Destaco da entrevista dada por António Câmara, professor da Universidade Nova e CEO da YDreams à revista "Executive Digest" de Março de 2010:
P- Em termos de educação, como é que vê e analisa este quase admirável mundo novo num país onde, paralelamente, ainda existe muita ardósia e giz?
R- Não são mundos incompatíveis. Um dos grandes problemas de Portugal é que se esqueceu por completo a língua... Repare, uma das avaliações que fazemos internamente é saber qual é a diferença entre nós que estudámos em Portugal, e também lá fora, e os líderes mundiais nas diferentes áreas...
A primeira vez que percebi e entendi a verdadeira diferença foi em 1998 quando fui viver para Boston para um bairro judeu e coloquei o meu filho mais velho numa escola pública mas dominantemente judia. A educação nesta escola era simplesmente fantástica e tinha três componentes completamente diferentes da educação em Portugal. A mais chocante delas, aquela que nos deixava a anos-luz, era o ensino da língua que era a um nível perfeitamente superior. Qualquer miúdo de 12 anos lia um livro por semana, aprendia 400 palavras novas por semana e escrevia um livro no final do ano.
Aprendi a falar em público, aprendia a expor, aprendia a consultar livros numa biblioteca,m aprendia a criticar, aprendia todos os estilos de exposição... Nós nunca aprendemos isto em Portugal. O máximo que aprendemos foi a análise morfológica das frases, mas não jamais a fazer a transição entre as frases.
Depois de perceber como é que funcionava o ensino da língua naquela escola, tive imensa curiosidade em conhecer o professor que, dois anos depois, estava em Harvard.
P- Mas este tipo de educação não é comum mesmo nos Estados Unidos...
R- Não, não é. Esta é a educação de uma elite específica que tem um poder nos Estados Unidos perfeitamente gigantesco, exactamente porque tem uma educação incomparavelmente superior. O domínio da língua consegue-se através da leitura e da escrita. É fundamental e o computador, seja ele qual for, vem no fim.
Por isso, e para concluir, a elite portuguesa quando comparada com a elite mundial está a anos-luz e esbarra, logo à partida, no domínio da língua.
A segunda componente tem a ver com a imaginação. Em Portugal ninguém percebe o que é a imaginação e a criatividade. Numa universidade, analisando as cadeiras que os estudantes têm, quantas é que apelam à imaginação? Talvez duas em 50! Ou seja, a maior parte das pessoas que cumpre as licenciaturas são, eventualmente, muito bons naquilo que os professores ensinam, são bons a resolver charadas... mas não há nada que estimule a criatividade, a imaginação (...).
P- E a terceira componente?
R- É algo que verdadeiramente nunca pensei que acontecesse. Quando o meu filho estava nessa escola, comecei a perceber que ele tinha exercícios completamente diferentes. Durante um mês vinha com problemas desse género: "quantas lâmpadas existem no estado do Massachusetts?"; no dia seguinte, "diga quantas pessoas vão à praia da sua cidade"... Ou seja, comecei a perceber que estes exercícios estavam ligados ao "back of the envelope engineering", isto é , como é que lidamos com a incerteza, com aproximações, quando não temos os dados todos.
É que este tipo de análise está sempre presente nas nossas vidas profissionais e pessoais e daí que seja tão importante ser estimulada desde cedo (...).
P- O problema da educação em Portugal é meramente político?
R- Há várias coisas... Nos não damos liberdade às diferentes escolas para fazerem o que lhes apetece. Está tudo centralizado numa avenida de Lisboa... Claro que é uma questão política. E de liberdade."
11 comentários:
Vou (mesmo ter que) deixar um link para este post.
" Qualquer miúdo de 12 anos lia um livro por semana, aprendia 400 palavras novas por semana e escrevia um livro no final do ano."
80 palavras novas por dia escolar!
Cheira-me a mais uma treta desde tipo que diz sem se rir que a sua empresa e a melhor do mundo.
Tipica saloiada portuguesa.
Bois... ou boys?!... JCN
Realmente muito pouco plausivel.
A esse ritmo o filho teria antes dos 16 anos aprendido da ordem de 60000 palavras, mais do que um licenciado.
Para quem se farta de elogiar o "back of the envelope engineering" este tipo de erro de ordem de grandeza é embaraçoso e permite desconfiar no mínimo até que ponto o resto desta propaganda não é manifesta hiperbole como este exemplo.
Que maravilha de escola,
vamos todos para lá:
façamos dela a bitola
para as escolas de cá!
JCN
Como disse o Manuel, e cito, "este tipo de erro de ordem de grandeza é embaraçoso", quando se referia ao número de palavras aprendidas semanalmente pelo filho do entrevistado na tal escola de elite - 400!
Mas não percebo qual é o espanto do Manuel. O Sr. entrevistado, também deve ter feito os TPCs do filho, nomeadamente naquele mês em que as perguntas eram do tipo "quantas lâmpadas existem no estado do Massachusetts?" e "diga quantas pessoas vão à praia da sua cidade" e daí advirá certamente a sua convicção nas suas estimativas.
Penso que estou a ser mais cáustico do que as respostas à entrevista mereciam, mas...
De qualquer modo, e apenas uma opinião de quem não está ligado à educação, parece-me que o discurso do Dr. António Câmara anda próximo do eduquês.
Cruz Gaspar
Os comentários anteriores são típicos da mentalidade mais rasca que se encontra frequentemente entre nós. Um pormenorzinho sem relevância (numero de palavras novas aprendidas) é usado para ridicularizar um argumento importante e inteligente. A falta de classe é realmente a doença nacional.
Cambada de idiotas! Vocês estão mesmo missing the point! Típica mentalidade burocrática: "não cumpre o regulamento administrativo...o art 3º diz que o procedimento é apresentado em triplicado... 400 palavras!? aos 16 anos 60000!?! impossível!"
Seus piolhos! who cares!?! Que tem isso a ver com o fundamental da crítica que ele apresenta?
Get a life...
Quem não percebe que quando se afirma que saber fazer "back of the envelope engineering" é muito importante e deve ser ensinado na escola e depois comete erros deste tipo invalida o raciocínio exposto ou é intelectualmente desonesto ou então tem graves problemas cognitivos.
O argumento depende essencialmente disto porque o entrevistado fez deste número um ponto fulcral dizendo que era "A mais chocante delas, aquela que nos deixava a anos-luz, era o ensino da língua que era a um nível perfeitamente superior.Qualquer miúdo de 12 anos lia um livro por semana, aprendia 400 palavras novas por semana e escrevia um livro no final do ano.".
Por outro lado indica (porque um exemplo não prova) que o autor não possui/aplica aquilo que diz ser tão crucial na educação.
E isto tem que ver com a fundamental da crítica que apresenta porque demonstra que é uma hipérbole e expõe as suas inconsistências.
Quem não percebe isto pode chamar piolho e rasca a quem percebe à vontade, mas não passa de mais um saloio portuga com o complexo de inferioridade face ao estrangeiro incapaz da análise mais básica.
Assinado:
Manuel "Piolho" "Rasca" mas cogente com muito gosto.
Caros Anónimos das 15:30 e das 15:50 (ou será a mesma pessoa?) Já agora seria mais simples se se identificassem.
Não sei se a "mentalidade rasca", "falta de classe", "idiotas" e "piolhos" se destinava exclusivamente a mim.
De qualquer modo, estive a reler o excerto da entrevista para ver se não tinha de facto percebido "o fundamental da crítica que ele apresenta".
As respostas do entrevistado (pelo menos neste destaque) centram-se em 3 pontos:
1. "Aprendia a falar em público, aprendia a expor, aprendia a consultar livros numa biblioteca,m aprendia a criticar, aprendia todos os estilos de exposição...";
2. "A segunda componente tem a ver com a imaginação. Em Portugal ninguém percebe o que é a imaginação e a criatividade"; e
3. A existência dos tais exercícios que dariam competências em "como é que lidamos com a incerteza, com aproximações, quando não temos os dados todos"
Parecem-me argumentos que pouco contribuem para a análise ao sistema educativo português que o entrevistador solicitou. Aliás, a resposta - ou a pretensa análise - foi centrada no exemplo da escola do filho. De professor universitário, esperava uma abordagem mais abstracta e não particularizada.
De qualquer modo, concedo que por incompetência minha, não tenha percebido o "argumento importante e inteligente" e "o fundamental da crítica que ele apresenta"
I've missed the point, certamente
Cruz Gaspar
Agradeço os comentários à minha entrevista que só agora li graças a este blogue. Ora acontece que seguramente nunca me passou pela cabeça que os estudantes do 7º ano da Runkle School em Brookline tivessem que aprender 400 novos vocábulos por semana. Aprendiam sim 400 novos vocábulos por ano. Mas admito ter cometido esse lapso na entrevista.
O essencial do que pretendia dizer foi bem sintetizado por alguns dos comentadores (confrontar com http://www.brookline.k12.ma.us/NR/rdonlyres/0344826B-FA28-4CB2-8F43-544AA93D33D7/0/LAGr7.pdf).
A análise ao ensino em Portugal foi realizada num contexto empresarial e não académico.
Quanto à YDreams acompanhem os próximos capítulos...
Antonio Camara
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