sexta-feira, 5 de março de 2010
PRAGA VISTO POR UM PORTUGUÊS RESIDENTE
Com a autorização do autor, professor de Português em Praga, transcrevemos artigo recente do "Semanário Económico":
Praga é uma cidade monumental. Talvez excessivamente, para quem a habita todos os dias e tem que se deparar com engarrafamentos de turistas um pouco por toda a cidade velha. Claro que nesta babel de línguas, costumes, sons e cores de gente reside boa parte do encanto da cidade das cem torres, como também é conhecida a capital da República Checa.
Apesar de conhecida por um certo número de locais e construções - catedral de S. Vito, o Castelo, o Teatro Nacional, a ruela do ouro ou o relógio astronómico – Praga insiste em fugir aos clichés, surpreendendo quem decida dedicar energia e tempo à descoberta dos seus recantos e segredos: se visitar o castelo é uma obrigação turística, acabar nos parques verdes reais é uma necessidade absoluta. Visitar o bairro de Mala Strana, com a igreja do Menino Jesus de Praga, o Palácio do Senado e o jardim de Valdštein é obrigatório, mas terminar este percurso na taberna “UHrocha” é uma das mais interessantes experiências sociológicas ao alcance do turista de espírito aventureiro(há quem diga que os dois empregados da ‘hospoda’ nunca viram a luz do sol, tal a amplitude do horário de trabalho, que se inicia antes do alvorecer e termina depois do ocaso). E depois há Mozart. Esmetana e Dvorak e Janacek, os mais ilustres compositores que viveram a/na cidade e contribuíram para o seu esplendor cultural, que prevalece nos teatros nacionais ou na Ópera de Praga, espaços que convivem com os quase sempre esgotados 50 teatros que da cidade, quase todos com companhias residentes.
No entanto, a visão que tenho da cidade é outra: a música que oiço não é só a dos executantes e virtuosos na sala de concertos do Rudolfinum, mas também a do primeiro violino da Orquestra Nacional que, nas horas vagas, vai tocar para a ponte de Carlos, ou a do velho resistente que, com neve, chuva ou sol, toca no saxofone êxitos norte americanos imortalizados por Frank Sinatra ou pela Glenn Miller Orchestra. Chapéu negro, estilo cowboy incluído!
Mas o livro é o melhor amigo dos checos. Onde quer que estejam, no hospital à espera de consulta, no metro, no eléctrico ou no parque, lêem compulsivamente. Ir ao café significa passar horas com uma cerveja e um livro – disponibilizado pelo estabelecimento, é claro. Praga é a cidade de Kundera e de Kafka, os menos checos dos escritores checos, e de Jaroslav Sejfert, o Nobel da literatura; mas mais terra-a-terra, quem não conhece a história do “Valente Soldado Šveik”, de Jaroslav Hašek?
Praga é também uma cidade viva e moderna, estrategicamente situada no centro da Europa e com um crescimento visível no que toca à atracção de multi-nacionais que contribuem para a preservação da cidade, recuperando palacetes e casas de estilo, recorrendo à construção de edifícios de raiz, seguindo linhas estéticas de nova arquitectura e dando ao espaço uma aparência dinâmica e contemporânea. Com uma taxa de desemprego reduzida, atrai as gerações mais jovens, o que dá uma dinâmica social e uma ‘movida’ cosmopolita.
A relação de Portugal com este país tem raízes históricas que remontam, pelo menos, ao século XVI, quando o Infante D. Pedro se bateu em terras da Boémia contra os hussitas. Há registos da passagem do humanista Damião de Góis e de intercâmbios científicos, de que a apresentação do nónio de Pedro Nunes é apenas um exemplo.
Com cerca de um milhão de habitantes, a cidade recebe cerca de quatro milhões de turistas por ano, a maioria para visitar monumentos, museus e ver concertos, mas muitos para participar numa das novas vocações de Praga: conferências e congressos.
JOAQUIM COELHO RAMOS
joaquimramos@instituto-camoes.pt
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8 comentários:
Mas também é uma cidade... particularmente violenta! E, quanto ao Infante D. Pedro, deve tratar-se de um equívoco. JCN
Praga é uma cidade belíssima!
Como faço para entrar em contato com este professor, o Joaquim Coelho Ramos?
Sou professor de português, com uma certa simpatia a Praga, e gostaria de contactá-lo.
Obrigado.
Importa rectificar, a bem da veracidade histórica, que os factos relatados, quanto às lutas contra os hussitas, na Boémia, não ocorreram no séc. XVI, mas em meados do XV e que a personagem em causa não foi o Infante D. Pedro, mas D. Álvaro de Ataíde, futuro conde de Atouguia, que precedeu o Infante na sua ida para a Hungria ao serviço do Imperador Segisnundo, que lhe confiou a marca de Treviso pelo espaço de dez a anos, que ele aliás não completou, muito embora lhe fosse paga por intreiro a respectiva tença. Gloriosas tempos... vividos pelo infortubado Duque de Coimbra, a figura dominante dos painéis de S. Vicente, como oportunamente se verá! JCN
Corrijo a gralha "infortubado" por "infortunado". Seria preciso? JCN
Caro Leonardo
O email do autor foi acrescentado.
Carlos Fiolhais
Comentário recebido de Joaquim Ramos:
Relativamente à colocação do meu artigo no seu blog, reparei que houve alguns comentários, aliás muito interessantes. Infelizmente não estão assinados. Ainda assim, gostaria de pedir o favor de colocar algumas observações minhas no blogue, que podem contribuir para a "verdade histórica" (que rarissimamente é científica e nunca é dogmática):
-Um "anónimo" diz que D. Pedro não terá participado nas guerras hussitas. Ora, recentemente, uma tese de mestrado publicada na Universidade de Brno parece sustentar que essa participação foi efectiva. Aliás, tal já havia sido defendido com alguma propriedade por Ferdinand Tadra nos escritos: "Kulturní styky Čech s cizinou až do válek husitských, Jubilejní Fond, král.České společenství nauk 1897". No entanto, cometi de facto o erro de colocar as guerras hussitas no século XVI, quando queria dizer século XV (1419-1436 ou, segundo outros autores, 1420-1434), Penitencio-me pelo facto. Aproveito para dizer que o artigo que escrevi não tinha um substrato historiográfico. Em bom rigor, o primeiro contacto documentado entre o que hoje é o território português e os eslavos (eventualmente da Boémia) data de 538 e (segundo o especialista em história das relações luso-checas, Prof. Doutor Jan Klíma) terá chegado sob a forma de versos trazidos por S. Miguel de Dume/Dumio até Braga. Também parace que a "Sinagoga Espanhola" de Praga é, afinal, uma "sinagoga portuguesa", já que terá sido erguida com o auxilio de dinheiros entregues pelos sefarditas nacionais na diáspora (cf. o historiador da arte especialista no espaço ibérico, Prof. Doutor Pavel Stepánek, que refere esta questão na sua monografia "Valentim Fernandes de Morávia" (em checo), editora L. Marek, Brno 2006. E depois há a herança dos Silva Tarouca na cidade de Pruhonice. Razões de sobra para visitar a cidade e seus arredores, e procurar nela traços da influência portuguesa que permaneceram até hoje.
Reitero os cumprimentos ao excelente blogue que mantém vivo o espírito crítico de quem o lê e escreve.
Joaquim Ramos
Caro senhor Joaquim Ramos:
Permita que, uma vez mais, proceda a algumas rectificações acerca das suas "observações" ao meu comentário, começando por lhe dizer que não se trata de um "anónimo", mas de alguém que onomásticamente se identificou como sendo JCN (João de Castro Nunnes), ao seu dispor. Depois... importa frisar que não utilizei a expressão "verdade histórica", mas "veracidade histórica", sendo em seu nome que o aconselho a rever, em minudência, a biografia do "markgraf" de Treviso, o nosso Infante D. Pedro, que foi objecto de exaustivo estudo do embaixador e historiador Alberto da Veiaga Simões em texto manuscrito, hoje ddesaparecido, mas que chegou a ser lido, além de mim, pelo Prof. Magalhães Gdinho. Quem, precedendo a sua ida para a Hungria, lutou contra os hussitas foi o seu companheiro de armas D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, mais tarde, após Alfarrobeira, galardoado por D. Afonso V com o título de conde de Atouguia (1452). Coisas de pouca monta, aliás.
Quanto à tese de mestrado a que alude, defendida na Universidade de Brno, chamo-lhe a atenção para o termo de que se serve para frisar a sua "dogmática" revelação: "parece sustentar". Ora bolas, senhor Joaquim Ramos!
E olhe que o tal S. Miguel de Dume, terra dos meus antepassados, de "miguel" só tinha a letra inicial, pois se chamava de Martinho, coevo e conterrâneo de outro Martinho, que foi bispo de Tours, o tal da capa cortada ao meio para dar ao pobre que dele se abeirou a tiritar de frio.
E por aqui me ficaria... se não quisesse aproveitar para, de bom grado, o informar de que já publiquei alguns dados arqueológicos comprovativos de contactos entre a Boémia e o actual território português (Arganil) a meados do séc I antes de Cristo nos começos da romanização (período triunviral ou tardo-republicano). E por hoje... é tudo, pois o tempo não me sobeja. JCN
Em que parte do mundo, senhor Joaquim Ramos, é que não há traços de lusicidade?!... JCN
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