segunda-feira, 19 de julho de 2010

Beautiful mind

John Nash (ao lado, fotografia de Enric Vives-Rubio), o matemático em torno do qual gira a história do filme Uma mente brilhante, de Ron Howard, realizado a partir da biografia de Sylvia Nasar, publicada em finais dos anos noventa, esteve em Portugal como conferencista na 24.ª Conferência Europeia de Investigação Operacional, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, entrevistou o Senior Research Mathematician na Universidade de Princeton, de onde resultou uma conversa muito interessante, da qual tomamos a liberdade e transcrever a passagem que se segue:

O seu contributo para a teoria dos jogos foi muito importante. O que é a teoria dos jogos?

A expressão teoria dos jogos é uma descrição popular. A mesma área científica poderia ter tido outro nome. A teoria dos jogos foi desenvolvida com a publicação de um livro [em 1947], por John von Neumann e Oskar Morgenstern, intitulado em inglês Theory of Games and Economic Behavior (Teoria dos jogos e Comportamento Económico), que se tornou muito influente. Mas Von Neumann já tinha publicado na Alemanha em 1928 - o ano em que eu nasci - um artigo intitulado Zur Theorie der Gesellschaftsspiele, que significa "jogos sociais". E antes disso, tinha sido publicado em França um artigo com théorie du jeu no título. Von Neumann também publicou uma nota [em 1928] na Comptes Rendus de l"Académie des Sciences onde falava de théorie des jeux. Foi assim que o nome ficou.

É algo que permite a modelização matemática de comportamentos sociais e económicos?
Sim, mas com a ênfase nas escolhas alternativas e na ideia de estratégia - uma palavra de origem grega que significa a escolha de uma política. Há estratégia no xadrez e noutros jogos. Pode haver uma estratégia no futebol. Só que, aí, as estratégias têm como objectivo fazer com que o outro perca. É o que chamamos um jogo de "soma zero". Todos os jogos de entretenimento e desportivos são desse tipo. Também podem ser de "soma constante", com um certo benefício para ambos os lados, como a final de um Mundial de futebol - mas onde o vencedor beneficia mais do que o outro. E também há jogos onde todos perdem... Sim, são os jogos de soma negativa. Por exemplo, podemos imaginar uma situação em que uma prisão obriga prisioneiros a entrar num duelo onde apenas um irá sobreviver.
(...)
O seu contributo para a teoria dos jogos é hoje conhecido como "equilíbrio de Nash" e mudou a maneira de fazer teoria dos jogos aplicada à economia. O que é o equilíbrio de Nash?
O equilíbrio de Nash define-se em termos de estratégias, do conceito de estratégia do jogador. Temos dois, três ou mais jogadores. Cada jogador tem um número finito de acções ou estratégias "puras" pelas quais pode optar, fazendo isto ou aquilo. Mas também existem estratégias mistas, que são planos baseados numa mistura de estratégias puras, em que uma certa probabilidade de ser escolhida é atribuída a cada estratégia pura. Assim, se um jogador tiver três escolhas possíveis, três acções puras entre as quais optar, poderá optar por uma delas com uma probabilidade de 20 por cento, pela segunda com 50 por cento e pela terceira com 30 por cento, o que dá 100 por cento. E o conjunto das estratégias mistas dos jogadores apresenta um equilíbrio quando nenhum dos jogadores pode mudar de estratégia e aumentar os seus benefícios. O benefício tem de ser calculável a partir da estratégia mista em questão. Calcula-se o benefício previsto para todos os jogadores e cada jogador olha para a sua fatia.

Quando duas empresas competem pelo mesmo mercado, usam a sua teoria para ver se compensa produzir mais ou menos, ou subir ou descer os preços?
Essa é considerada uma óptima área de aplicação da teoria. Existe uma abordagem clássica que é equivalente a uma análise de teoria dos jogos em certos casos especiais. É o chamado equilíbrio de Cournot. É um conceito certamente mais antigo do que o equilíbrio de Nash, mas é um caso particular. Augustin Cournot, economista francês do século XIX, considerou o caso em que duas empresas produziriam algo para o mesmo mercado - dois grandes produtores de leite, por exemplo. Se uma dada quantidade de leite é produzida, pode ser vendida por um certo preço; se produzirem mais, não vão conseguir vender o leite por um preço tão bom. Por outro lado, se produzirem menos, o preço sobe, mas também há um limite. E se produzirem muito pouco, pode ser preciso importar leite. Pode então existir um equilíbrio de Cournot em que cada um deles produz uma certa quantidade do produto - e em que nenhum deles pode produzir mais ou menos e obter uma vantagem. Mas, aqui, trata-se de um jogo não-cooperativo com dois jogadores onde o equilíbrio reside numa estratégia pura. No caso do equilíbrio de Nash, as estratégias são mais complexas... Podem ser mistas. Por exemplo, se os produtores produzirem produtos diferentes [para o mesmo mercado], podem ter uma estratégia secreta - podem decidir que, durante um ano, só vão produzir uma certa quantidade desse produto. Podia ser a Apple a decidir produzir uma certa quantidade de iPods ou de Macintosh. O outro lado pode não conhecer o plano, mas precisa de ter um plano em que preveja o que pode acontecer - e pode tomar uma decisão ao acaso, de última hora, para surpreender os rivais.

E em casos deste tipo, você provou que também existe uma situação de equilíbrio, que é calculável?
Há um equilíbrio desde que se consiga determinar a função [a fórmula matemática] que determina os benefícios. Em princípio, é possível calculá-lo.

Existe software que as empresas usam para fazer este tipo de previsão?
Nem por isso. Existe há já uns tempos algum software de teoria de jogos, mas é mais útil do ponto de vista teórico. Há coisas que apenas são usadas ao nível do ensino académico.

Ou seja, a sua teoria é mais uma ferramenta para os especialistas do que uma ferramenta prática, concreta, para o mundo empresarial?
Qualquer teoria, seja ou não económica, é em grande parte utilizada apenas ao nível académico. O que os responsáveis empresariais fazem na prática costuma ser algo diferente daquilo que aprenderam quando estudaram teoria económica. Quando uma pessoa se torna efectivamente um banqueiro, tem de tomar decisões práticas - e isso não é algo que se possa fazer utilizando apenas o que se ouviu e aprendeu nas aulas
.

Por que é que a sua teoria foi considerada pouco ortodoxa na altura em que a desenvolveu em Princeton?
Não consigo responder muito bem a essa pergunta. Depende da maneira de olhar para as coisas. É verdade que eu fui mais longe do que Von Neumann e Morgenstern. Mas não foi tanto o equilíbrio de Nash [nos jogos não-cooperativos] que foi considerado pouco ortodoxo, foi a minha teoria da cooperação aplicada aos jogos com duas pessoas, que é bastante diferente da ideia que eles tinham dos jogos cooperativos.

Mais próxima da realidade?
A área dos jogos cooperativos é muito complexa. Eu não fui para além de dois jogadores (duas partes). Mas a área dos jogos com mais de duas partes constitui um desafio muito interessante. Aliás, é a minha área de investigação actual. As minhas ambições são algo limitadas, porque posso não viver para sempre [ri-se] e este tipo de teoria pode levar muito tempo a desenvolver.

O génio científico anda de mãos dadas com uma certa peculiaridade de pensamento?
Esse é um terreno perigoso. Newton, por exemplo, desconfiava muito dos outros e, a dada altura, parecia psicótico em relação a alguns temas. Nunca foi casado, teve uma vida invulgar e fez experiências de alquimia. Também tinha escritos sobre a religião e as ideias religiosas que eram em parte convencionais para a época, mas também bastante impróprias. Mas quem pode dizer exactamente o que são a doença e a saúde mental?

6 comentários:

Anónimo disse...

"Ana Gerschenfeld, jornalista do Público entrevistou, o Prémio Nobel da Economia de 1995"

Não entrevistou porque nunca existiu nem existe prémio Nobel da Economia.

Os senhores deviam ser mais cuidadosos com o que escrevem para não perpetuarem mentiras como a de que este prémio existe. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que isso é falso mas textos como este continuam a manter na ignorância aqueles incautos que acreditam no que lêem.

Obrigado.

Anónimo disse...

1994

Helena Damião disse...

Caro Anónimo das 16:24 tem toda a razão, segui a informação do jornal citado que não é completamente correcta: o prémio que reconhece trabalhos de grande mérito na área em questão é designado por "Prémio Sveriges Riksbank de Ciências Económicas". Julgo saber que, apesar de a Fundação Nobel lhe ser alheia, foi criado em memória de A. Nobel.
Muito obrigada.

Miguel Galrinho disse...

Uma entrevista muito interessante por parte do Público, de facto. Aliás, é com agrado que ultimamente tenho notado uma tendência recente tanto do Expresso e como do Público em ir publicando notícias de carácter científico. Lembro-me, por exemplo, do destaque dado ao LHC e das recentes experiências que colocaram em questão o tamanho do protão que foram devidamente noticiadas, ainda que superficialmente.

Carlos Pires disse...

A lista das disciplinas contempladas pelo Nobel é um tópico interessante de análise, na perspectiva da história da ciência e da cultura. Porquê aquelas e não outras?
Diz-se que a exclusão da matemática se deveu aos ciúmes de Nobel relativamente a um matemático sueco que teria tido um caso com a sua amante.
A exclusão da Economia e da Psicologia, por exemplo, explica-se certamente pelo facto dessas ciências na época não terem o reconhecimento e a importância que têm actualmente. Mas porque não a História ou a Filosofia?

Anónimo disse...

Mittag-Leffler? Não corresponde à realidade.

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