Excerto do meu livro "A Ciência em Portugal", saído há pouco na Fundação Francisco Manuel dos Santos, na colecção "Ensaios da Fundação" e que se encontra à venda, entre outros sítios, na cadeia de supermercados Pingo Doce:Uma sociedade desenvolvida necessita de atrair para a ciência e tecnologias alunos em quantidade e qualidade suficientes. Isso pressupõe o fomento de vocações científicas, o que significa não só vocações para a criação da ciência mas também para a aplicação da ciência na vida prática.
Tem-se assistido em todo o mundo a um declínio do número de jovens que procuram cursos e carreiras de ciência e tecnologia, no sentido estrito, em favor da procura de cursos de ciências sociais e outros. E o problema atinge-nos também. Precisamos de mais cientistas e engenheiros, se compararmos os nossos índices dessas profissões com os índices dos países mais desenvolvidos da Europa, a que pertencemos. Toda a Europa, para se desenvolver rumo à “
economia mais desenvolvida do mundo” (um objectivo da chamada Estratégia de Lisboa do ano 2000, cuja concretização ficou bastante aquém do previsto) necessita de mais pessoas com formação em ciência e tecnologia.
Como superar este evidente desfasamento entre oferta de jovens e procura pela sociedade e pelo mercado? Por que é que os jovens se afastam, pode mesmo dizer-se, se auto-excluem, da ciência e da tecnologia? As causas são várias, mas entroncam no distanciamento entre ciência e sociedade. Se é verdade que a ciência é impulsionadora do progresso social, proporcionando aos cidadãos níveis de conforto inalcançáveis sem o seu concurso (em múltiplos sectores: na saúde, alimentação, habitação, transportes, comunicações, lazer, etc.), não é menos certo que parte importante da sociedade receia a ciência, chegando mesmo nalguns casos extremos a recusá-la liminarmente. A ciência, depois dos desastres de Bhopal e Chernobyl (para não falar de outros mais recentes, como o derrame petrolífero no Golfo do México), está associada a perigos, não se encontrando interiorizada a noção de que o risco é inerente a qualquer actividade humana e que a própria ciência, mais e melhor do que ninguém, poderá prever, evitar e diminuir os riscos.
Por outro lado, as duas ciências mais básicas – a matemática e a física – apresentam dificuldades intrínsecas de aprendizagem. As duas estão relacionadas de perto e sua aprendizagem exige um processo gradual e sem hiatos.
Em Portugal, onde o fenómeno mundial da fuga da ciência chegou com algum atraso, a recente queda demográfica no ensino superior não ajuda. Havendo menos jovens, haverá também menos candidatos a cursos de ciência e tecnologia. E, além disso, somos vítimas do deficiente rendimento dos estudos de ciência a nível do nosso básico e do secundário. Os exames do final do secundário revelam, como vimos, terríveis insuficiências na preparação da maioria dos jovens nas disciplinas científicas de base.
Que podem as escolas de ensino superior e o Governo fazer? Pois podem multiplicar e melhorar as acções de
marketing das ciências, que em muitos locais já têm sido promovidas. Nesse aspecto os projectos e as colaborações entre as escolas do ensino básico e secundário e as escolas do ensino superior são decisivas. Palestras dos cientistas nas próprias escolas ou em centros e museus de ciência são úteis para aproximar os jovens das ciências e motivá-los para o seu estudo. As acções dos alunos, organizados em associações juvenis (incluindo os clubes de ciência nas escolas), podem também contribuir. Os Dias Abertos das Universidades e, em geral, de institutos e laboratórios de investigação são igualmente positivos. As actividades de Verão, como o programa Ciência Viva nas Férias ou as Universidades de Verão, são também benéficas por aproximarem jovens pré-universitários das instituições do ensino superior. A iniciativa Despertar para a Ciência, da responsabilidade da FCT, com o apoio da Fundação Gulbenkian, foi igualmente meritória ao motivar para a ciência jovens em várias regiões do país (nomeadamente nas universidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Faro e regiões autónomas).
Todos estes são meios mais ou menos informais. Mas há também, na escola, que melhorar o ensino das ciências para atrair os jovens. Como se deve dar o despertar para a ciência nas crianças e nos jovens? A maneira mais eficaz parece ser através de actividades experimentais proporcionadas o mais cedo possível. A ciência é, ao fim e ao cabo, o conhecimento do mundo e, para conhecer o mundo, é preciso agarrar, mexer, experimentar. É isso precisamente que uma criança faz a partir do momento que nasce: agarra, mexe, experimenta, para conhecer o mundo onde entrou há pouco tempo.
De facto, a curiosidade é a mola que propulsiona a descoberta. E uma criança nasce “equipada” com uma curiosidade natural. Antes de experimentar, devem ser colocadas interrogações: Como é? Por que é? As respostas só poderão ser encontradas depois de fazer, ver e pensar. E, encontradas algumas respostas, fica-se pronto para enfrentar novas interrogações.
Uma criança que desperte para a ciência não tem necessariamente de ser um cientista ou um tecnólogo. Ao crescer, tornar-se-á num cidadão mais informado e consciente a respeito do mundo que o rodeia, qualquer que seja o ramo de actividade pelo qual enverede. Será uma pessoa não facilmente enganável, uma pessoa mais apta a escolher perante as várias opções que a vida constantemente lhe coloca. Uma criança que desperte para a ciência, mesmo que não venha a exercer uma profissão científica ou técnica, fará ideia do que é a ciência e a tecnologia. E perceberá que não é preciso ter uma grande cabeleira como Einstein para se ser cientista, mas que este tem, na esmagadora maioria dos casos, um aspecto absolutamente normal.
Será que nos nossos jardins-escolas e nas nossas escolas do primeiro ciclo do ensino básico se desperta para a ciência? Infelizmente, e apesar de alguns bons exemplos, tal não se dá ainda na medida desejável. No ensino básico, a ciência, que se chama “
estudo do meio” (sic), não tem o devido relevo e, no ensino pré-escolar, a ciência quase não existe. A experimentação, que deveria ser o caminho para que os alunos passassem a ver a ciência como a compreensão do mundo em que vivem, está ainda em falta. Há razões para recear que os nossos alunos estejam a fugir da ciência por não terem tido contacto com ela na idade adequada. Fogem mas nem sabem bem de quê e porque nem sequer sabem o que é.
A comparação com países mais desenvolvidos devia iluminar-nos sobre as mudanças que urge realizar. Por exemplo, o currículo do ensino básico na Grã-Bretanha prescreve os conhecimentos científicos a alcançar e as capacidades a atingir em cada patamar da escolaridade mais baixa. A experimentação científica é promovida de um modo efectivo, recomendando-se a colocação de perguntas e a procura de respostas a elas. Em contraste, o currículo português, em vez de apregoar objectivos concretos e meios concretos de os alcançar, está envolto num incompreensível jargão pedagógico (que já foi sugestivamente baptizado de “eduquês”).
O problema português da educação científica reside em grande parte na formação dos professores dos primeiros níveis de ensino. Com efeito, acontece que a maior parte dos nossos professores do pré-escolar ou da escola básica, nos seus três ciclos, não despertaram eles próprios para a ciência suficientemente cedo. Não tratam a ciência por “tu”, pelo que não podem fazer com que os alunos a tratem desse modo… O nosso défice no ensino das ciências só pode ser enfrentado se houver boa formação de professores do ensino básico. Um investimento desse tipo deve ser feito nesse nível de ensino e no pré-escolar, o que pode ser realizado com materiais simples e baratos. De pequenino que se torce o pepino? Não, de pequenino é que se torce o destino!