha uma pedra
no meio do caminho’ e ‘e agora, José?’. Que eu saiba, só. Mais
nada.
“Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário:
tenho a impressão de que daqui a vinte anos eu já estarei no
Cemitério de São João Baptista. Ninguém vai falar
de mim, graças a Deus. O que eu quero é paz”.
“Quero a paz das estepes/ a paz dos descampados/ a paz do Pico de Itabira/
quando havia Pico de Itabira/ A paz de cima das Agulhas Negras/ A paz de muito
abaixo da mina mais funda e esboroada de Morro Velho/ A paz da paz” (Apelo
a meus dessemelhantes em favor da paz - trecho)
JÁ AGORA, A ORDEM DOS PROFESSORES E A FENPROF
“Tudo que
sucede, sucede por alguma razão” (Gabriel Garcia Marquez, Prémio Nobel da
Literatura 1982).
- Zelar pela função
social, dignidade e prestígio da profissão de professor,
assegurando o nível de qualificação profissional e promovendo o respeito pelos respectivos
princípios deontológicos.
- Emitir a cédula profissional de professor e regulamentar o exercício
da respectiva profissão.
- Contribuir para a
reestruturação da carreira docente.
- Exercer a jurisdição
disciplinar relativamente aos professores por actos de natureza docente praticados no exercício da
profissão.
- Elaborar estudos e
propor aos órgãos competentes as medidas necessárias a
um adequado e eficaz exercício da actividade docente, bem como emitir pareceres sobre os projectos de diplomas
legislativos.
- Emitir parecer acerca
de planos de estudo e cursos que tenham por objectivo a formação de
professores”.
Resposta ao
comentário do engenheiro Ildefonso Dias, ao meu post: “A Ordem dos Professores,
o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados e a Associação Nacional dos
Professores”, publicado neste blogue em 29/10/2012:
Num país em
que “a mediocridade é a lei” (João Lobo Antunes”) sancionada por cursos de três
ao pataco e em que o ”professor, desde que seja funcionário público, sente uma
tendência – a lei do menor esforço – para a cristalização dos métodos de
ensino” (Bento de Jesus Caraça), deparo-me, salvaguardada as devidas
proporções, com a perplexidade de Santo Agostinho:” Se não me perguntarem o que
é o tempo, então eu sei o que é o tempo; mas se perguntarem o que é o tempo,
então eu não sei o que é o tempo”. Ou seja, esta minha perplexidade mais se
avoluma num tempo em que, António José Saraiva (1979) baptizou de
“diplomocracia”, aquilo que eu definiria como a subalternização do saber a um
papel com ou sem o “imprimatur” do Estado que, por vezes, atesta que o seu portador sabe aquilo que não sabe!.
Sou honesto:
desconheço, em lamentável pecha minha, dado o estatuto cívico, cultural e
científico do seu autor, o Professor Bento de Jesus Caraça, mas cuja acção
política é do meu respeitoso conhecimento, a conferência da respectiva autoria:
“As Universidades Populares e a Cultura”.
Em desagravo pessoal, e em proveito de outros leitores, terei imenso prazer na
espectiva publicação se me for enviada através dp DRN. .Mas dada a previsão da
sua extensão, se possível, debruçando-se, essencialmente, sobre “ a maneira de se proceder à renovação
constante nas pessoas e nos métodos para que a classe dos professores não
descanse nos resultados obtidos na véspera”. Desde já, atrevo-me a pensar que
essa renovação possa passar pela auto-regulação da profissão docente para que
os professores não continuem, como até aqui, agentes passivos dessa mudança por
nada mais lhes restar do que deixar correr o marfim!
Deste modo, para
além disto, como se deduz por este intróito, unicamente poderei tentar dar-lhe
a minha opinião (e as opiniões valem o que valem, como sabe!) à pergunta final que
me faz no seu comentário: “Assim sendo, qual seria o papel de uma Ordem dos
Professores no combate a esta situação?” Em princípio, por o exercício docente
dever ser reconhecido (impondo-se mesmo
que o seja!) como uma profissão de interesse público, a exemplo do exercício de
profissões tuteladas por ordens profissionais, v.g., Medicina, encontro suporte
para a criação de uma associação pública de professores, “com o fim de, por devolução
de deveres do Estado, regular e disciplinar o exercício da respectiva
actividade profissional” (Diogo Freitas do Amaral). Aliás, na "Proposta de
Estatutos da Ordem dos Professores" (como qualquer proposta sujeita a alterações,
ademais numa altura de nova legislação a aplicar às ordens
profissionais), mencionada no meu post anterior “A Ordem dos Professores, o
Sindicato Nacional dos Professores Licenciados e a Associação Nacional dos
Professores”, no respectivo artigo 3.º, são tidas como atribuições da Ordem dos
Professores os seguintes itens:
- “Intervir na defesa
do Ensino público e privado, através da salvaguarda e promoção
da sua qualidade.
Bem eu sei que
como todas as obras humanas a criação da Ordem dos Professores não é, de forma
alguma, panaceia universal para todos os males de que padece o nosso Sistema
Educativo. Mas de uma coisa estou convencido: seria uma forma dos professores
deixarem de ser gentes passivos de determinações ditatoriais emanadas da 5 de
Outubro (haja em vista, a título de exemplo, a acção governamental do tempo de Ana Benavente e Maria de Lurdes
Rodrigues), por vezes, com a chancela
sindical desde que servissem interesses sindicais projectados (abusivamente)
para além de questões laborais da respectiva massa associativa que eterniza os
seus líderes no poder numa espécie de profissionalização que os afasta do
ensino para o qual se prepararam ou deviam ter preparado. Como é consabido,
isso não se passa no dirigismo das ordens profissionais em que os bastonários têm
essa função devidamente limitada nos respectivos estatutos. Para evitar juízos
precipitados, ou mesmo maldosos, nunca pus em dúvida a acção valiosa dos
sindicatos se atidos às suas fronteiras. Que fique isto bem claro!
Sobre o papel de uma Ordem dos Professores,
julgo de interesse trazer à colação a opinião contrária dos actuais dirigentes
da Fenprof (separando eu os
cantores da canção) para se extraírem as necessárias e pertinentes ilações
desta peça doutrinária:
“Em movimentos agudos de ataque à classe e à profissão, tem
caminho fácil a ilusão de que uma ‘ordem’ contribuiria para unir a classe
eventualmente dividida e, por essa via, aumentar a capacidade reivindicativa. É
uma óbvia ilusão. A criação de uma ordem, no actual contexto, seria mais um
factor de divisão. E é uma ilusão enganadora. O campo de intervenção de uma
ordem restringe-se ao plano de questões éticas e deontológicas [em
sublinhado meu] que não são, para já, as questões centrais das preocupações dos
professores e das escola –até porque há uma ética e uma deontologia
historicamente construídas, assumidas e respeitadas pela classe docente. Os
Sindicatos dos Professores têm sido e continuarão a ser espaço de análise e
discussão das questões da Ética e da Deontologia da profissão, conscientes que
da sua clara assunção também beneficia a imagem social dos professores que só
ilusoriamente seria melhorada pela criação de uma eventual ordem” ( Site da Fenprof, 20/06/2008).
Em resumo, segundo esta federação uma
Ordem dos Professores contribuiria para desunir
a classe docente. Os docentes pulverizados por mais de uma dezena de sindicatos,
ou organizações afins (sem ter em conta os milhares de docentes não
sindicalizados), não. Vá lá a gente entender a lógica deste raciocínio! E isto,
já para não falar no aspecto restritivo que a Fenprof atribui a uma futura
Ordem dos Professores: “O campo de intervenção de uma ordem restringe-se ao
plano de questões éticas e deontológicas que não são, para já, [ em interrogação
minha: então para quando?] as questões centrais das preocupações dos
professores e das escolas”. É bem certo que “tudo o que sucede, sucede por
alguma razão”. Infelizmente, nem sempre
pelas melhores razões!
Isto Não é (Só) Matemática
Isto Não é (Só) Matemática
de Alexandre e Pedro Aibéo
Editora QuidNovi
Isto Não é (Só) Matemática, eis o título da primeira obra da autoria de Alexandre Aibéo (texto) e do seu primo, Pedro Aibéo (ilustração).
Em primeiro lugar, a necessária declaração de interesses: conheço o Alexandre desde 1996, ano em que entrei na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e no mesmo curso do Alexandre - Astronomia - e este foi o último livro que tive o prazer de trabalhar e "recomendar" na editora QuidNovi antes da minha saída dessa mesma editora. Tem, por isso, uma dupla dose emocional a minha ligação a este livro...
Em primeiro lugar, a necessária declaração de interesses: conheço o Alexandre desde 1996, ano em que entrei na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e no mesmo curso do Alexandre - Astronomia - e este foi o último livro que tive o prazer de trabalhar e "recomendar" na editora QuidNovi antes da minha saída dessa mesma editora. Tem, por isso, uma dupla dose emocional a minha ligação a este livro...
Devo dizer (escrever) também em tantos anos que levo como leitor apaixonado de divulgação científica, nunca encontrei uma obra tão "deliciosamente estranha" como esta. Esta "estranheza" é, neste caso, um perfeito adjectivo; é uma obra de pura divulgação científica? É. É uma obra de banda desenhada? Também. É humor? Definitivamente. Seja por palavras, seja pelos recheados "cartoons humorísticos" que contém.
Não, a Matemática não é fácil. Não tem de ser necessariamente assustadora. E esse é a principal valia do esforço do Alexandre: tem a honestidade (e legitimidade) intelectual para reconhecer a imagem diabólica que a Matemática tem mas aproveita precisamente essa "onda de temor" para a transformar em "onda de humor"; como muito bem indica o Nuno Markl no prefácio, "é pelo humor que vamos", é o humor que deve ser o combustível para esta longa caminhada que leva os leitores desde as mais fundamentais noções matemáticas, as suas raízes históricas, as suas aplicações e implicação no nosso quotidiano até a um patamar de mínima compreensão, de mínima curiosidade. É, precisamente, o acto de resgatar essa "mínima curiosidade" que constitui, por vezes, o mais hercúleo desafio de qualquer bom autor de divulgação científica. E o magistral diálogo entre a mais refinada e cientificamente inatacável prosa literária do Alexandre e o traço único e irónico do Pedro fazem deste livro algo absolutamente sui generis no panorama da literatura de divulgação científica em Portugal e, arrisco-me a declará-lo, mesmo em termos internacionais.
O Alexandre Aibéo de 2012 é precisamente o mesmo que tive a honra e prazer de conhecer em 1996; totalmente apaixonado e entendendo como "espírito de missão" esta coisa bela da "arte da divulgação científica"... o Alexandre estará para sempre ligado à criação dessa aventura associativa chamada GIRA - Grupo de Informação e Recreação Astronómica - e que foi o primeiro projecto de amor pela comunicação da Ciência de tantos jovens estudantes do curso de Astronomia do Porto, entre eles o autor deste post, o Pedro Russo (sim, o Coordenador do Ano Internacional da Astronomia em 2009) e o Ricardo Reis (do Núcleo de Divulgação do Centro de Astrofísica da UP), apenas para citar alguns. O entusiasmo, dedicação e qualidade que o Alexandre emprestava a cada projecto sempre foi absolutamente contagiante, incendiando ainda mais o nosso prazer por tal "ofício". Resumidamente: o livro do Alexandre é a extensão literária desse fogo e de delícia de partilha que sempre foi a imagem de marca do autor, algo que hoje também podemos constatar como evidente após a vitória que o mesmo obteve em 2010 no concurso FameLab...
O livro tem um blog, uma página no Facebook e o lançamento será esta 6ª feira, pelas 21:30h, na Fnac do NorteShopping e terá, no dia seguinte, uma apresentação na Bertrand Palácio do Gelo Shopping, em Viseu, pelas 16h.
Os presentes e futuros patamares de excelência da literatura de divulgação científica escrita em português passam por este nome: Alexandre Aibéo. E isto está muito, muito longe de ser apenas a convicção de um amigo...
Parabéns, Alex!
Congratulations, Mr. Collins!
No dia em que o astronauta Michael Collins celebra o seu 82º aniversário, gostaria de deixar aqui um pequeno excerto do seu prefácio à edição de 2009 do seu belíssimo livro (na minha modesta opinião, o melhor livro escrito por um astronauta do programa espacial americano) Carrying the Fire. Provavelmente o livro mereceria outras citações, eventualmente mais relacionadas com a façanha da Apollo 11; porém, prefiro deixar-vos com os sonhos ainda mais ambiciosos de quem foi protagonista de um dos maiores sonhos do século passado...
UM ABALO PARA A CIÊNCIA
No dia 21 de Setembro de 1761 foi garrrotado
e queimado no Rossio, em Lisboa, o jesuíta italiano Gabriel Malagrida, a última
vítima da Inquisição no nosso país. O seu “crime” foi afirmar que o terramoto ocorrido
em Lisboa seis anos antes tinha sido, não um fenómeno natural, mas um acto de
Deus para castigar os homens. Voltaire comentou que ao “excesso de ridículo e absurdo
se juntava o excesso de horror”. O responsável último pela acusação de “falso
profeta” e “herege” e pelo simulacro de julgamento foi o Marquês de Pombal, o
primeiro-ministro que tinha colocado o seu irmão à frente da Inquisição. O
poder político queria, para além de se afirmar, tranquilizar as populações
quanto ao risco de novos terramotos. Os homens poderiam viver tranquilos na
cidade reconstruída (pecando como era hábito) que a Terra não voltaria a ser sacudida
pela “ira de Deus”.
No passado dia 22 de Outubro foram
condenados no tribunal de l’Aquila, Itália, a seis anos de prisão seis cientistas
italianos e um dirigente da protecção civil, por não terem prevenido as
autoridades do terramoto que, a 6 de Abril de 2009, destruiu aquela cidade,
causando mais de 300 mortos. Tal como no caso do Padre Malagrida, o julgamento italiano
foi causado por um tremor de terra. A semelhança continua no facto de, em ambos
os casos, terem sido condenadas pessoas inocentes. Pode-se repetir a frase de
Voltaire, embora hoje as condenações não sejam à morte (outros são os tempos no
Ocidente cristão). Ao excesso de ridículo e absurdo – o julgamento dos
cientistas – somou-se o excesso de horror – a sua condenação ao cárcere. Há,
porém, uma diferença óbvia: Se o Marquês mandou o Padre Malagrida para a
fogueira, por ele ter alimentado o pânico, a justiça italiana acusou os
sismologistas por eles não terem alimentado o pânico. Mas logo voltam as semelhanças:
nos dois casos, o poder político queria, ao fim e ao cabo, evitar o medo
popular, que poderia levar ao descontrolo da cidade. Com efeito, a comissão de
cientistas reuniu em l’Aquila em 31 de Março de 2009 a mando da política com o
fim de tranquilizar as populações amedrontadas por uma série de pequenos
abalos.
Acontece que os cientistas não podiam
prever o terramoto maior. Ninguém, no estado actual da ciência geofísica, pode
prever um terramoto. Não quer isto dizer que jamais sejamos capazes de prever
sismos, mas sim que hoje somos incapazes de o fazer. Uma sucessão de pequenos
abalos, como ocorreu em l’Aquila, não prenuncia um grande abalo. Em anos
anteriores tinham aliás ocorrido fenómenos semelhantes sem que nenhum sismo
violento se lhe tivesse seguido. Não se pode pedir da ciência mais do que
aquilo que ela pode dar. Pedir a um sismologista que preveja um sismo, num
certo sítio e num certo dia, equivale a pedir-lhe para ele deixar de ser
cientista e passar a ser impostor. Curiosamente, há um impostor na história de
l’Aquila. Trata-se de um pretenso “investigador” que tinha previsto um sismo
para a cidade de Sulmona, perto de l’Aquila. Essa profecia veio naturalmente a
revelar-se errada (repito para o caso de algum juiz me estar a ler: não se
podem prever sismos!). As autoridades, ao convocarem a comissão de peritos,
esperavam ver contrariadas as profecias do impostor. E assim foi. Contudo, os cientistas
cometeram um erro, um erro que está longe de corresponder à pesada pena que
lhes foi aplicada: permaneceram calados na conferência de imprensa no final da
reunião, onde só falou o responsável, ou melhor o irresponsável, pela protecção
civil. A mensagem de absoluta tranquilidade (“podem beber um copo”) que ele
transmitiu ao público bem podia ter sido contraditada. Assim como não se pode
prever terramotos, também não se pode prever não-terramotos.
Encontrados bodes expiatórios, o poder
político saiu incólume tanto no século XVIII como no século XXI. Estarão os
políticos mais protegidos da justiça do que os outros cidadãos? Parece que sim,
até porque são eles que aprovam as leis. Todos sabemos que, nos terramotos
económicos a que temos assistido em Portugal e em Itália, os responsáveis
políticos não têm sido acusados de qualquer crime, por acção ou inacção.
Deveriam ser? Temos nesta matéria de ser cautelosos, pois isso poderia conduzir
ao abandono da política. E precisamos da política.
Ao ser criminalizada, a ciência acaba por
ser uma das vítimas maiores do terramoto de l’Aquila. A partir de agora os
cientistas estarão relutantes a aparecer em público. Se permanecerem calados,
poderão ser condenados. E, se falarem, também. A sociedade moderna precisa da
ciência, pois é a ciência, por mais limitada que seja, que permite chegar às
melhores soluções de muitos problemas. Einstein disse que a ciência é “a coisa
mais preciosa que temos”. Mas, ai de nós, a ciência vai passar a andar
escondida.
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
A ORDEM DOS PROFESSORES, O SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS E A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PROFESSORES
“Considero professores e professoras como a
corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos
trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático” (Fernando Savater,
catedrático de Ética da Universidade do País Basco).
A recente nomeação, para secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, de João Granjo, diplomado pela Escola do Magistério Primário do Porto (1980), habilitado com o Curso de Estudos Superiores em Administração Escolar (Instituto de Ciências Educativas, 1993) e Mestrado em Administração e Planificação da Educação (Universidade Portucalense, 2007), foi noticiada no jornal “Público (26/10/2012) referenciando o facto de ter sido presidente da Associação Nacional de Professores e defensor da criação da Ordem dos Professores.
A recente nomeação, para secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, de João Granjo, diplomado pela Escola do Magistério Primário do Porto (1980), habilitado com o Curso de Estudos Superiores em Administração Escolar (Instituto de Ciências Educativas, 1993) e Mestrado em Administração e Planificação da Educação (Universidade Portucalense, 2007), foi noticiada no jornal “Público (26/10/2012) referenciando o facto de ter sido presidente da Associação Nacional de Professores e defensor da criação da Ordem dos Professores.
Esclarece-se que a
Associação Nacional de Professores sucedeu à Associação Nacional de Professores
do Ensino Básico, constituída por
diplomados pelas antigas Escolas do Magistério Primário e Escolas de Educadores
de Infância, sendo reclamante da criação
da Ordem dos Professores desde 1985 e tendo
anunciado “num seminário realizado em 91, em Viseu, o firme propósito de se
transformar em Ordem” (“Diário de Coimbra”, 07/05/91). Reclamação, aliás, sem tradição, ou simples analogia, com as
ordens profissionais existentes, porque destinadas a representar, apenas, profissões detentoras de licenciatura
universitária. Só, posteriormente, foram
criadas ordens profissionais sem obedeceram a este requisito, como sejam os
casos da Ordem dos Enfermeiros (Decreto-Lei n. 104/98, de 21 de Abril) e da
Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (Decreto-Lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro).
Lá mais para diante se voltará a esta temática que me mereceu estudo aturado no
livro “Do Caos à Ordem dos Professores” (Rui Baptista, edição do SNPL, Janeiro
de 2004) e, posteriormente, num pequeno opúsculo “Livro da Ordem” (Edição
do SNPL, 1997) sobre uma “Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores” de
que fui o coordenador. Da respectiva “Nota Prévia”, transcrevo:
Para a inscrição de
indivíduos, de posse do diploma das antigas Escolas do Magistério Primário, por
exemplo, foi estabelecida a categoria de membro associado (Pontos 1 e 2, do
respectivo artigo 15.º) obedecendo aos critérios seguintes:
Relevando, com toda a
justiça, a posição amplamente favorável
do CDS/PP, aquando da discussão na Assembleia da República sobre a criação da
Ordem dos Professores, sem querer beliscar a idoneidade do relator do referido
parecer, o deputado João Bernardo, professor do 1.º ciclo do ensino básico,
e vice-secretário-geral do SINDEP
(sindicato desfavorável à criação de uma Ordem dos Professores), não posso deixar de
registar o facto de se mostrar ele reservado nesta matéria por recear que ela, em palavras suas, “se confunda com os
legítimos representantes dos interesses laborais das diversas classes
profissionais”. Este receio é tanto mais insólito por o artigo 267.º da
Constituição Portuguesa impedir essa sobreposição de poderes em seu texto:
“As associações públicas não podem exercer funções das associações sindicais e
têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na
formação democrática dos seus órgãos”.
TVI: A FREGUESIA DO MUNDO MAIS PARECIDA COM O PLANETA MARTE
Continuam as asneiras sobre bactérias marcianas numa pequena Vila do Alentejo, onde alguns jornalistas e um presidente de junta dizem que poderá ter acontecido o "início da vida na Terra". É muito interessante, muito mesmo, o modo como os meios de comunicação social se influenciam uns aos outros. Ao invés do que se exigiria pelas boas práticas jornalísticas verificarem a credibilidade das fontes, cruzando-as e pedindo opiniões independentes (por exemplo), as notícias propagam-se como boatos em conversas de café. E é também impressionante a falta de cultura científica de certos jornalistas não especializados em ciência.
A TVI recuperou o tema já "noticiado" pela SIC, de que numa pequena Vila Alentejana (Cabeço de Vide) existem bactérias, muito semelhantes a outras que só existem em Marte. Não se lembrou de telefonar a um qualquer cientista e perguntar de que cor são essas bactérias de Marte. Se o fizesse, poderia ficar a saber uma coisa muito simples: nunca foram encontradas bactérias ou outra forma de vida em Marte ou em qualquer outro local fora da Terra.
- "Os cientistas acreditam que a vida poderá ter começado nesta vila Alentejana".
- "É a freguesia do mundo mais parecida com o planeta Marte."
- "[vamos] abrir as portas aos cientistas para eventuais estudos. É que Cabeço de Vide, sempre fica mais perto do que Marte".
A fonte científica desta "notícia" é o Presidente da Junta de Freguesia de Cabeço de Vide (autarquia PSD, por curiosidade), que sem dúvida está a fazer uma excelente acção de promoção das termas de Cabeço de Vide. O problema é que o faz dizendo disparates, que não têm qualquer sustentação do ponto de vista científico. E os jornalistas fazem o favor de os propagarem de um modo completamente acritico. Onde estão os principios jornalísticos?
O que acontece é que em Cabeço de Vide, uma região termal, há uma grande concentração de enxofre. Nessas condições, algumas bactérias conseguem usar alguns compostos inorgânicos (como o sulfureto de hidrogénio) como fonte de energia para fazerem moléculas orgânicas. Este processo chama-se quimiossíntese e é uma espécie de fotossíntese, sem luz do Sol. É muitíssimo menos eficiente do que a fotossíntese, mas pensa-se que terá sido usado por algumas formas de vida primordiais. E é também usado, por algumas formas de vida actuais, que existem em muitos locais da Terra (cavernas, no fundo do mar a grandes profundidades onde não chega a luz do Sol). Pode-se estudar em Cabeço de Vide como poderá ter evoluído a vida na Terra, assim como em muitos outros locais. Não se pode dizer que a vida surgiu em Cabeço de Vide (não há maneira de saber, depois de todos os movimentos tectónicos que mudaram os continentes de sítio) mas pode-se estudar a origem da vida em Cabeço de Vide (assim como em muitos outros locais).
Fora da Terra, há sítios em Marte e na lua de Júpiter Europa, que se pensa terem condições semelhantes às que possibilitaram o aparecimento da vida na Terra. E o cientista Steve Vance, que visitou Cabeço de Vide, segundo disse à SIC, estava a experimentar um instrumento que serve para medir gases e estudar estas coisas, com vista a fazer medições semelhantes em Marte, já que a sonda Curiosity (que recentemente chegou a Marte) tem um instrumento parecido a bordo.
A reportagem termina dizendo que a Vila habituada à calma alentejana, sente-se agora no "centro do mundo". Nada mais absurdo e é de uma irresponsabilidade cruel criar essa expectativa na população da Vila, a braços com os problemas da crise económica, desemprego e confrontada com a emigração, que vê neste hipotético estatuto uma esperança.
Republicação de texto
Por razões técnicas, retirámos provisoriamente o texto Contributos de três liberais para a ginástica na Casa Pai, da autoria de João Boaventura, que havia sido publicado ontem.
Assim que os problemas de edição sejam resolvidos reintroduziremos o referido texto.
Pelo facto o De Rerum Natura pede desculpa ao autor e aos leitores
A equipa do De Rerum Natura
Assim que os problemas de edição sejam resolvidos reintroduziremos o referido texto.
Pelo facto o De Rerum Natura pede desculpa ao autor e aos leitores
A equipa do De Rerum Natura
domingo, 28 de outubro de 2012
Mo Yan
Novo texto de Ângelo Alves:
Inês Pedrosa, na sua crónica
no jornal “Sol”, escreveu que o chinês Mo Yan (Nobel da Literatura) não estava
à altura do prémio pela ausência de qualidade da sua escrita e por pertencer a
um regime opressivo, onde se pratica a pena de morte, tolerada pelo mesmo
autor.
Em relação ao primeiro ponto,
como ainda não li nenhum livro deste autor e, tanto quanto sei, apenas se
encontra um editado em Portugal (acho que esgotado), obviamente não vou opinar sobre o
que ignoro; quero, todavia, lembrar à senhora Inês Pedrosa que Sir Winston Churchill
e Sir William Golding, cuja boa parte da obra de cada um li, não mereceram a
distinção. Em contraponto, G. Orwell, D.H. Lawrence e E.M. Forster não obtiveram o
Nobel porque um foi anarquista, o outro crítico feroz do puritanismo e da
hipocrisia da sociedade britânica, e aqueloutro homossexual.
Quanto ao segundo ponto, estou em completo
desacordo com a nossa escritora. Para mim a qualidade da escrita e o génio do
autor são motivos mais que suficientes para a atribuição. Por exemplo, Knut
Hamsun, escritor de que gosto muito, foi apoiante do nazismo assim com L.F. Céline,
que não teve a mesma fortuna do primeiro. Já agora, gostaria que Inês Pedrosa
lesse os americanos Sinclair Lewis e T.S. Eliot - se ainda não leu -, para saber
a opinião destes autores sobre a pena de morte. Pretender misturar o sentido
político do autor com literatura para justificar o Nobel (ignóbil, segundo a
mesma) não é o caminho certo. Foi por este motivo que José Saramago foi tão
perseguido neste país, que Urbano T. Rodrigues ainda não ganhou o prémio
Camões, assim como A. Ramos Rosa, cuja poesia está ao nível dos romances de A.
Lobo Antunes, e que Jorge de Sena só por nos apelidar de "povo reles” nunca
tivesse sido proposto para o Nobel.
A ditadura, cara escritora, também existe
onde não há justiça e igualdade. Liberdade sem pão é prisão, ou como escreveu
Pessoa: quem tem um corpo não é livre.
É verdade que a nossa língua é menosprezada
pela academia sueca, que, nos últimos quinze anos, atribui o prémio
revezadamente: a um país muito premiado e a um outro estreante. Mas o que dizer da
injustiça da academia em relação à literatura da Argentina?
Ângelo Alves
P.S: Li recentemente uma antologia de Jorge
de Sena escolhida por Eugénio Lisboa e gostaria que ele me esclarecesse se, no poema “As Mãos Dadas”, o autor escreveu a interjeição “ai”ou o advérbio “aí”, como tenho visto na blogosfera:
"Um dia me falaste,
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, ai também recordo.
E escadas
vazias.
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, ai também recordo.
E escadas
vazias.
Não me falaste, não.
Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.
Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.
Não tinhas nome; ou tinhas, mas
não teu.
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas"
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas"
Seria fatal para a saúde moral e física da criança
Rui Baptista, em comentário a texto recentemente publicado, alude a Eça de Queirós, citando-o:
Por isso, em 1928, por decreto governamental, foi um dos autores proibidos de entrar nas escolas portuguesas (Decreto n.º 15 941).
Efectivamente, ao tempo, o elogio rasgado das entidades responsáveis pela educação nacional era... o estado mínimo de conhecimento!
De modo algum isso constituía segredo de estado. Em documentos nomativo-legais está claramente explicado que:
Podemo-nos indignar com os extractos acima reproduzidos, produtos duma ideologia política designada de direita, mas quando o regime se tornou democrático continuámos (e continuamos) a questionar a pertinência de ensinar Eça e outros clássicos, em favor de textos avulsos, comuns, do quotidiano e que são úteis para o quotidiano, para a vida, para a integração na comunidade local, para o mercado de trabalho...
O exemplo seguido é de Português, mas se nos deslocarmos para outras disciplinas a situação é exactamente a mesma.
A verdade é que não evoluímos o que devíamos ter evoluído, desde que, há um século, emergiu na sociedade a consciência do dever de educar todas as crianças, jovens e adultos, de os tornar cultos, livres... Mais parece que andamos perdidos num círculo, na ilusão de caminharmos em frente... num círculo onde mudará a forma das declarações mas não seu conteúdo.
Nota: Os extractos usados neste texto foram retirados do livro Educação, acto político, de Agostinho Reis Monteiro (Edições O professor), p.146-147.
"(...) um dos piores males, e digamos o maior, é a ignorância; a completa, a perfeita, a absoluta ignorância.”O escritor era viajado, culto, conhecia o país, sabia do que falava e... falava.
Por isso, em 1928, por decreto governamental, foi um dos autores proibidos de entrar nas escolas portuguesas (Decreto n.º 15 941).
Efectivamente, ao tempo, o elogio rasgado das entidades responsáveis pela educação nacional era... o estado mínimo de conhecimento!
De modo algum isso constituía segredo de estado. Em documentos nomativo-legais está claramente explicado que:
"O ensino primário elementar trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança, ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler escrever e contar e a exercer as suas virtudes morais e um vivo amor a Portugal" (Decreto-Lei n.º 27279)E para que alguém mais afoito, que manifestasse a veleidade de aprender mais do que esta conta, foi determinado:
"Que se afixem nas Escolas Primárias, Liceus, Bibliotecas, etc., quadros morais com frases como a seguinte: advogados sem causa, médicos sem clientela, arquitectos sem trabalhos, a vossa instrução nem sempre vos servirá para combater a adversidade, ao passo que um bom ofício salvou sempre o operário corajoso, permitindo-lhe afrontar a inclemência da sorte" (Decreto-Lei n.º 22040)Afastar o conhecimento tem sido, para nós, portugueses, uma tragédia. Tarde investimos na escolarização universal e além das dificuldades de concretizarmos esse objectivo, não deixámos que a escola cumprisse a sua mais nobre missão.
Podemo-nos indignar com os extractos acima reproduzidos, produtos duma ideologia política designada de direita, mas quando o regime se tornou democrático continuámos (e continuamos) a questionar a pertinência de ensinar Eça e outros clássicos, em favor de textos avulsos, comuns, do quotidiano e que são úteis para o quotidiano, para a vida, para a integração na comunidade local, para o mercado de trabalho...
O exemplo seguido é de Português, mas se nos deslocarmos para outras disciplinas a situação é exactamente a mesma.
A verdade é que não evoluímos o que devíamos ter evoluído, desde que, há um século, emergiu na sociedade a consciência do dever de educar todas as crianças, jovens e adultos, de os tornar cultos, livres... Mais parece que andamos perdidos num círculo, na ilusão de caminharmos em frente... num círculo onde mudará a forma das declarações mas não seu conteúdo.
Nota: Os extractos usados neste texto foram retirados do livro Educação, acto político, de Agostinho Reis Monteiro (Edições O professor), p.146-147.
Bezoar e Unicórnio – Venenos e Antídotos: entre Mito e História, Arte e Ciência
Informação chegada ao De Rerum Natura.
No próximo dia 8 de Novembro (quinta-feira), terá lugar no Museu da Farmácia, no Porto, o Colóquio Internacional “Bezoar e Unicórnio – Venenos e Antídotos: entre Mito e História, Arte e Ciência”, uma iniciativa organizada no âmbito do projecto de I&D “Dioscórides e o Humanismo Português: os Comentários de Amato Lusitano” do Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, em parceria com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, com a Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste” da Universidade de Lisboa e com o próprio Museu da Farmácia.
Muito gostaríamos de contar com a vossa presença nesta reunião científica que pretende proporcionar uma reflexão alargada sobre uma matéria, bezoar e unicórnio – venenos e antídotos, que ao longo dos séculos exerceu sobre o Homem um intenso fascínio.
As actividades terão início a partir das 10h, estando prevista no final dos trabalhos uma visita ao Museu da Farmácia (com particular destaque, naturalmente, para as peças associadas à temática do colóquio).
Remetemos os interessados para o cartaz/desdobrável/convite, onde poderão encontrar informações pormenorizadas sobre o programa.
A ideia de organizar este colóquio sobre bezoares e unicórnios surgiu no decurso da execução do projecto “Dioscórides e o Humanismo Português: os Comentários de Amato Lusitano”, cujo principal objectivo é a edição e tradução para português dos dois livros que o médico albicastrense dedicou ao comentário do tratado grego De materia medica de Dioscórides, ou seja, o Index Dioscoridis (Antuérpia, 1536) e as In Dioscoridis Anazarbei de medica materia libros quinque...enarrationes (Veneza, 1553).
Nos seus comentários a Dioscórides, Amato Lusitano aborda, com algum pormenor, as propriedades e virtudes da pedra bezoar e do chifre de unicórnio (quer seja propriamente a presa de narval ou a de outros animais). Este testemunho matricial constitui-se, assim, no ponto de partida de uma ampla e fecunda exploração do tema, no qual confluem vários saberes complementares (Arte, Farmácia, Filologia, História, Literatura e Medicina).
NOTA: O Museu da Farmácia do Porto fica na Rua Engenheiro Ferreira Dias, 728 4100 - 246 Porto.
No próximo dia 8 de Novembro (quinta-feira), terá lugar no Museu da Farmácia, no Porto, o Colóquio Internacional “Bezoar e Unicórnio – Venenos e Antídotos: entre Mito e História, Arte e Ciência”, uma iniciativa organizada no âmbito do projecto de I&D “Dioscórides e o Humanismo Português: os Comentários de Amato Lusitano” do Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, em parceria com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, com a Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste” da Universidade de Lisboa e com o próprio Museu da Farmácia.
Muito gostaríamos de contar com a vossa presença nesta reunião científica que pretende proporcionar uma reflexão alargada sobre uma matéria, bezoar e unicórnio – venenos e antídotos, que ao longo dos séculos exerceu sobre o Homem um intenso fascínio.
As actividades terão início a partir das 10h, estando prevista no final dos trabalhos uma visita ao Museu da Farmácia (com particular destaque, naturalmente, para as peças associadas à temática do colóquio).
Remetemos os interessados para o cartaz/desdobrável/convite, onde poderão encontrar informações pormenorizadas sobre o programa.
A ideia de organizar este colóquio sobre bezoares e unicórnios surgiu no decurso da execução do projecto “Dioscórides e o Humanismo Português: os Comentários de Amato Lusitano”, cujo principal objectivo é a edição e tradução para português dos dois livros que o médico albicastrense dedicou ao comentário do tratado grego De materia medica de Dioscórides, ou seja, o Index Dioscoridis (Antuérpia, 1536) e as In Dioscoridis Anazarbei de medica materia libros quinque...enarrationes (Veneza, 1553).
Nos seus comentários a Dioscórides, Amato Lusitano aborda, com algum pormenor, as propriedades e virtudes da pedra bezoar e do chifre de unicórnio (quer seja propriamente a presa de narval ou a de outros animais). Este testemunho matricial constitui-se, assim, no ponto de partida de uma ampla e fecunda exploração do tema, no qual confluem vários saberes complementares (Arte, Farmácia, Filologia, História, Literatura e Medicina).
NOTA: O Museu da Farmácia do Porto fica na Rua Engenheiro Ferreira Dias, 728 4100 - 246 Porto.
É uma tristeza
O Governo anda desnorteado, mas muitos ainda ajudam à festa, acrescentando a desorientação e não percebendo (ou percebendo muito bem) que o prejuízo é geral.
É claro que o Governo fez alguns grandes disparates, desbaratando o capital de confiança e de esperança que lhe tínhamos dado e que tanta falta faz. Estaríamos por certo melhor em termos de coesão social e de motivação sem as trapalhadas e as jogadas do incrível Relvas, a solidariedade do Primeiro-Ministro para com ele e a falta de jeito de António Borges. Passos Coelho não percebeu o desgaste a que, por causa do Relvas, estava a ser sujeito, numa altura em que tudo o que conseguisse em termos de confiança e de coesão era pouco.
Perdeu-se um capital precioso, e isso é dramático. Não falo da nossa Esquerda, para quem esta erosão é muito boa. A nossa Esquerda que está sempre contra tudo, para quem o gasto público é a lei, mesmo sem dinheiro, e que fala para os 15, 16% da população que gosta de ouvir as suas vozes. Refiro-me aos outros, à grande massa. Os que compreendem que se andaram a fazer asneiras, em termos internos e externos, e que alguém tem que as pagar. Mesmo vendo nisto alguma perfídia, porque a maior parte foi apanhada por uma estratégia de gastos incentivada em clima de facilidade, que agora nos é cobrada à má cara. E de injustiça, porque durante anos nos andaram a dizer: gastem, gastem, porque favorece a economia, e agora nos dizem poupem e paguem porque o que gastaram não era produtivo, nem rentável, ou seja, era economicamente um logro.
Tirando uns poucos (Ernâni Lopes, Ferreira do Amaral, Medina Carreira, Manuela Ferreira Leite, vistas como aves de mau agouro) ninguém, de entre os que tinham obrigação de o fazer, nos preveniu ou nos aconselhou prudência. O certo é que, face às dificuldades, o País está a radicalizar-se e a perder clarividência. E pior, há muitos, sem pudor nenhum, a querer saltar da carroça dos sacrifícios comuns. Aí está de novo o PREC.
Muitos dos que reclamam e fazem barulho são dos que menos motivos têm. Desde as corporações tradicionalmente mais protegidas (Forças Armada, magistrados, juízes, autarcas, etc.) aos sindicatos das profissões mais defendidas e bem pagas (pilotos, maquinistas, estivadores, por exemplo). Ao fim de tantos anos de Democracia não conseguimos integrar harmonicamente no conjunto estas aristocracias profissionais. As corporações estão em alta, essa é que é a verdade. Vindas do salazarismo, que fez delas ideologia política e dinâmica económico-social, e nelas assentou a estrutura jurídica e laboral do Estão Novo, as corporações ganharam raízes. Tão fortes, que não só se manteve o corporativismo entranhado nas mentalidades, como, por via sindical e intersindical nasceram, depois da Revolução de Abril, outras ainda mais fortes e poderosas. E que agora gritam por privilégios, se manifestam, ameaçam, fazem abanar governos, destroem ministros, arrasam a economia, e sem problema nenhum, porque a lei os protege.
Para quem não tem formação, moral e legal é a mesma coisa. Fazendo o mal e a caramunha, transformam-se em arautos da desgraça muitos dos próprios agentes dela. Todos estão puxando para o buraco sem querer perceber que, se nele cairmos, também eles para lá vão. Lembrem a passagem de São Mateus: «Cegos são e condutores de cegos, e quando um cego guia outro cego ambos vão cair no barranco».
João Boavida
É claro que o Governo fez alguns grandes disparates, desbaratando o capital de confiança e de esperança que lhe tínhamos dado e que tanta falta faz. Estaríamos por certo melhor em termos de coesão social e de motivação sem as trapalhadas e as jogadas do incrível Relvas, a solidariedade do Primeiro-Ministro para com ele e a falta de jeito de António Borges. Passos Coelho não percebeu o desgaste a que, por causa do Relvas, estava a ser sujeito, numa altura em que tudo o que conseguisse em termos de confiança e de coesão era pouco.
Perdeu-se um capital precioso, e isso é dramático. Não falo da nossa Esquerda, para quem esta erosão é muito boa. A nossa Esquerda que está sempre contra tudo, para quem o gasto público é a lei, mesmo sem dinheiro, e que fala para os 15, 16% da população que gosta de ouvir as suas vozes. Refiro-me aos outros, à grande massa. Os que compreendem que se andaram a fazer asneiras, em termos internos e externos, e que alguém tem que as pagar. Mesmo vendo nisto alguma perfídia, porque a maior parte foi apanhada por uma estratégia de gastos incentivada em clima de facilidade, que agora nos é cobrada à má cara. E de injustiça, porque durante anos nos andaram a dizer: gastem, gastem, porque favorece a economia, e agora nos dizem poupem e paguem porque o que gastaram não era produtivo, nem rentável, ou seja, era economicamente um logro.
Tirando uns poucos (Ernâni Lopes, Ferreira do Amaral, Medina Carreira, Manuela Ferreira Leite, vistas como aves de mau agouro) ninguém, de entre os que tinham obrigação de o fazer, nos preveniu ou nos aconselhou prudência. O certo é que, face às dificuldades, o País está a radicalizar-se e a perder clarividência. E pior, há muitos, sem pudor nenhum, a querer saltar da carroça dos sacrifícios comuns. Aí está de novo o PREC.
Muitos dos que reclamam e fazem barulho são dos que menos motivos têm. Desde as corporações tradicionalmente mais protegidas (Forças Armada, magistrados, juízes, autarcas, etc.) aos sindicatos das profissões mais defendidas e bem pagas (pilotos, maquinistas, estivadores, por exemplo). Ao fim de tantos anos de Democracia não conseguimos integrar harmonicamente no conjunto estas aristocracias profissionais. As corporações estão em alta, essa é que é a verdade. Vindas do salazarismo, que fez delas ideologia política e dinâmica económico-social, e nelas assentou a estrutura jurídica e laboral do Estão Novo, as corporações ganharam raízes. Tão fortes, que não só se manteve o corporativismo entranhado nas mentalidades, como, por via sindical e intersindical nasceram, depois da Revolução de Abril, outras ainda mais fortes e poderosas. E que agora gritam por privilégios, se manifestam, ameaçam, fazem abanar governos, destroem ministros, arrasam a economia, e sem problema nenhum, porque a lei os protege.
Para quem não tem formação, moral e legal é a mesma coisa. Fazendo o mal e a caramunha, transformam-se em arautos da desgraça muitos dos próprios agentes dela. Todos estão puxando para o buraco sem querer perceber que, se nele cairmos, também eles para lá vão. Lembrem a passagem de São Mateus: «Cegos são e condutores de cegos, e quando um cego guia outro cego ambos vão cair no barranco».
João Boavida
Para a geral, com conhecimento à Senhora D. Helena Tome
Não tenho por hábito responder aos
comentários que surgem em resposta aos artigos que publico. Normalmente, são
uma crítica ou um elogio que se encerram em si mesmos, não suscitando mais
debate; entendo que as pessoas me obsequeiam pelo simples facto de se darem ao
trabalho de escrever umas linhas sobre o que lhes desagradou ou agradou nos
meus textos.
Não fico, em suma, amargurado nem
empolgado. Por norma.
Escrevi, recentemente, um texto sobre
classificações internas de frequência e classificações de exame no ensino
secundário.
Um dos comentários era de tal forma
exemplar daquilo que combato que não resisto a meia dúzia de considerações:
O comentário, para começar:
A avaliação dos alunos em contexto de aula é
um enorme desafio. Os bons professores estudam e aplicam a regra básica de que
a avaliação é contínua e que são vários os aspetos a avaliar. Assim sendo, em
contexto de frequência escolar, os jovens vão, teoricamente, desenvolvendo uma
série de competências, das quais não é menos importante a capacidade de se
envolver diariamente com os assuntos disciplinares, de sala de aula, ou seja,
de construir uma rotina. Pressupõe-se que, uma vez estabelecido um certo
sentido de ser, de estar e de fazer, o estudante possa modificar o seu
comportamento de base e desenvolver outras competências além das que, para
aquele professor, aquela disciplina e aquele contexto, são interessantes para a
sua evolução cognitiva. Essa liberdade, que é de esperar de um estudante médio,
é muito desperdiçada; ou seja, são muito raros os jovens que integram na sua
rotina algo de pessoal, algo de construído por si, com mais ou menos apoio do
professor. E, assim desperdiçada a oportunidade, não saímos da cepa torta, nós,
os professores, os alunos, a Escola, o sistema educativo, Portugal.
Fazer o apanágio do menino e da menina que se
arrastou pelo secundário fora, se preparou e tirou vintes nos exames é de tal
mediocridade que lamento o que acabei de ler. Penso que o Dr é nome grado na
nossa praça; eu, não sou ninguém. No entanto, dou-me ao luxo de o chamar à
atenção e até de lhe perguntar: não estará a referir-se a primos, sobrinhos ou
filhos de amigos? Não lhe ocorrerá, nem por um momento, que esses meninos só
sabem decorar, que exploraram os seus professores ao máximo fingindo não lhes
dar crédito? Saber é tão complexo e é tão dinâmico que ouvir falar de aluninhos
de 11 ou 14 tiraram 20 nos exames me deixa profundamente deprimida. Também eu
lhe podia dar exemplos do contrário, de alunos muito bons, durante o seu curso
de secundário, alguns com esforço, que tiraram vintes nos exames. Quanta
diferença não haverá entre estes jovens e os seu génios de exame.
Se o entendi mal, deve-se à minha pequenez e
não à sua grandeza. Se o entendi mal, peço desculpa. Contudo, penso que o
entendi bem demais.
Tenha uma
vida feliz.
(Ass:
Helena Tome)
As considerações, agora:
1.
Não se consegue entender o que é a
avaliação contínua que menciona. Os anos passam, e quem fala de avaliação
contínua fala geralmente de algo que nunca fica definido, pelo que não entendo
se todos sabem do que falam. No meu departamento, em informação que
pontualmente (na 1.ª aula) entrego aos estudantes (é destinada, também, aos
encarregados de educação), define-se a avaliação contínua: é aquela que
atualiza a cada momento—independentemente de idênticos processos anteriores—uma
opinião vinculativa sobre o estado global dos conhecimentos dos alunos. Ora a
julgar pelas suas afirmações, temo que a sua avaliação contínua apenas vise
punir um aluno que faz uma carreira irregular, com uma subida rápida no final:
são «os aluninhos» que saltam do 11 e do 14 para o 20. São aqueles que não
satisfazem critérios—ó, quão objetivos!—de «um certo sentido de ser, de estar e
de fazer», aplicados por juízes que, tipicamente, nem sabem bem para que lado é
o Norte da vida. Tem, de contínuo, o facto de o aluno nunca conseguir
libertar-se do peso do tempo em que sabia ou ligava menos (em que não era
cumpridor…). É uma cruz, não é uma avaliação. O meu artigo visava,
simplesmente, colocar em pé de igualdade uns com os outros, que fazem o
percurso mais regular. Preocupam-me os resultados punitivos, e acabam por ser
estes alunos os castigados, por não serem espertos na estratégia final. Uns,
como os outros, sabem a matéria—não duvide: os exames de Geometria Descritiva,
de onde sai o exemplo do meu artigo, cobrem os dois anos de aprendizagem, são
exclusivamente de resolução de problemas e não se compadecem de gente com coisas
coladas à pressa; de superficialidades. Defendo que a nota de exame predomine,
sempre que represente uma subida relativamente à frequência. Que esse aspeto da
legislação, ao menos, seja reconsiderado. Não faço juízos morais sobre
examinandos que fizeram um percurso irregular: faço uma apreciação prática da
descriminação de que os outros são alvo. Para abusar de palavras suas: nada
disto é complexo: mas é dinâmico.
2.
Os aspetos que avalio são, exatamente,
os listados no programa como objeto de avaliação. Nem mais, nem menos. É esta a
garantia de paridade com outros docentes, com outras escolas, com o resto do
serviço público. Os instrumentos de avaliação incluem, por conseguinte, trabalhos
realizados nas atividades desenvolvidas nas aulas ou delas decorrentes, quer em
termos dos produtos finais, quer em termos dos materiais produzidos durante o
processo; fichas de trabalho executadas na aula (com e sem consulta);
relatórios; observação direta das operações realizadas durante a execução dos
trabalhos; intervenções orais; caderno diário; provas de avaliação sumativa
expressamente propostas (com e sem consulta); atitudes reveladas durante as
atividades (friso: igualmente definidas no programa).
3.
Não é função minha modificar o
comportamento de base de ninguém. É minha função, no entanto, ensinar o melhor
que sei o conteúdo da minha disciplina, e avaliar os conhecimentos e
competências específicos adquiridos. O aluno tem toda a liberdade de fazer
disso o que julgar melhor. Entendi sempre como opressora qualquer tentativa, de
qualquer pedagogo, para exercer manobras respiratórias sobre o meu pescoço, o
exato critério que norteia parte da minha relação com o barbeiro, e com os meus
alunos. Ah, já agora: e com os meus filhos e sobrinhos. Ninguém está em risco. A
«Escola, o sistema educativo, Portugal», também não. (Suspira a Pátria, de
alívio…)
4.
Encerrado o capítulo da família,
voltemos aos alunos: entristece-me perceber que uma senhora cheia de boas
intenções fica danada porque há alunos que conhecem uma matéria, e acabam os
exames com excelentes notas. São medíocres que se arrastaram pelo secundário
fora? Caspité, minha senhora! Acredite: ninguém consegue fazer Geometria
Descritiva «só» a decorar—embora decorar seja sumamente importante, claro. Como
em História. Como em Literatura. Como em Geografia. Como em Química. Como nas
regras gramaticais, que a senhora ignora apolineamente (espero que não seja
professora) quando se dá ao luxo de me chamar «à» atenção. Não devo ser chamado
«à» atenção como se me chamassem à receção, ao balcão ou à Junta de Freguesia
da Encarnação. Pode, no entanto, ser-me chamada a atenção (a minha) para
isto ou para aquilo. Imagino que é o que pretendia fazer, mas não
explica para quê. Fico intrigado. (Só não resisti a chamar-lhe a atenção
para isto, porque a asneira começa a ser demasiado comum.)
5.
Não sou nome grado em praça nenhuma, de
resto. Nem Dr. (Só de alcunha: soutor.) A minha saudosa avó materna, que avaliava
todos os preços na dita praça, e não se deixava enrolar na qualidade do peixe e
dos legumes, era bem mais grada do que eu.
6.
Falei em meia dúzia de considerações;
cá vai a última: afirma-se «ninguém», fala da sua «pequenez», pede desculpa por
eventualmente me entender mal mas logo acrescenta que pensa ter-me entendido
«bem demais». Começa a interpelação, de resto, por esclarecer o que fazem «os
bons professores». Sou velho e conheço o discurso: é o mesmo do fascismo,
travestido de democrata. É o daqueles que têm uma perspetiva monocromática da
vida—porque sabem exatamente o que devem fazer, como pedagogos, a jovens que
lhes são entregues, para os obrigarem a uma liberdade que só aparentemente é a
deles, porque tem de ser sancionada pelos mentores espirituais. Chama-se
«eduquês». Fala do desenvolvimento de «outras competências» «interessantes para
a […] evolução cognitiva». Eu defendo que
devo passar conhecimentos, e isso da liberdade é com a consciência de cada um. Os
conhecimentos, só por si, favorecem e proporcionam a possibilidade de escolha. Espero
que o meu próprio sentido da liberdade possa servir de exemplo para algumas raparigas
e alguns rapazes, mas—acrescento—trata-se de um assunto que é já facultativo.
Pode ser que aquilo que me agrada só mesmo sirva… para mim.
Agradeço-lhe o
texto útil e esclarecedor e, evidentemente, também lhe desejo as maiores
felicidades.
António Mouzinho
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