quarta-feira, 30 de novembro de 2011

coolHaven: um dia todas as casas serão assim.

A coolHaven é uma empresa instalada no Parque de Ciência e Tecnologia de Coimbra (iParque). Desenvolveram um método inovador para construir edifícios. Na verdade, estão a revolucionar a construção cívil... e fazem-no a partir de Coimbra. Com conhecimento gerado na Universidade de Coimbra.

Este é o conceito:


Esta é o primeiro edifício coolHaven, construído no iParque e que constituirá a sede da empresa e será uma laboratório de teste e ensaio:


Um dia, todas as casas serão assim.
Made by coolHaven@Coimbra

Os cavalos também se abatem

Parece-me que entendi melhor quando a barbárie se instala numa sociedade. Não, não é quando ela se manifesta: é quando se torna normal, quando ninguém a impede de alastrar, quando se olha para ela e se percebe que será em vão denunciá-la e uma ilusão combatê-la.

Não é preciso esforçarmo-nos muito para encontrarmos nos últimos anos, meses fortes indícios de retorno a esse estado primitivo da civilização. Se alguns são evidentes, outros passam despercebidos.

Um destes indícios são certos programas de televisão onde se manipulam, se expõem até ao tutano certas pessoas, como se fossem coisas, ou menos de que isso. Outras pessoas (muitas, a avaliar pelo horário de transmissão) assistem, envolvem-se, decidem...

Passei por um desses programas tipo big-brother e vi (não sei se verdade se encenação) um rapaz e uma rapariga envolvidos sexualmente. Estranhamente, (já) não estranhei; o que (ainda) estranhei foi o que se passou a seguir. E o que se passou a seguir foi esse momento, guardado em vídeo para a eternidade, ser mostrado, em estúdio, à rapariga e, como se adivinha, dissecado, comentado ao pormenor. De seguida, calhou a vez à mãe da rapariga. Próximo, bem próximo delas, outras pessoas apreciavam, riam, batiam palmas. Ouvi ainda dizer que a rapariga tinha estudos superiores, em direito, queria ser ou já era advogada.

Não pude deixar de me lembrar do filme Os cavalos também se abatem, de Sydney Pollack, baseado no romance They shoot horses, don't they?, da autoria de Horace MacCoy. Nesse filme de 1969, conta-se como na América, nos anos trinta, em plena grande depressão, os concursos de dança, tornados manipulação pura, atraíam. Percebi, ao ver o sofrimento extremo de Jane Fonda (é o sofrimento dela que tenho mais presente), que, com grande facilidade, pessoas podem transformar outras pessoas em não-pessoas. Nesses inícios dos anos oitenta, pensei que aquela barbárie que o filme mostrava, com uma ligação à realidade, era distante de mais para se passar entre nós. Não era, afinal.

A CIÊNCIA EM PORTUGAL: O BIG BANG VAI CONTINUAR?

Minha crónica no "Público" de hoje:

Os números não enganam. No ano de 1982, segundo a Pordata, houve um total de 130 doutoramentos, dos quais 64 em Portugal e 66 no estrangeiro. Em 2009, último ano para o qual há dados disponíveis, houve um total de 1569 doutoramentos, em todas as áreas científicas, dos quais 1399 em Portugal e apenas 170 lá fora. As mulheres, que representavam 27 por cento dos recém-doutorados em 1982, passaram em 2009 para 52 por cento. Três factos saltam à vista: o enorme crescimento das “fornadas” de doutores, de um factor de 12, em menos de três décadas; a actual não necessidade de “emigração” para fazer estudos de doutoramento; e a emergência da presença feminina na ciência nacional.

Este processo de expansão acelerada - uma espécie de Big Bang - deveu-se a políticas públicas de investimento na ciência: por um lado, uma boa fatia dos fartos dinheiros europeus, embora diminuta no “bolo” total, alimentou a formação avançada de recursos humanos através da concessão de bolsas e, por outro, criaram-se condições para que não fosse necessário passar as fronteiras em busca dessa formação. As mulheres destacaram-se em reflexo da sua progressiva preponderância no corpo discente das universidades portuguesas.

Três marcos no período em causa devem ser apontados: 1986, ano da entrada de Portugal na União Europeia; 1995, ano da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia; e 2002, ano do estabelecimento do euro. A inserção de Portugal no espaço europeu foi indispensável para que a investigação científica prosperasse entre nós. Mas foi também necessária vontade política interna para que a ciência e a sua filha tecnologia fossem tratadas por governos sucessivos (uns mais do que outros, bem entendido), como prioridades.

Um dos 130 doutoramentos de 1982 foi o meu, realizado lá fora como era uso e costume. Posso, por isso, lembrar que, em inícios dos anos 80, Portugal tinha as fronteiras fechadas durante a noite, só abrindo após o nascer do Sol. Um pobre estudante que chegasse a Vilar Formoso, vindo do centro da Europa, tinha de esperar que os agentes policiais e aduaneiros acordassem para que a entrada lhe fosse facultada. Essa situação contrastava gritantemente com a livre circulação de pessoas e bens que, nessa época, já havia em vastas regiões do Velho Continente e constituía, por isso, motivo de espanto para o escolar de regresso a casa. As notas estrangeiras eram trocadas à entrada por numerário em escudos. E as viagens terrestres eram mais lentas depois da paragem forçada na fronteira pois as estradas lusitanas estavam bem longe de ter a largueza e o conforto das suas congéneres internacionais.

Hoje, felizmente, tudo mudou e a ciência portuguesa aí está, com mais gente do que nunca e com mais resultados do que nunca. Pode o país viver uma crise económico-financeira, mas dispõe de recursos humanos altamente qualificados. Numa Europa de portas abertas, onde a ciência e a tecnologia entram e saem facilmente, Portugal vive hoje, não o esqueçamos, um período áureo, talvez apenas comparável ao século XVI, quando pontificaram figuras como Pedro Nunes (que, depois de estudar em Salamanca, não mais saiu do país, desenvolvendo a navegação matemática sem pôr os pés num navio) e Garcia da Orta (um caso de “fuga de cérebro” para a Índia), ou ao século XVIII, quando sobressaíram nomes como João Jacinto Magalhães (um estrangeirado para fora) e Domenico Vandelli (um estrangeirado para dentro). Os dois foram séculos de forte internacionalização pois a ciência requer abertura...

Contudo, a história da ciência portuguesa mostra que depois da luz vem a sombra. A situação algo sombria da Europa faz hoje pairar algumas nuvens sobre a ciência em Portugal. Será que a iminente redefinição política europeia (passando para duas ou mais velocidades, algo que conhecemos do passado) vai prejudicar a nossa ciência, ainda distante dos lugares de topo europeus? Será que a crise do euro irá interromper o recente boom da ciência? Existirá vontade política para considerar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, tanto no sector público como no privado, imperativos nacionais porque elas são comprovadamente criadores de futuro? Será que o potencial de criatividade dos nossos cérebros – afinal a nossa maior riqueza numa época em esta vem do conhecimento e não da conquista - está a ser aproveitado da melhor maneira, dotando-os de condições de trabalho adequadas?

Não quero acreditar que as cancelas fronteiriças se voltem a fechar, que os guardas, os despachantes e os cambistas ressuscitem. Mas os sinais são contraditórios. É certo que o ministro da Educação e Ciência conhece bem o valor da ciência e o seu papel na sociedade moderna. E é certo que está uma investigadora reconhecida à frente da ciência. Mas é também certo que o garrote financeiro está a actuar cegamente, não tratando de modo diferente aquilo que, por não ter andado nem na trapaça nem na ociosidade, merece ser tratado de modo diferente. Chegou-se ao ponto em que um laboratório de ponta tem de fazer um peditório para substituir o seu sistema de climatização. E chegou-se ao ponto que um reitor falou em fechar portas. Receia-se que se chegue ao ponto de descontinuidade de bolsas e contratos, levando à evasão de mais cérebros. Há decisões relevantes para o nosso futuro que, para o bem ou para o mal, vão depender de Mercozy. Mas há outras que vão depender só de nós. Sejamos sábios.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Jogos de computador controlados pelo jacto mictório

Depois dos ecrãs tácteis (cuja utilização consecutiva à tecnologia aqui apresentada se recomenda apenas após a lavagem das mãos) e das câmaras que detectam o movimento, este é a tecnologia para controlar computadores que fazia falta à humanidade.

A EDUCAÇÃO EM 2011: NOTÍCIAS BOAS E MUITO BOAS E NOTÍCIAS MÁS E MUITO MÁS

Meu artigo de fundo sobre educação que acaba de sair na revista "XXI. Ter Opinião", da Fundação Francisco Manuel dos Santos:

Em 19 de Abril de 2011 era publicado um Relatório da União Europeia (UE) sobre educação, que analisava os progressos obtidos pelos países da UE numa série de indicadores para os quais se tinham estabelecido metas, a atingir em 2010 e 2020 [1]. O retrato, que resulta da compilação de dados do Eurostat para os 27 países da UE (que estão em boa parte na Pordata [2]) e dos dados do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA) no qual os países da OCDE participam [3], dá-nos uma panorâmica da educação em Portugal, com números que, apesar de serem de 2008 e 2009, constituem um diagnóstico da situação em 2011 e, portanto, uma base para as políticas públicas neste e nos anos seguintes.

Foram escolhidos sete indicadores principais:

1) Frequência da educação pré-escolar
2) Número de alunos com fraco desempenho a leitura, matemática e ciências
3) Abandono escolar precoce
4) Nível de educação atingido pela população jovem
5) Número de diplomados em matemática, ciências e tecnologia
6) Percentagem da população que concluiu o ensino superior
7) Participação de adultos na aprendizagem ao longo da vida.

No que se refere ao nosso país as notícias são boas e más. Nalguns casos muito boas e noutros muito más. São boas no que respeita ao aumento da frequência do ensino pré-escolar, bastante boas no que respeita à diminuição do número de alunos com 15 anos com fraco desempenho em leitura, matemática e ciências, e muito boas quanto ao aumento do número de licenciados nas áreas de ciência e tecnologia. Mas, apesar dos visíveis progressos, são muito más quanto ao abandono escolar precoce, quanto ao nível de educação atingido pela população jovem e quanto ao número de pessoas que termina o ensino superior, e más ainda quanto à aprendizagem ao longo da vida. Esta deficiência de resultados acontece apesar de o investimento público em educação em 2007 (5,30% do PIB) ter sido acima da média da UE (4,96%). Se normalizarmos por aluno e por habitante, somos até o país mais gastador da Europa no básico e secundário [4].

Vejamos em mais pormenor:

1) A pré-escolarização das crianças portuguesas entre
os 4 e os 6 anos tem vindo a aumentar nitidamente. De 78,9% em 2000 passou para 87,0% em 2009, aproximando-se dos 92,3% de média da UE, que persegue o objectivo de ter 95% em 2020.

2) Ao arrepio de um conjunto sucessivo e consistente de maus resultados no PISA, os resultados do PISA 2009 foram melhores desconhecendo-se, todavia, se houve modificação significativa da amostra. Mas foi reconfortante saber que a percentagem de alunos com fraco desempenho em leitura passou de 26,3% em 2000 para 17,6% em 2009, o que está abaixo da média da UE com 18 países que foi 20,0%. O objectivo da UE era ter 17% em 2010 e 15% em 2020.

3) O abandono escolar pode ser medido pela percentagem de jovens entre os 18 e 24 anos que já não está na escola. Em Portugal diminiu de uns confrangedores 43,6% em 2000 para 31,2% em 2009 (Fig. 1), resultado bem melhor mas ainda assim mau por a UE ter tido uma média de 14,4% e pretender chegar a 10,0% em 2020. O abandono escolar é, de facto, um dos nossos piores flagelos, continuando Portugal um dos casos extremos à escala europeia. Pior do que nós apenas Malta.

Fig. 1 A lenta convergência com a Europa: abandono escolar precoce.

4) Outra quantificação do abandono escolar consiste em saber a percentagem de jovens de 22 anos que concluíram o ensino secundário. Em Portugal esse valor passou de 43,2% em 2000 para 55,5% em 2009 ao passo que a média da UE nesse ano foi de 78,6%, aquém da desejável meta de 85% em 2010. Apesar da melhoria, ficámos muito longe desse objectivo porque, além do mais, o nosso ponto de partida era baixíssimo. De novo pior do que nós só Malta. Os activos portugueses são muito desqualificados (Fig. 2), apesar de ser clara entre nós, bem maior do que noutros países, a vantagem salarial de quem completa um curso [1].


Fig. 2 A continuada divergência com a Europa: desqualificação da população, desdobrada por sexo. Note-se a aproximação dos sexos na Europa e a sua separação entre nós.

5) Pelo menos no que toca ao número de licenciados em ciências e tecnologia por mil jovens entre 20 e 29 anos destacámo-nos. Entre 2000 e 2008 fomos o país da UE que mais cresceu, com 193,2% (Fig. 3), contribuindo para que o objectivo europeu de crescimento de 15% fosse plenamente superado com a média de 37,2%. Excedemos de longe, neste particular, as expectativas. Um outro objectivo europeu neste item era a diminuição do desequilíbrio entre os sexos. Também aqui ficámos bem com 34,1% de quota feminina entre os diplomados nessas áreas em 2008, quando a média europeia foi de 32,6%. O progresso das mulheres no nosso país, na escolarização, tem sido notável, não sendo tão gritante entre nós a falta de raparigas a estudar ciências e tecnologias como noutras paragens.


Fig. 3 O crescimento dos diplomados portugueses no superior, incluindo doutoramentos, em números absolutos.

6) A UE estabeleceu que a percentagem de pessoas com idades entre os 30 e os 34 anos com um curso superior concluído deverá atingir 40% em 2020. Em 2009 a média era de 32,3%. Portugal teve apenas 21,1%, o que em parte se explica por ter partido em 2000 de 11,3%. A outorga de graus universitários e politécnicos tem vindo a crescer, mas o esforço é ainda insuficiente face às necessidades. Malta está igual a nós, mas só a Eslováquia, a Roménia e a República Checa estão pior.

7) Finalmente, a UE fixou a taxa de participação da população em idade activa em programas de aprendizagem ao longo da vida em 12,5% em 2010 e 15% em 2020. A média ficou em 9,3%, aquém dos objectivos. Portugal, por sua vez, apesar do início em 2005 do programa Novas Oportunidades (com o objectivo algo confuso de “alargar o referencial mínimo de formação até ao 12.º ano de escolaridade para jovens e adultos”), ficou-se em 6,5%, abaixo da média, embora acima do ponto de partida, 4,1%, em 2000. O referido programa está por avaliar, parecendo fundamentadas as acusações de facilitismo que têm vindo a público (Medina Carreira não teve pejo em chamar-lhe uma “trafulhice de A a Z”).

É útil, para além das médias da UE, a comparação com os nossos vizinhos espanhóis. Na frequência do jardim-escola estão melhores do que nós (99,0%), nos níveis de leitura do PISA estão só um pouco piores (19,6%), no abandono escolar precoce estão iguais (31,2%), na conclusão do ensino secundário estão melhores (59,9%), no aumento de diplomados em ciências e tecnologia estão aquém (é de 14,8%, com percentagem feminina, 30,2%, inferior à nossa), na conclusão do ensino superior estão muito melhores (39,4%), bem assim como na aprendizagem ao longo da vida (10,4%). Tudo isto foi conseguido com uma percentagem menor do PIB (4,35% em 2009).

Estes são alguns factos e números. Outros poderiam ser invocados. Portugal partiu de uma situação de grande atraso e, apesar do progresso (geral mas desigual), está ainda longe da média educativa europeia, para não falar já dos lugares do topo ocupados por países como a França (100% no pré-escolar), a Finlândia (8,1% de maus resultados no PISA-Leitura), Polónia (abandono escolar de 5,3% e conclusão do secundário de 94,3%), Irlanda (conclusão do superior de 49%) e Dinamarca (31,6% de pessoas em formação ao longo da vida).

Passos muito importantes foram dados no que respeita à “internacionalização” das nossas questões de educação. Longe vão os tempos em que os governos fugiam de comparações internacionais. Agora, apercebendo-se da inevitabilidade dos cotejos, procuram tudo fazer para saírem bem no retrato estatístico (pode ter acontecido no PISA 2009, dado o contraste tão abrupto com a série dos três relatórios anteriores). Curiosamente quando os dados do Relatório Europeu foram divulgados, o governo de José Sócrates, em exercício apesar de ter caído, falou apenas do progresso realizado não referindo o enorme défice educativo. A comparação oficial continuou a ser com o nosso passado e não com o presente lá fora, como se fosse consolo suficiente saber que já fomos piores. Em contraste, a UE lamentava-se de só ter conseguido cumprir um dos objectivos para 2010 (aumento do número de graduados em ciência e tecnologia) ao mesmo tempo que afirmava ser possível cumprir as metas afixadas para 2020.

Avaliações internas têm nos últimos anos complementado as avaliações internacionais. Se as chamadas provas de aferição nos 4.º e 6.º ano, por não contarem para a avaliação dos alunos, pouco adiantam, já os exames nacionais de Português e Matemática do 9.º ano (que contam 30% para a média final) e dessas e doutras disciplinas no final do ensino secundário (que contam para o acesso ao ensino superior) ajudam a ensombrar o status quo. De facto, é elevada a percentagem de negativas nas duas disciplinas, fundamentais no desenvolvimento cognitivo dos jovens. Em 2011 os resultados foram piores que no ano anterior: numa escala de 0 a 20, a média foi de 10,2 a Português e de 8,6 a Matemática no 9.º ano. Por outro lado, as médias dos exames nacionais de Português e de Matemática A do 12.º ano, embora tal como no caso anterior tenham procedência as críticas à não comparabilidade dos exames de uns para outros anos, pioraram relativamente ao ano anterior: elas foram, respectivamente, de 8,9 e 9,2 valores.

Por direito próprio, a avaliação dos alunos conquistou um lugar na agenda mediática da educação. Mas houve outras questões na ordem do dia:

- O avolumar do peso burocrático do Ministério da Educação, com “tentáculos” em várias Delegações Regionais.

- A avaliação dos professores, na crista da onda desde o tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, apesar de alguma descompressão com a sua substituição por Isabel Alçada (os sindicatos têm tentado obstar a uma avaliação exigente).

- O agrupamento das escolas, necessário pela queda demográfica e pela desertificação do anterior, e as obras de modernização a cargo da empresa Parque Escolar.

- A indisciplina nas escolas, sendo múltiplos os sintomas de degradação do ambiente escolar.

- O reforço tecnológico, com a distribuição de computadores Magalhães, que para muitos parece um negócio e uma campanha de marketing político.

- O facilitismo na obtenção de diplomas por pessoas no activo que abandonaram a escola.

- O decréscimo do apoio público a escolas privadas, derivado da crise financeira, que condiciona a escolha das famílias (muitas privadas continuam a ser apetecidas por ocuparem os primeiros lugares no ranking das escolas, feitos com base nos resultados dos exames nacionais).

No ensino superior esteve em questão a falta de financiamento, em contraste com o incremento de meios na investigação científica com queixas repetidas dos reitores e dos presidentes dos politécnicos. As universidades nacionais continuam longe do topo nos rankings internacionais.

Em 21 de Junho de 2011 ocorreu uma mudança na pasta da Educação. Na sequência das eleições legislativas de 5 de Junho, tomou posse o ministro Nuno Crato, professor de Matemática que se tinha mostrado bastante crítico do discurso educativo mais ideológico do que científico que se implantou em todas as instâncias do sistema (o “eduquês[5-6]). Ele discordava da estrutura pesada do Ministério (que, segundo ele, devia ser “implodido), desvalorizava a questão da avaliação dos professores (defendendo a avaliação à entrada através de um exame, plasmado na lei, mas por concretizar), e criticava o ambiente de laxismo, a utilização excessiva de calculadoras e o descontrolo das Novas Oportunidades. Começou por criar exames no 6.º ano, aumentar as cargas horárias de Português e Matemática em detrimento de disciplinas curriculares não disiciplinares e desenhar um novo modelo de avaliação docente. Continou a agrupar escolas a fim de reduzir custos (um objectivo da troika) e mandou auditorar a Parque Escolar. Para diminuir o Ministério, está a desmantelar as Direcções Regionais, anunciando maior autonomia das escolas. Vamos ver o que mais vai decidir e, acima de tudo, o que vai conseguir. É lícita a esperança de que o sistema de ensino, com este “choque” governativo, progrida em maior sintonia com o avanço europeu.

REFERÊNCIAS

[1] http://ec.europa.eu/education/news/news2900_en.htm
[2] http://www.pordata.pt/Tema/Portugal/Educacao-17
[3] http://www.min-edu.pt/index.php?s=arqactualidades&actualidade=244
[4] http://www.oecd.org/dataoecd/41/25/43636332.pdf, Quadro B1.4. Ver também D. Justino, Difícil é Educá-los, Fundação Francisco Manuel dos Santos - FFMS, 2011, p. 67.
[5] N. Crato, O "Eduquês" em Discurso Directo. Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Gradiva, 2006.
[6] F. Savater, R. M. Castillo, N. Crato e H. Damião, O valor de educar, o valor de instruir, FFMS, 2010.

OS MELHORES LIVROS DE CIÊNCIA DE 2011


Meu artigo no n.º 1 da revista "Século XXI. Ter Opinião", acabado de sair:

Se houvesse um prémio para o melhor livro português de ciência de 2011 dava-o a Jorge Calado, Jorge Calado, professor de Química do Instituto Superior Técnico, autor de Haja Luz. Uma História da Química Através de Tudo, publicado pela IST-Press. Trata-se de uma extraordinária história cultural da química, ricamente ilustrada, escrita por um homem das duas culturas, que alia um enciclopédico saber científico com a paixão pelas artes (é especialista em ópera e em fotografia). Não podia ser mais oportuno: este ano, por determinação das Nações Unidas, celebra-se em todo o mundo o Ano Mundial da Química. Se houver, como deve haver, edição em inglês de Haja Luz, ela irá correr o mundo, iluminando muitos mais espíritos. Por falar em química e em luz, foi preciso esperar desde 1861 até ao Ano da Química para haver uma edição em Portugal de um dos maiores livros de divulgação científica de sempre, A História Química de uma Vela, do inglês Michael Faraday, que reúne algumas das suas lições populares na Royal Institution de Londres. A tradução, dos químicos Sérgio Rodrigues e Maria Isabel Prata, foi publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra.

Outro grande livro de ciência de 2011 é O Estatuto da Matemática em Portugal nos Séculos XVI e XVII, da autoria de Bernardo Mota, publicado pela Fundação Gulbenkian. Trata-se da sua tese de doutoramento em história da ciência, orientada por Henrique Leitão e Arnaldo do Espírito Santo, que foi distinguida em 2009 pela Academia Internacional de História das Ciências com o prémio Jovem Historiador para a melhor tese na área em causa em todo o mundo Abordando tanto o tempo de Pedro Nunes como o tempo subsequente dos jesuítas em Lisboa, Coimbra e Évora, discute a questão, que já vem da Antiguidade grega, do lugar da matemática no quadro das ciências.

Em 2011 assinalaram-se os 400 anos do nascimento do médico português João Rodrigues de Castelo Branco, mais conhecido por Amato Lusitano, “estrangeirado” em Itália devido à perseguição aos judeus. Em Dezembro de 2010 saiu dos prelos da Ordem dos Médicos uma edição moderna, em dois volumes, das Centúrias de Curas Medicinais, a sua obra maior (traduzida do latim por Firmino Crespo a partir da edição de Bordéus de 1620). Na mesma data e com segunda edição já em 2011 saiu na Gradiva uma biografia notável do nosso único Nobel na área das ciências: Egas Moniz. Uma biografia, do neurocirurgião João Lobo Antunes. E, em 2011, foi reeditado na Temas e Debates, revisto e com novo prefácio, O Erro de Descartes, de António Damásio, neurologista a trabalhar nos Estados Unidos (o original, que teve enorme êxito, tinha saído na Europa-América em 1994).

No oferta de divulgação da ciência são ainda de destacar o segundo livro de João Magueijo, físico do Imperial College, em Londres, O Grande Inquisidor, sobre a misteriosa vida do físico nuclear italiano Ettore Majorana, e a nova obra de Jorge Buescu, matemático da Universidade de Lisboa, Casamentos e Outros Desencontros, expondo de modo escorreito problemas matemáticos, os dois na colecção Ciência Aberta da Gradiva, quase a atingir as duas centenas de volumes.

domingo, 27 de novembro de 2011

DARWIN AOS TIROS NA ANTENA 1


Para quem não tinha a telefonia sintonizada na Antena, aqui fica a emissão do programa "À volta dos livros", à volta de Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência.

Portugal e a Corrupção


“Como as coisas andam, a política nada mais é que corrupção” (Jonathan Swift, 1667-1745).

Muitas histórias começam por “era uma vez”. Para não destoar, era uma vez um pequeno país que vivia “orgulhosamente só”, não se curvando a interesses económicos dos Estados Unidos, da União Soviética e da China para que Angola, pela sua riqueza petrolífera, deixasse de ser território administrado por Portugal. E, por arrastamento, os outros territórios ultramarinos portugueses se tornassem, também eles, independentes.

Conta-se, a propósito, que Salazar, antevendo o despertar de cobiças das grandes potências mundiais, ao ser informado, em meados da década de 60, das grandes jazidas do chamado ouro negro descobertas em Cabinda, terá exclamado perante o espanto do mensageiro da boa-nova: “Só me faltava mais esta”! O receio por esta descoberta residia na posição de diversos areópagos internacionais que, sob o manto hipócrita de nobres intenções humanitárias, atiçavam sobre Portugal ferozes mandíbulas de opróbrio da sua condição de país colonizador quando os verdadeiros motivos dessa atitude tinham por finalidade o pior dos colonialismos: o neocolonialismo.

Assistia-se, então, ao desenrolar de três frentes de guerra em Angola, Moçambique e Guiné que implicavam uma hemorragia do erário público. Todavia, nos derradeiros tempos que antecederam o 25 de Abril, segundo Luciano Amaral, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, “nunca outro período da nossa história assistiu a um tão rápido desenvolvimento económico e a uma tão grande aproximação da nossa economia às mais desenvolvidas” (Revista “Atlântico”, ano I, n.º 6, Set. 2005, p. 9).

Sem mesmo falar na sonegação dos futuros subsídios de Férias e do Natal dos funcionários públicos e dos reformados da função pública, hoje, esgotada a torrente caudalosa dos fundos comunitários, gasta em obras faraónicas ou escoada para fins, para utilizar um eufemismo, nada recomendáveis, assiste-se ao desolador panorama dos impostos dos portugueses serem mais elevados que na maioria dos países europeus e de alguns países do antigo Leste Europeu começaram a aproximar-se – ou mesmo a superarem – o desenvolvimento económico deste rectângulo onde “a terra acaba e o mar começa”, na imagem poética de Afonso Lopes Vieira.

Não se desse o caso dos relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro e são publicados nos media nacionais (bendita liberdade de expressão!), quase poderíamos ser levados a pensar que o caso do BPN e outros casos escabrosos, cujos reflexos pesam nos impostos dos portugueses, se trata de um pesadelo de que se tarda a acordar e que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses reside, tão-só, em encontrar reposta para o sonho venturoso de Portugal se sagrar Campeão Europeu de Futebol de 2012.

Numa nada “ditosa Pátria”, com umas tantas personagens com responsabilidades políticas que em momentos de grave crise nacional se ocupam, de há anos para cá, com intrigas de soalheiro e desavenças de comadre, foi sacudida a opinião pública, mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann a denunciar, na revista "Finance & Development", editada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em Setembro de 2005, que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking de controle da corrupção”. Caiu este aviso, pelos vistos, em saco roto fazendo orelhas moucas ao ditado português de “quem te avisa teu amigo é”.

E, assim, Portugal dos nossos dias, deixou de “estar orgulhosamente só” para celebrar esponsais com a corrupção que conduziu à crise em que Portugal actual se encontra, a exemplo de crise idêntica ocorrida no século XIX merecedora do desalento e interrogações queirosianas: “No meio de tudo isto o que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não temos – pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura”. Mas será, mesmo verdade, que a história se não repete?

N.do A: Este post recupera e actualiza partes de textos por mim aqui publicados. Infelizmente, de lá para cá, pouco ou nada mudou - se é que mesmo não piorou - o que me leva à desesperança da actual crise ter cura em anos mais próximos.

Inédito no Brasil: Implementação de área de divulgação cientifica em Psicologia na Estação Ciência da USP



Nestas ultimas semanas após reuniões mantidas com a Profa.Dra. Emma Otta (Diretora do Instituto de Psicologia da USP) decidimos conceber e implementar uma nova área na Estação Ciência que trate de temas da Psicologia.A Profa.Emma deverá coordenar este inovador projeto.Temas como o papel da intuição emocional não-consciente para a aprendizagem eficiente deverá propiciar a reflexão sobre o papel das emoções na cognição e na aprendizagem.Simular a tomada de decisão em situações da vida real. Mostrar a importância da emoção no processo de aprendizagem, o que pode ser generalizado para a aprendizagem da matemática, aprendizagem social e aprendizagem em várias outras áreas, em que uma pessoa deve acumular informações das suas experiências e usar essas informações para atuar com vantagem em situações futuras.Outro tema será a Teoria dos Jogos que simula problemas da economia e da biologia .O estudo das táticas mais vantajosas num cenário onde esse dilema se repita é um dos temas da teoria dos jogos.Mais um tema a ser abordado visa discutir a Expressão de Emoções no Homem e nos Animais mostrando que há instrumentos que permitem classificar as expressões faciais de uma pessoa e quantificar sua ocorrência com base em filmagem. Mostrar que há treinamentos para aumentar a capacidade de reconhecimento de micro expressões faciais de emoções que ocorrem quando alguém tenta esconder suas emoções. Embora as micro expressões durem só uma fração de segundo, podemos aprender a reconhecê-las.Mostrar que as pessoas, mesmo sem treinamento, são capazes de identificar estados de ânimo.Charles Darwin dedicou um de seus livros à Expressão de Emoções( Livro The Expression of the Emotions in Man and Animals de 1872).Em breve na Estação Ciência!

Helio Dias-Diretor da Estação Ciência da USP

UM MÉTODO PERIGOSO



Já está nos cinemas o novo filme de David Cronenberg sobre as relações entre Freud e Jung.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Babel

Destacamos do jornal "Destak" o artigo de opinião de J. L. Pio de Abreu:


"Se a ideia da Europa avançar, será um milagre da inteligência. Porque a Europa é uma Babel feita de línguas desencontradas. As línguas, não só formatam a personalidade, como conferem identidade às pessoas. E, mais do que por qualquer outra causa, nós lutamos pela nossa identidade. A estupidez da Europa, que sempre andou em guerras alimentadas pelos nacionalismos, assenta na diferença de línguas.

Para além dos múltiplos dialetos em declínio que servem para contactos familiares, todos os grandes continentes se entendem-se com três ou quatro línguas oficiais, algumas de origem europeia. Mas a Europa assenta os seus nacionalismos nas dezenas de línguas que possui e que defende a todo o custo.

Os ingleses, com a ajuda omipresente dos americanos, estão bem: conseguiram a colonização linguística do mundo. Por isso eles estarão sempre dentro e fora da Europa. Só o Mandarim, com mais de mil milhões de falantes, se pode comparar à expansão da língua inglesa. Logo a seguir vêm o Industão e o Árabe, cada um com 500 milhões de falantes. Mas o Castelhano e o Português, que se entendem mutuamente, estão também em expansão. Em conjunto, são agora falados por mais de 750 milhões de pessoas. Paradoxalmente, porém, aquelas que foram as maiores línguas da Europa, estão em declínio. Para o evitar, os franceses voltam-se para o Norte de África. Bloqueados pelas outras línguas ocidentais, talvez os alemães não resistam à expansão para Leste depois de empobrecerem o Sul da Europa."

José Luís Pio de Abreu

AO MEU PAI

Pedimos a Cristina Carvalho, filha de Rómulo de Carvalho, um depoimento sobre o seu pai, cujo aniversário de nascimento passou ontem, e ela deu-nos o texto de uma carta que lhe escreveu que foi publicada no Jornal de Letras (JL), no ano em que ele fez 90 anos (em 1996):


I
Conhecemo-nos no dia 10 de Novembro de 1949. Eu, de olhar embaciado e turvo, sinto-o mas não o percebo. Ele, de olhar sábio e transparente, percebe-me mas não me sente. Está proibidode me tocar. O nascimento foi difícil, muito difícil, doloroso, angustiado.

Passaram uns anos atésozinha conseguir alcançar-lhe o colo e chuchar com tanto prazer no colarinhoda sua camisa. Lembro-me perfeitamente desse hábito bom. Eu roçava a cabeça noseu pescoço, cheirava-o, absorvia-o, babava-o, apertava as pontas do colarinhoda sua camisa nos dedos e chuchava até adormecer.

Nessa altura eu via o meupai enorme, alto, lindíssimo, e, no seu rosto, do que melhor me lembro eram osolhos grandes e atentos. Nunca foi preciso falar muito. Ainda hoje não épreciso falar muito. Os seus olhos continuam a brilhar, a aceitar e aperceber o incompreensível.

Sempre o senti fazer tudoo que havia para fazer, sem ruídos, sem sobressaltos, sem respiraçõesexaltadas, sem tosses de irritação. As estantes com gavetas e a secretária doescritório, ainda em Coimbra, foram feitas por ele, ele conserta qualquercoisa, luzes, fios, parafusos, pequeninos objectos inúteis transforma emutilidades, botões descosidos cose, poda roseiras em Janeiro, respira o céuquente das noites de Verão, adora o calor, resigna-se com os frios invernos deCoimbra e vai sempre a pé para o liceu.
Sempre andou a pé.

1957

Viemos viver para Lisboa.Trocámos um jardim tranquilo por uns vasos de sardinheiras pendurados nasjanelas, uma rua sonolenta incomodada de vez em quando pelo guinchar de esforçodos carros eléctricos, por um bairro mais ou menos agitado - Campo D'Ourique -de prédios mais ou menos altos, de figuras mais ou menos conhecidas. Todos osdias, eu e o meu pai, descíamos as escadas do terceiro andar do prédio da ruaSampaio Bruno. De olhos dados, ele levava-me à escola e eu ia, ao longo dopercurso, guardando na minha memória fresca todas as informações econhecimentos que ele me ia apresentando: uma montra de loja tem muito que selhe diga, o virar de uma esquina pode trazer surpresas, uma cara feia, uma carabonita, folhas de árvore caídas no chão, um chão sem folhas caídas das árvores,o princípio do dia e o fim do dia, os passos que damos e os que não damos. Omeu pai explicava-me tudo o que é explicável, com palavras roliças, sonoras,excitantes.

São realmente excitantesas suas palavras que muito mais tarde eu vim a ler escritas no papel. Já nãoescritas à mão com letra desenhada no sossego do seu escritório, no amparo domóvel alto onde escreve, mas impressas nos livros.

Escrevia sempre de pé.Pelo menos é nessa posição que, na minha adolescência, me lembro dele aescrever. No Verão, o meu pai abria a janela desse escritório que dava para osjardins das traseiras dos outros prédios e junto ao peitoril, às escuras, comuma expressão de grande serenidade aspirava o ar quente da noite. E havia amúsica que, baixinho, gotejava da telefonia e acabava por inundar toda adivisão dum som acostumado, antigo, indispensável. Encostado ao seu armário,carregava no botãozinho luminoso do candeeiro de bicha, ajeitava os papéis ecom gestos muito aplicados, desenroscava a tampa da caneta de tinta permanente,ensaiava a pena num papel exclusivamente para esse efeito, pensava um poucoapoiando os punhos na cabeça e, de repente, começava a escrever, a escrever semqualquer interrupção.

Foi por esta altura quetravei conhecimento com António Gedeão, figura até então para mim desconhecida.Percebi que ele habitava lá em casa, que caminhava, que falava, que comia, quedormia, que respirava pelos pulmões de Rómulo de Carvalho. Era, então, a mesmapessoa. Era exactamente a mesma pessoa, com o mesmo tom rigoroso, os mesmoshábitos, a mesma sensibilidade, o mesmo silêncio. Continua a arranjardesarranjos, a coser botões descosidos, a olhar profundamente. Profundamente,António Gedeão, o poeta, faz poesia.

II

Durante todos estes anosda minha vida em que o tenho acompanhado, apercebo-me realmente do sentidoUniversal da sua poesia, daquela que li nos seus livros e que se revela a todoo momento da nossa convivência através das palavras mais simples, dos sinaismais discretos e essa é, de facto, a chave que abre todas as portas: aos meusolhos, o seu recado é duma simplicidade que me confunde e me faz pensar; a suaatitude perante os acontecimentos da vida é incrivelmente modesta, a ironia édeslumbrante e nunca incómoda. O seu pensamento profundamente humanista, apercepção antecipada de certos acontecimentos, a inteligência limpa, livre, oolhar penetrante e atento a tudo e a todos, as lições tão claras que ainda hojeoferece aos netos, revelam-me uma personalidade rara que, felizmente, muitosconhecem.

III

Vejo-me aqui sentada aocomputador escrevendo estas palavras directamente numas teclas um pouco ruidosas.Embora tenha os olhos baixos na direcção do teclado, pressinto a pulsaçãonervosa do cursor no ecrã; volta e meia tenho de carregar numa determinadatecla que me assegura a conservação deste texto; há sinais gráficos portodo o lado e informações escritas numa língua que não é a minha e, apesar detodas estas contrariedades, continuo a escrever este pequeno texto sobre o meupai. Se por um lado não crio calos nos dedos nem os sujo com tinta, se nãotenho o supremo prazer de amarfanhar uma folha de papel porque não gostei doque escrevi, se não tenho a visão caótica de dezenas de bolas de papelamarrotado aos meus pés, tenho o desprazer de ver a minha escrita limpinha, adireito, sem curvas, impecável. Confesso que me empenhei e dediquei todo o meusentimento a esta máquina, mas lá que não é a mesma coisa que uma caneta e umasfolhitas de papel, não é.

Por isso calculo que, seAntónio Gedeão fosse vivo, continuaria a escrever a sua poesia encostado ao talarmário alto, talvez hoje com uma caneta esferográfica, mas sempre numa folhade papel. Rómulo de Carvalho, meu pai, que no próximo dia 24 de Novembrocompleta 90 anos, este sim, este homem continua a viver deslumbrado com aciência e com a técnica que se desenvolveu neste século, sonhando com o quemais para aí virá.

Nota atual, de hoje, 24 de Novembro de 2011 - meu pai morreu no dia 19 de Fevereiro do ano seguinte,1997.

Cristina Carvalho

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

LIVRARIAS - Onde vivem os livros

Nova crónica da escritora Cristina Carvalho:


Locais bem cheirosos, caos organizado, confusão harmoniosa, mesas e prateleiras, estantes e escadotes, pequenos balcões onde uma pessoa, um alguém aparece atrás de respostas claras para perguntas vagas «olhe, se faz favor, procuro este livro que se chama tal e tal, do autor tal, daquela editora…» e «um momento, vou ver se tenho, é só um instante!» e enquanto o alguém vai e vem, procura e encontra ou procura e não encontra, remexemos e afagamos com o olhar os livros ali à volta, «não tenho esse livro que procura, mas…já conhece este que chegou ontem?» diz, tirando dum caixote um exemplar ainda sem destino de exposição, mas que decerto irá para o primeiro plano que a sua novidade lhe confere.

Conheço belas livrarias em belas cidades portuguesas, espaços de requintado de bom gosto, de atraentes novidades, sempre na “crista da onda” com profissionais preocupados, atentos e diligentes. Também sei - todos sabemos – do esforço que é feito para as conservar na sua digna condição. Lá se fazem encontros e se organizam conversas com escritores e autores variados, lá se confraterniza em tertúlias, lá se toca música, lá convivem as crianças em atividades de fim-de-semana, lá se passam filmes, lá se vai vivendo uma esperança de sobrevivência cultural. Também sei – todos sabemos – do encerramento de muitas livrarias, uma dor difícil de imaginar. E porque encerram as livrarias em Portugal?

Vou tornar a perguntar: Porque encerram as livrarias em Portugal?

Vou perguntar mais uma vez: Porque encerram as livrarias em Portugal?

Desgraçadamente, todos sabemos a resposta. Nem valerá muito a pena martelar nesta pergunta porque corremos o risco de sair, mais uma vez, envergonhados com a resposta.

As velhas e boas e pequenas livrarias em Portugal encerram porque, atualmente, e quanto mais “avançados” estamos, menos leitores existem. Porque a realidade transformou-se. Passou a ser outra realidade. A televisão dá. A televisão “ensina” pequenos e grandes. Os livros passaram a ser vendidos nos supermercados como latas de palavras, tal como latas de atum. Os livros passaram a ser vendidos em espaços gigantescos e desumanizados, à mistura com muitas outras coisas, distribuídos por ilhas e ilhas e mais ilhas de livros colocados, muitas vezes, sem critério por funcionários desinteressados que distribuem esses livros por essas ilhas como podiam distribuir outra coisa qualquer pouco identificada.

 Uma livraria é um altar de vários cultos. Uma velha (antiga) livraria é um espaço de uma dignidade incomparável na venda livros novos ou manuseados (alfarrabista). Numa boa e antiga livraria, daquelas que por essa Europa fora, em tantas vilas e cidades, são preservadas e conservadas como uma preciosa jóia duma enorme família, os leitores e amantes de livros encontram e têm garantida a paz.

É uma pena, uma dor, é algo que nos fica entalado na garganta cada vez que sabemos de mais alguma que fecha ou que tem de fechar a sua porta. E, geralmente, fá-lo silenciosamente. Fecha e está fechada! É algo que parte para sempre. Não podemos fazer nada! Imagino, posso imaginar as pessoas que as fizeram nascer ou que nelas trabalharam e investiram o seu gosto pessoal, que marcaram essas lojas com o seu estilo, que “serviram” os nossos interesses de leitura e de saber.

Ainda as há! Regozijemos! Ainda as há por aí. Vivas e ativas! Tão bom saber que aí estão, bem perto! Cito, por exemplo, a livraria Livro do Dia em Torres Vedras, a livraria A das Artes em Sines, a livraria Arquivo em Leiria, a livraria 100ª Página em Braga, a livraria Lello no Porto, a livraria Bertrand no Chiado em Lisboa, a mais antiga livraria do mundo, em atividade desde 1732.

Não quero mais sentir essa miséria, mais esta miséria a que o meu país cultural está votado. Com todos os meus sentidos, longe da loucura, eu pretendo que mais nada possa acontecer de cruel, de terrível em relação ao prazer e ao conhecimento que nos vem numa viagem com livros. Que a relativa felicidade vem também através deles.

VIVAM AS PEQUENAS LIVRARIAS DAS CIDADES GRANDES!

Adeus, pequenas livrarias de sempre, para sempre na memória!

Cristina Carvalho

Rómulo / Gedeão: Em jeito de testemunho…


Texto de Regina Gouveia de homenagem a Rómulo de Carvalho:

O dia 24 de Novembro é o Dia Nacional da Cultura Científica, em homenagem a Rómulo de Carvalho. Tal como o homem deixou uma pegada na Lua, também Rómulo de Carvalho deixou, indelével, uma pegada cultural multidimensional na sociedade portuguesa.

Para além de excepcional professor de Física e Química e de divulgador da ciência foi poeta, historiador, construtor de equipamento didáctico que concebeu, fotógrafo, ensaísta, autor de ficção e teatro, formador. De entre esta multidimensionalidade destaca-se o poeta António Gedeão. Gedeão não teria existido sem Rómulo e este seria com certeza um outro se não existisse Gedeão.

"Rómulo de Carvalho aprendeu de Gedeão o gosto pelos objectos simples, pela história singelamente contada, pela experiência quotidiana. Quanto a Gedeão, penso nele como companheiro de carteira de Rómulo na aprendizagem interior do espírito da Física, cedo feita de ensinar os outros" (José Mariano Gago, in prefácio de “A Física no Dia a Dia”, de Rómulo de Carvalho).

Em 2006, centenário do seu nascimento, tive o privilégio de ser convidada para prestar o meu testemunho sobre Rómulo de Carvalho / António Gedeão (RC / AG) , em várias das homenagens que lhe foram prestadas. Já depois e com o mesmo fim, fui solicitada mais algumas vezes.

Algum tempo antes, já após o seu falecimento, tinha sido convidada pela Areal Editores para co-dinamizar uma série de actividades em sua homenagem. Achei estranho o convite mas a pessoa que me convidou justificou-o. Na Areal trabalha um engenheiro que foi seu aluno e, ao perceber que pretendíamos homenagear RC/AG referiu que “a Prof.ª Regina Gouveia o homenageava muitas vezes, ao começar uma aula com um poema de Gedeão que, de seguida explorava”.

Vou tentar fazer uma síntese daquilo que fui referindo nessas sessões.

O meu “contacto” com RC começou no 6º ano do Liceu através do Guia de Trabalhos Práticos de Química, que ainda conservo e de muito me serviu, quando docente. Nada mais sabia de RC.

Em Outubro de 1962 entrei para a Universidade e passado algum tempo vi, na montra de uma livraria, o livro História do Átomo cuja autor me era familiar. Adquiri-o de imediato tal como viria a adquirir mais tarde outros da mesma colecção Ciência para gente nova (o Prof. Carlos Fiolhais diz que era essencialmente "Ciência nova para a gente").

Nesse livro pode ler-se:

"A história do átomo é uma das mais belas vitórias dos homens. Quer-nos até parecer que em todo o desenrolar das actividades humanas nunca a Ciência e a Poesia estiveram ligadas tão intimamente como neste caso. A descoberta do átomo não é apenas bela pelo seu significado prático, por se prestar a melhorar profundamente a vida dos homens. É bela também como conquista do espírito, pelo extraordinário poder de imaginação que revela." (Rómulo de Carvalho)

Não creio que me tenha apercebido que em alguns dos livros da referida colecção (História dos Isótopos e História da Energia Nuclear) a capa era da autoria de António Gedeão, mas, se me apercebi, na altura esse nome não me dizia nada. Eu ainda não conhecia António Gedeão.

Foi por mero acaso que um dia, na Revista O Tempo e o Modo li o poema Impressão Digital:

Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
nao vêem escolhos nenhuns(...)
in "Movimento Perpétuo", 1956 em "Poesias Completas"

Fiquei fascinada e, desde então até hoje, tenho vindo a adquirir  a obra de António Gedeão. Em 1964 Jorge de Sena, no prefácio de Poesias Completas, referindo-se a António Gedeão diz:

"Ali estava um poeta novo e diferente…"

Eu acrescentaria: Um poeta novo e diferente fruto da cumplicidade entre RC e AG.

Já leccionava e já sabia quem era Gedeão, já assinava a Gazeta de Física (foi através de alguns artigos da autoria de RC, publicados na Gazeta que aprendi a trabalhar com os primeiros osciloscópios que chegaram às escolas, os dinossauros, como lhe chamávamos), quando numa das minhas habituais passagens pelas livrarias, deparei com o livro , em dois volumes, Física para o Povo. Talvez por acreditar que o saber é um dos principais caminhos de cidadania e liberdade RC tinha a preocupação de divulgar o conhecimento, particularmente a ciência, e a todos os públicos.

"Este livro é para si, meu amigo. Foi escrito a pensar em todas aquelas pessoas que gostariam de estudar e de aprender mas que não tiveram ocasião para isso…
Pus-me assim a pensar sobre várias coisas que o meu amigo poderá ter observado na sua vida diária e que talvez gostasse de saber explicar…
Não mostre este livro a nenhuma pessoa sabedora porque essa encontraria com certeza muitos motivos de censura nas minhas palavras. Acharia que aqui não estava bem explicado, que ali tinha usado palavras impróprias… E tinha razão. Mas não se preocupe com isso. Isto é só para o meu amigo…"(Rómulo de Carvalho, in Física para o povo)

Emociono-me sempre que leio este trecho. Leio no mesmo uma afabilidade e uma generosidade que nem sempre transpareciam no contacto pessoal. Tive o privilégio de conhecer pessoalmente RC, no meu Exame de Estado, pois fazia parte do júri. Dos 26 aos 29 anos, nos primeiros anos em que orientei estágio, estive algumas vezes com RC, que era um dos orientadores itinerantes. Achei–o sempre um pouco distante, mas talvez fosse eu que, por me sentir tão pequenina perante ele, vestia a carapaça da minha timidez.

E a propósito da sua vertente de formador é interessante ler o depoimento que se segue:

"…O objectivo prioritário (…) era sensibilizar-nos para os problemas da actividade ensino-aprendizagem, sem nos impor um “modelo” definitivo de professor. Toda a sua actuação tinha por fim incentivar-nos para a descoberta e desenvolvimento de potencialidades que nos permitissem criar o nosso modelo pessoal de professor, adaptável em cada momento à realidade aluno-escola…" (depoimentos de Alcina do Aido e Maria Gertrudes Bastos,  in Pessoa C. (2001), Pedra Filosofal, Gazeta de Física

 Haveria muito mais a dizer destas vertentes de RC bem como de todas as outras mas o texto já vai longo (embora curtíssimo face à dimensão de RC/AG).

Nas palavras prévias com que introduz O texto poético como documento social (Fundação Gulbenkian, 1995), RC refere:

"Pretende o autor, com a presente obra, erguer, aos olhos do leitor, a pessoa do poeta como um ser atento aos acontecimentos que o rodeiam, e envolvem, no ambiente social em que o poeta se movimenta…."

Esta preocupação com o ambiente social em cada momento está bem presente na sua poesia. Quem nunca leu o Poema para Galileu, que aqui deixo na voz de Mário Viegas? Quem nunca ouviu a Pedra Filosofal ou a Lágrima de Preta, na voz de Manuel Freire? E os poemas Dia de Natal, Máquina do Mundo, Calçada de Carriche, Poema da Morte na Estrada, Poema do Fecho Éclair, Poema do Homem Novo...?

Quase a terminar, cito RC num texto que começou a escrever para o filho, quando este tinha seis anos:

"Sabes o que são poetas? São os homens que fazem versos. Quando os versos são bonitos e soam bem aos ouvidos é muito agradável lê-los. Muitas pessoas aborrecidas ficam bem dispostas quando lêem versos. Por isso ser grande poeta é tão útil como ser grande médico ou ser grande engenheiro." Carvalho, R. In “As origens de Portugal. História contada a uma criança”

Termino de  forma simples mas sentida:

"Eu queria agradecer-te Rómulo de Carvalho…
Eu queria agradecer-te António Gedeão…"

Regina Gouveia

A educação em Homero

“O autêntico sentido educativo de Homero reside
na atmosfera ética em que ele faz actuar os seus
heróis,
no seu estilo de vida. É a isto que
verdadeiramente
se
pode chamar educação homérica.”
Gomes, 1982, p. 25.


A educação europeia está intimamente ligada à cultura e à civilização ocidental, desenvolve-se com ela e sofre as suas vicissitudes.

tal educação, iniciando-se de forma sistemática com os gregos, tem a sua origem em Homero, nos poemas que constituem a Ilíada e a Odisseia e que, como agora se poderia dizer, são documentos curriculares do sistema de ensino heleno-arcaico, reflectindo a cultura da Idade Média Grega, num período entre o século X e o século VIII a.C., marcado pela bárbara invasão dórica, que os rejeita.

Em conjunto, estas obras permitem conhecer a comunidade “cortesano-aristocrática” grega nos seus primórdios, onde a educação era apanágio das classes nobres: a vida de ócio dos jovens, livres de trabalhos servis, permitia-lhes receber uma refinada formação que os preparava para a guerra.

A Ilíada narra o cerco de Tróia, em que são protagonistas o povo Aqueu, impedido pelos Dórios de efectuar o seu processo de emigração em direcção à Ásia Menor, episódio que se desenvolve num ambiente cavaleiresco, reflectindo uma monarquia e sociedade análogas à Idade Média. Com esta obra, o educando aprende a conhecer a sua própria história, o seu código religioso e moral, sendo o seu guia em contexto bélico.

Por seu lado, a Odisseia, em que Ulisses é o herói, relata uma epopeia que ilustra um dos mais importantes feitos do povo grego: a conquista do mar, feita “à força de audácia, de paciência e de inteligência” (Bonnard, 1980, p. 55).

No geral, a educação homérica foi conservada em muitos dos seus aspectos durante longos séculos, isto porque, segundo Gomes (1982), apresenta:

- uma técnica de preparação para o triunfo glorioso. Para tanto, deviam os jovens ser dotados de capacidade física e agilidade, aprender o manejo das armas, desportos atléticos, lançamento do disco e do arco, jogos cavalheirescos, entre outros. Mas deviam também ser formados através da oratória, da poesia popular, da dança e da música, canto incluído e uso de instrumentos, com destaque para a lira.

- uma ética, que vai além da mera moral de preceitos, traduzindo-se numa imagem de existência, de homem a realizar, de saber-viver num mundo que apresenta desafios, por vezes extremos. E isto porque a nobreza era entendia sobretudo ao nível do espírito, nível este em que se destaca o temor aos deuses e o respeito pelos outros.

É esta técnica e esta ética que, visando obter homens fortes e vigorosos em termos de compleição física e providos de sagacidade, prudência e astúcia, bem como de delicadeza e cortesia, consubstanciadas em boas maneiras, marcarão a educação da época clássica e das épocas que lhe sucederão, até ao presente.

Estamos perante uma pedagogia intimamente ligada à realização dum ideal de perfeição humana – a “vigorosa saúde do corpo e nobreza de alma” – a que só o nobre pode ascender (Galino, 1981, p. 117), o qual, a exemplo dos deuses e heróis, paradigmas de acção a imitar, deve aspirar a sobressair, a ser superior, a deslumbrar, a ver universalmente a sua honra reconhecida, sendo assim digno de estima.

Como, na época, não se vislumbravam recompensas depois da morte, seria na vida terrena que o mais alto destino do herói se concretizava, nos feitos revestidos de glória, daí o desejo imenso de viver, bem patente em Aquiles “herói que encarna por excelência o ideal de perfeição a que aspira o cavaleiro”, quando afirma que não há nada que valha tanto como a vida, nem sequer as riquezas (Galino, 1981, p. 118). Mas, ao mesmo tempo que a vida é amada e enaltecida, o herói também está disposto a sacrificá-la em nome da honra, que o tornará imortal como os deuses. A morte, nestas circunstâncias, aparece como a possibilidade do mais elevado feito de heroísmo, convertendo-se a areté aristocrática, “palavra intraduzível mas que é costume traduzir por excelência” (Gomes, 1982, p. 27), no fim que o homem deve alcançar no seu processo de aperfeiçoamento.

Temos, pois, na obra de Homero, um modelo de educação para a heroicidade, para a vivência de super homens, que triunfam pelo facto de defenderem valores e encarnarem a mais autêntica areté, ainda que isso origine o sacrifício da própria vida, sendo a “morte desejada e valorizada quando nela se consuma o destino do herói” (Galino, 1981, p. 119).

Maria Dulce da Silva e Maria Helena Damião

Referências bibliográficas:

Bonnard, A.(1980). A civilização grega. Lisboa: Edições 70.
Galino, M.A. (1981). Historia de la educació - Edades Antigua y Media. Madrid: Editorial Gredos.
Giles, T.R. (1983) Filosofia da educação. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária.Gomes, 1982, p. 15).

Gomes, J. F. (1982). História da educação. Coimbra: Serviços Dactilográficos e Impressos de Hilário Teixeira.

Dia Nacional da Cultura Científica

Artigo sobre Rómulo de Carvalho saído no "Diário de Aveiro" de uma professora do secundário que está a fazer doutoramento sobre a obra de divulgação de Rómulo:


Hoje é dia 24 de Novembro, Dia Nacional da Cultura Científica, em homenagem a Rómulo de Carvalho: professor, metodólogo, investigador, e autor de manuais escolares, de livros de divulgação científica e de poesia, estes últimos sob o pseudónimo de António Gedeão.

Em 1996, Mariano Gago, o então Ministro da Ciência e da Tecnologia e admirador da obra de Rómulo de Carvalho que completava 90 anos, propôs uma homenagem nacional ao talentoso professor. Mariano Gago já havia prefaciado, em 1992, o livro “A Física no dia-a-dia”, onde dá conta do valor de Rómulo de Carvalho, mas considerou que era oportuna a iniciativa de uma homenagem maior. Na notícia do jornal “Público” de 24 de Novembro de 1996, propôs que aquele dia do ano se tornasse Dia da Cultura Científica. Esse dia devia ser «momento privilegiado, todos os anos, de balanço, de reflexão e de acção sobre o papel do conhecimento no nosso futuro».

Rómulo de Carvalho publicou cerca de cem obras, desde livros sobre a história da ciência aos seus cadernos de divulgação científica, não esquecendo os manuais escolares, ainda na memória de muitos como os “cadernos do Pedrito” (modo carinhoso de referir os seus livros de Ciências da Natureza) ou os compêndios de Física do ensino secundário.

Publicou dois livros de divulgação de ciência em três números da colecção “Biblioteca Cosmos”, dirigida por Bento de Jesus Caraça, que foi um marco da divulgação de ciência nos anos 40. Foi mentor e autor da coleção “Ciência para Gente Nova”, onde publicou oito dos nove livros dessa coleção. Tratam de histórias de ciência ou de desenvolvimentos tecnológicos: o do telefone, da fotografia, dos balões, da eletricidade estática, do átomo, da radioatividade, dos isótopos e da energia nuclear. Alguns desses títulos chegaram à terceira edição. A “História dos Balões”, conheceu mesmo uma quarta edição nos anos 90.

Rómulo de Carvalho procurou dirigir-se em «Física para o Povo», não a uma elite instruída ou interessada em ciência mas a toda a gente. Publicou esse livro «com a intenção de promover a cultura popular», como ele próprio escreve nas suas «Memórias». A reedição, em 1995, saiu com o novo título de “A Física no dia-a-dia” por decisão de Rómulo de Carvalho que escreve «…não me pareceu bem aquela referência ao povo depois do 25 de Abril.».

Um dos vários trabalhos, com o objetivo de promover a ciência e o conhecimento científico e tecnológico, que Rómulo de Carvalho abraçou após a sua aposentação foram os 18 "Cadernos de Iniciação Científica", onde recorreu a uma linguagem atraente no discurso e na imagem. O valor destes cadernos justifica que eles tenham sido reunidos num só volume, em 2004, com a chancela da Relógio D’Água. Nesse volume encontra-se uma abordagem científica de temas basilares da ciência como os constituintes da matéria, a energia, ondas e corpúsculos, magnetismo e eletromagnetismo.

Helena Aires Rodrigues,
Professora de Física e Química na Escola Secundária de D. Duarte – Coimbra e Doutoranda em Ensino das Ciências – ramo de Física.

O ESTÁDIO A QUE O PAÍS CHEGOU


Minha crónica que saiu hoje na revista "C" (na imagem o estádio municipal de Leiria):

Muita gente se lamenta do estado de quase bancarrota em que nos encontramos. Mas há responsáveis que se passeiam impunemente por aí. Alguns deles são, decerto, os decisores políticos, a nível tanto nacional como regional, que acharam uma boa ideia há cerca de dez anos construir ou reconstruir dez novos estádios para o Euro 2004 de Norte a Sul do país. Pertenço ao pequeno grupo daqueles que, na altura, acharam que essa era uma ideia delirante. Hoje esse grupo alargou consideravelmente pois o delírio custou-nos caro, muito caro.

Só no Centro do país construíram-se três estádios que foram caríssimos e hoje estão quase vazios. Em Aveiro, o estádio do arquitecto Tomás Taveira é o quinto recinto desportivo nacional com maior capacidade (pode albergar 32 000 espectadores), só perdendo para os estádios da Luz, do Dragão, de Alvalade e Estádio Nacional. É a casa do Beira-Mar, mas quase ninguém lá vai assistir aos jogos. Dados os custos insustentáveis, já foi sugerido por líderes locais que se implodisse para construir um estádio menor. Em Coimbra, o estádio chamado “Cidade de Coimbra”, da autoria do arquitecto António Monteiro, é um gigantesco OVNI (leva 30 000 pessoas), numa zona da cidade que merecia melhor. O campo pertence à Câmara Municipal de Coimbra que, por causa da dívida exigida pela obra, ficou sem dinheiro para mandar tocar um cego. No último jogo da Taça de Portugal aí realizado, no qual a Associação Académica de Coimbra venceu o Futebol Clube do Porto não estiveram mais do que dois mil espectadores. O Presidente da Académica já sugeriu a destruição do estádio e a construção de um outro menor. Mas, pasme-se!, existe um outro estádio, muito perto da cidade, o “Sérgio Conceição” (ostenta o nome de um jogador que ficou conhecido pela sua indisciplina), que pertence também à Câmara... Finalmente, em Leiria, há o terceiro grande estádio municipal da região Centro (leva 30 000 pessoas), da autoria de Tomás Taveira tal como o de Aveiro. O estádio de Leiria deixou de ser o cenário dos jogos da equipa local, a União de Leiria, em virtude do reduzido número de espectadores e das despesas incomportáveis de manutenção. A equipa de hóquei em patins de Turquel, uma freguesia do distrito de Leiria, gaba-se de ter jogos que são vistos por 1400 espectadores, mais do que as pessoas que vão ver muitos jogos de futebol do União de Leiria, que hoje joga na Marinha Grande. Perante o descalabro financeiro, a Câmara de Leiria não teve outro remédio senão colocar o seu estádio em hasta pública por 63 milhões de euros. Não houve, no mês passado, quem ocorresse ao leilão.

No resto do país a situação não é muito diferente. No Norte, o Boavista tem um estádio que é usado pela sua equipa que milita no terceiro escalão do futebol nacional. No Sul, o Estádio do Algarve é um outro grande monumento à estupidez humana, pois tem permanecido ainda mais desocupado do que os seus congéneres.

Tudo isto era previsível e podia ter sido evitado. Não o foi foi porque havia na época uma enorme loucura colectiva. Os políticos moviam influências e a banca emprestava dinheiro com uma facilidade que hoje nos espanta. Ainda ninguém fez acto público de contrição Os nossos estádios estão aí vazios tal como os nossos cofres.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"CÁLCULO" PELA MARIONET


Vídeo de apresentação do espectáculo teatral "Cálculo" que está em cena no Museu de Ciência da Universidade de Coimbra pela companhia marionet. A peça é de Carl Djerassi e o texto, que versa a rivalidade entre Newton e Leibniz a propósito da invenção do cálculo, está disponível em livro na Imprensa da Universidade de Coimbra.

O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto


Amanhã é o Dia Nacional da Cultura Científica, em Homenagem a Rómulo de Carvalho. Publico um texto do meu recente livro, saído na Gradiva, em co-autoria com David Marçal, "Darwin aos Tiros" e outras histórias de ciência":

"Rómulo de Carvalho (1906-1997), o professor de Ciências Físico-Químicas que leccionou muitos anos no Liceu Pedro Nunes em Lisboa, literariamente conhecido pelo heterónimo António Gedeão, é uma figura inigualável da cultura portuguesa no século XX. Além de professor de ciências e de poeta, juntando duas sensibilidades que para muitos estão nos antípodas uma da outra, foi ainda um notável historiador da ciência, que privilegiou na sua investigação o século das Luzes, e um esclarecido teórico da pedagogia.

Apesar de ter escrito alguns poemas na infância, o poeta António Gedeão só surgiu quando Rómulo de Carvalho tinha 50 anos. Com efeito, a sua primeira edição poética (Movimento Perpétuo, que inclui o conhecidíssimo poema «Pedra Filosofal», mais tarde musicado por Manuel Freire) saiu no ano de 1956, quando Rómulo vivia no bairro de Celas, em Coimbra, e ensinava no Liceu de D. João III (hoje Escola Secundária José Falcão). O primeiro verso que tanto demorou a sair foi:

"Inútil definir este animal aflito."

Poucos anos antes, em 1954, Rómulo candidatara-se, com o seu verdadeiro nome, a um prémio de poesia do Ateneu Comercial do Porto. Não ganhou o prémio, mas pouco terá faltado. O vencedor foi o escritor na altura já consagrado Miguel Torga, que, porém, abdicou do prémio em favor da divulgação de jovens poetas.

Apesar de Rómulo ter 50 anos, o crítico literário João Gaspar Simões não hesitou em incluí-lo numa antologia de «jovens poetas» saída em 1957, publicada a partir do concurso, com o dinheiro do prémio. O terceiro lugar tinha sido obtido por Gedeão (entretanto o autor trocou o seu verdadeiro nome pelo pseudónimo, cujo último nome tinha sido retirado do apelido de um aluno). Não obstante esse relativo êxito, Rómulo manteve secreta a sua poesia até da própria mulher, a escritora Natália Nunes, que recebeu o livrinho Movimento Perpétuo (publicado pela Atlântida) pelo correio sem fazer ideia nenhuma de quem era o autor. O marido ter-lhe-á perguntado se ela tinha gostado. Parece que respondeu sim. E parece também que nela nasceram logo as suspeitas de que o cônjuge era o autor, o que poderá ter sido confirmado por uma visita ao editor...

Rómulo em prosa e Gedeão em poesia escreviam num português de lei, um português clássico ao alcance de poucos. Clássico é também o nome Rómulo, o fundador da cidade de Roma que Plutarco (46-126) biografou. Curiosamente, assim como Rómulo matou o seu irmão gémeo Remo, também Rómulo decidiu a certa altura «matar» Gedeão, só assim se explicando a publicação de Poemas Póstumos (onde se encontra o verso «Que a terra me seja leve») e de Novos Poemas Póstumos (contendo os versos «E é tudo/Não há nada a acrescentar»), em 1983 e 1990 respectivamente. Clássica era também a figura de Rómulo, um mestre austero, sábio e exigente. Como bem mostra o matemático Nuno Crato numa antologia de textos pedagógicos de Rómulo (Ser Professor, Gradiva, 2006), o professor Rómulo de Carvalho não falava «eduquês», o dialecto estranhíssimo que nos últimos tempos tomou conta, com consequências devastadoras, da educação nacional.

Pelo contrário, dizia o que tinha a dizer, sem papas na língua. A um aluno que lhe disse ter «estudado um bocado», retorquiu com fino humor:

"Bocado? Bocado é o que se apanha com a boca, mas, já que o dizes, vamos lá a ver o que engoliste."

Conta-se que o aluno ficou engasgado..."

terça-feira, 22 de novembro de 2011

UMA REVISTA PARA PENSAR


Sai já na próxima semana uma nova revista: REVISTA XXI. TER OPINIÃO, Anuário da Fundação Francisco Manuel dos Santos, da responsabilidade de José Manuel Fernandes.

ORIGAMI FEITO A LUZ



Do sítio do "New Scientist", um origami que é criado quse sozinho, isto é, um origami feito de um material especial que se dobra com a ajuda de luz infravermelha.


"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...