segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Curiosidade como forma de vida :-)

O robô que a NASA enviou em Novembro de 2011 para Marte está muito perto de chegar ao seu destino. No momento em que escrevo (5 de Agosto, 20:00 horas, Tavira, Portugal), faltam pouco mais de 10 horas para o touchdown no grande planeta vermelho. Quando estiverem a ler este texto, já terá chegado e já terão visto as primeiras imagens que ele enviou para a terra: aliás, quando acabar o texto já o Curiosity terá chegado, porque farei uma pausa para sair e esperarei ligado à NASA.TV, e ao Skype via JPL, por notícias de Marte. Esse foi o fim da primeira etapa, isto é, o fim de uma fantástica e longa viagem desde o nosso planeta até à superfície de Marte, onde se utilizou um inovador, mas também muito arriscado, sistema para controlar a entrada na atmosfera marciana e consequente trajeto até ao solo marciano.



Figura 1 - Curiosity, Opportunity e Sojourner lado-a-lado (Fonte: JPL-NASA).

Este robô é o mais complexo e pesado robô alguma vez enviado para o espaço. Como podem ver pela figura acima (Figura 1), o Curiosity é muito maior que o Sojourner – Mars Pathfinder (enviado para Marte em 1996, e que comparado com o Curiosity parece um brinquedo) e também muito maior (mais do que 5 vezes maior) que o Opportunity/Spirit (enviado para Marte em 2003). Na verdade, o Curiosity é do tamanho de um pequeno carro utilitário, pesando cerca de 900 kg (incluindo cerca de 80 kg de instrumentos científicos) para 3 metros de comprimento, dispondo de 6 rodas, um braço robotizado, dois computadores para controlo e navegação (sendo por isso um sistema redundante), várias câmaras e um conjunto muito completo e diversificado de equipamento científico, o que faz dele um sofisticado laboratório móvel robotizado. Este robô está preparado para se deslocar à velocidade máxima de 90 metros por hora, estando previsto que a velocidade média em operação seja de 30 metros por hora, e percorra cerca de 20 km durante os dois anos em que estará ao serviço da nossa curiosidade.

Com ele a NASA pretende responder a dois objetivos:
  1. Procurar e encontrar locais onde possa ter existido vida;
  2. Procurar evidências da existência de vida, tentando perceber em que formas existiu e porque razão desapareceu.
Mas comecemos pelo princípio. Para poder explorar o planeta vermelho, o robô Curiosity teve de chegar ao planeta e aterrar intacto na superfície. Imaginem a dificuldade de fazer isso com um veículo que pesa 900 kg, mais ou menos o peso de um Fiat 500. Depois de se separar o último módulo de lançamento, que lhe dá o último impulso para a viagem de 8 meses e meio até ao planeta vermelho, tudo acontece muito rápido, nuns loucos e alucinantes 7 minutos. Na verdade, 10 minutos antes de entrar na atmosfera do planeta, o módulo que acompanhou o robô durante a viagem, e permitiu um rigoroso controlo de todo o processo, separa-se e a nave encaminha-se para a superfície a cerca de 13000 milhas por hora (20921 km/h). Quando é detetada a entrada na atmosfera, começam os 7 minutos de terror. Com a ajuda de motores foguete laterais, a nave espacial desacelera até cerca de 1600 km/h. O escudo de proteção da nave atinge os 1600 graus centígrados. Quando for atingida a velocidade de 1448 km/h, a uma distância de 12 km da superfície, abre-se um grande paraquedas que ajuda a desacelerar a nave. Alguns minutos mais tarde, a cerca de 9 km da superfície e a viajar a uma velocidade próxima de 600 km/h (cerca de metade da velocidade do som), a parte de baixo do escudo protetor solta-se deixando o robô Curiosity visível: nessa altura a nave começa a procurar a superfície com o seu radar. Quando a distância ao solo for de cerca 1 milha (1609 metros), a nave espacial solta-se do resto do escudo protetor e do paraquedas e inicia uma descida controlada por motores foguete, reduzindo uma velocidade que nesse momento é de cerca de 320km/h. Os foguetes estabilizam a nave e reduzem a velocidade até cerca de 3km/h, a uma altura do solo de perto de 18 metros. Nessa altura, o robô fica suspenso por uns cabos de aço de cerca de 7 metros e a descida é feita até encontrar a superfície a uma velocidade muito lenta. Quando o touchdown é detectado, e confirmado num período superior a 1.5 segundos, os cabos são cortados por pequenos explosivos e o sistema de propulsão afasta-se para longe. O robô fica em segurança sobre a superfície. Passaram 7 minutos desde a entrada na atmosfera marciana que é 100 vezes mais fina que a terrestre. Veja uma animação de todo este processo de viagem para Marte, entrada na atmosfera e descida até à superfície e operação do robô aqui.


Figura 2 - Fase final de colocação do Curiosity na superfície de Marte (Fonte: JPL-NASA).

Uma vez no planeta, começa a missão científica do Curiosity. Este verdadeiro laboratório possui uma quantidade muito grande de equipamento científico:
  1. Três tipos de câmaras diferentes (fabricadas pela Malin Space Science Systems), todas elas redundantes. O sistema MastCam é constituído por 2 câmaras true color de alta resolução e elevada capacidade de memória (imagens com resolução de 1600x1200 pixéis e vídeos de 1280x720 pixéis e 10 fps e compressão por hardware); o sistema MAHLI (Mars Hand Lens Imager) composto por uma câmara montada no braço robotizado do Curiosity com a capacidade de tirar fotos com 1600x1200 pixéis (14.5 micrómetros por pixel) dotada de vários tipos de iluminação e com capacidade de armazenar imagens em vários formatos com e sem compressão; e o sistema MARDI (Mars Descent Imager) usado durante a fase de descida para documentar todo o processo. De elevada resolução (equivalente à MAHLI) irá tirar imagens quando a distância ao solo estiver entre 3.7km e 5 metros, a uma cadência de 5 imagens por segundo;
  2. Um instrumento remoto denominado ChemCam composto por um laser, denominado LIBS (Laser-induced Breakdown Spectroscopy), e um sistema denominado remote micro-imager (RMI). Com o laser o Curiosity pode vaporizar um objecto a 7 metros de distância, sendo o espectro da luz emitida analisada pelo RMI. O RMI pode também, utilizando as mesmas ópticas tirar imagens dos objetos a analisar, bem como do resultado da vaporização, tendo a capacidade de resoluções de 1mm a 10m de distância. Este é um fabuloso instrumento para selecionar objetos de interesse que mereçam uma análise mais rigorosa. Não se esqueçam que o Curiosity é um explorador à procura de sinais de vida;
  3. Um espectrómetro de raio-x por partículas alfa (APXS), que também já equipava as duas versões anteriores de robôs que foram colocados em Marte. Com este dispositivo o Curiosity pode analisar a composição química de amostras em estudo, fazendo incidir feixes de partículas alfa e analisando o espectro de raio-x resultante, o que permite identificar a exata composição química da amostra;
  4. Um dispositivo denominado CheMin que tem como objectivo detectar minerais e respectiva abundância em Marte. Na verdade, este é mais um espectrómetro de raio-x e de fluorescência que trabalhará em conjugação com o braço robotizado e com as ferramentas colocadas na ponta do braço, nomeadamente a broca e os dispositivos de recolha de amostras. Depois de obtidas, o pó resultante é colocado no espectrómetro para que faça a sua análise. O Curiosity é um verdadeiro químico e mineralogista;
  5. Um outro instrumento denominado SAM (Sample Analysis at Mars)e que tem como objectivo analisar a composição orgânica e gasosa da atmosfera marciana, mas também de amostras recolhidas pelo braço robotizado;
  6. Um outro instrumento muito interessante é o RAD (Radiation Assessment Detector). Tem como objectivo analisar a radiação dentro da nave durante toda a viagem e durante a fase de colocação na superfície. É a primeira vez que isto se faz e tem como objectivo preparar uma viagem com tripulantes;
  7. O DAN (Dynamic Albedo of Neutrons), um emissor e detector de neutrões, foi desenvolvido para detetar hidrogénio, gelo ou água na superfície de marte ou logo abaixo da superfície;
  8. E não podia faltar uma completa estação meteorológica (REMS – Rover Environmental Monitoring Station) com a capacidade de medir na perfeição a temperatura do ar e do solo, humidade, pressão, direção dos ventos e nível de radiação ultravioleta;
  9. Dois sistemas de câmaras de navegação (NavCams) e detecção de problemas (HazCams);
  10. Um sistema muito complexo de instrumentação denominado MEDLI (Mars Entry, Descendant and Landing Instrumentation) que tem como objectivo medir todas as variáveis necessárias à manipulação e controlo da nave espacial. A NASA não se esqueceu que perdeu algumas naves porque falhou o processo de medida durante a descida para o planeta, por exemplo.
Um verdadeiro cientista. Totalmente equipado :-)

Depois de chegar, o Curiosity demorará uma horas a ficar operacional. Tem de levantar a sua cabeça, um mastro que é essencial para o funcionamento das várias câmaras e dos instrumentos a bordo. Depois, olhará à volta, procurará objetos e locais que pareçam interessantes (o seu sistema de navegação é muito completo e autónomo), perceberá à distância (com o seu laser e instrumentos) se o local merece uma atenção cuidada, fará análise química rigorosa dos locais mais interessantes, medirá tudo, tirará fotos e fará vídeos. E nós, aqui na terra, receberemos diariamente os resultados do seu trabalho científico que não é mais do que a consequência de uma das nossas característica mais notáveis: a CURIOSIDADE de saber mais.

Nota final: Às 6:31, hora de Lisboa, foi confirmado o touchdown do Curiosity. E passados uns minutos foram recebidas as primeiras imagens das câmaras de baixa-resolução. As câmaras de alta-resolução, com capacidade de tirar fotos a cores só estarão disponíveis dentro de alguma horas, depois de o Curiosity estar totalmente operacional.


Figura 3 - Primeira imagem do Curiosity, a preto-e-branco e baixa resolução, vendo-se claramente a sombra do robô na superfície de Marte (Fonte: JPL-NASA).


J. Norberto Pires, Tavira, 5 de Agosto de 2012

(originalmente publicado em http://www.re-visto.com/curiosity)

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