terça-feira, 8 de novembro de 2011

NOS CEM ANOS DA FACULDADE DE CIÊNCIAS DE COIMBRA


Entrevista que dei à "CABRA". Jornal Universitário de Coimbra, a propósito do centenário da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (hoje FCTUC):

P - Quais foram as principais mudanças no ensino das ciências com a Reforma Pombalina?

R- A Reforma Pombalina de 1772 foi uma verdadeiro "terramoto intelectual". Inaugurou em Coimbra o ensino fundado na observação e na experiência, tendo os grandes autores da Revolução Científica como Galileu e Newton entrado nos currícula. O Marquês de Pombal deu Novos Estatutos à Universidade de Coimbra, pretendendo que ela ganhasse "estatuto" internacional. Para isso contratou mestres estrangeiros para as novas Faculdades de Matemática e de Filosofia e criou novos estabelecimentos como um moderno Laboratório Químico (hoje sede do Museu da Ciência), obra notável por ocorrer na época em que a ciência química emergia, um Gabinete de Física Experimental, com os melhores instrumentos (hoje no Museu da Ciência), um Gabinete de História Natural, com as melhores colecções (idem), um Jardim Botânico, um Observatório Astronómico, um Teatro Anatómico, um Dispensário Farmacêutico, etc. Com o afastamento dos jesuítas pouco continuou a ser em Coimbra o que era antes.

P - Qual a grande diferença entre a escola de ciências da Reforma Pombalina e a actual Faculdade de Ciências e Tecnologia? Como ocorreu o processo?

R- A actual Faculdade remonta às Faculdades de Matemática e Filosofia que referi. Apesar de o exercício do método científico ser o mesmo, a ciência e a tecnologia são hoje muito diferentes,dada a extraordinária mudança nos últimos dois séculos e algumas décadas. Hoje existe investigação ligada ao ensino como ainda não existia na altura. Hoje estamos, num mundo global, muito mais internacionalizados e mais actualizados e cultivamos mais áreas do saber. Hoje ensinamos e praticamos as tecnologias, além das ciências. A Reforma Pombalina não continuou com o mesmo vigor do início, mas deixou marcas indeléveis. Há cem anos, houve outra reforma, esta republicana: as duas faculdades pombalinas da área das ciências uniram-se para formar a Faculdade de Ciências, contemporânea com esse nome das Faculdades de Ciências das então novas Universidades de Lisboa e Porto. Em 1973, a Faculdade de Ciências de Coimbra passou também a ser de Tecnologia, a FCTUC de hoje, formando engenheiros. Foi-se tornando a grande escola de ciências e tecnologia que é hoje.

P -Quais foram os momentos mais importantes em termos científicos e que personalidades se destacaram?

R- No século XIX grandes nomes da ciência em Coimbra foram José Bonifácio de Andrada e Silva, professor de Metalurgia e político com papel essencial no processo de independência do Brasil, e Félix Avelar Brotero, botânico formado em França, que alargou o Jardim Botânico, obra continuada por Júlio Henriques. Na Física destacaram-se António Jacinto de Sousa, que criou o Observatório Meteorológico e Magnético, António Santos Viegas, que o desenvolveu, e Henrique Teixeira Bastos, que foi pioneiro entre nós dos estudos com raios X. Na Química esteve entre nós, a dirigir os trabalhos de Laboratório, um dos maiores químicos do século XIX, o alemão Bernhard Tollens. A Revolução Republicana foi um grande momento na renovação da Universidade: o movimento republicano tinha aliás forte inspiração na ciência e políticos como Bernardino Machado, foram professores de ciência. Já no século XX, é justo destacar na Matemática a instalação de equipamentos astrofísicos por Francisco Costa Lobo e, na Física, a acção renovadora de Mário Silva, discípulo de Madame Curie, infelizmente interrompida por impedimento político. O mesmo aconteceu com o botânico Aurélio Quintanilha. Foi um tempo que se perdeu, felizmente ultrapassado nas últimas décadas.

P - Qual o papel da FCTUC no panorama cientifico internacional e nacional? Que descobertas têm causado mais impacto?

R- A Faculdade de Ciências de Tecnologia, a maior da Universidade de Coimbra, é hoje uma escola moderna, que está a par do que mais recente se faz. É nacional e internacionalmente competitiva. Os seus professores e investigadores publicam numerosos artigos, alguns dos quais são muito citados. E registam patentes. Prossegue uma política antiga de ligação a outras Faculdades, como por exemplo a de Medicina, e uma política moderna de ligação ao mundo empresarial, designadamente através do Instituto Pedro Nunes, que já ganhou um prémio destinado a galardoar as melhores incubadoras de empresas do mundo.

P - Nestes cem anos de FCTUC o que é que ainda faz falta no ensino científico e investigação científica?

R- Falta fazer mais e melhor. Falta sempre fazer mais e melhor. Podemos ainda ser mais competitivos, mas para isso era preciso ligar melhor a ciência e a investigação, o que pode ser reforçado pela incorporação no ensino de jovens investigadores.

P - Acha que é necessária outra reforma?

R- É sempre necessário pensar noutras reformas. Uma Universidade que não muda é porque está parada. Não é, porém, preciso outro Marquês de Pombal. Embora haja quem tenha dúvidas que as Universidades de auto-reformem, nos dias de hoje, em que a autonomia universitária está consagrada, temos de ser nós os Marqueses de Pombal.

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