sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O progresso

Texto de João Boavida, antes publicado no Diário As Beiras.

A ideia de progresso, tal como hoje a concebemos, é moderna. Resulta de uma crença progressiva nas capacidades humanas e no imenso potencial que a ciência e a técnica adquiriram nos últimos séculos. Uma e outra, por sua vez, são o resultado conjugado de uma autonomia do pensamento crítico e de uma metodologia de investigação que revolucionou as formas de aquisição dos conhecimentos.

Como a ciência e a técnica não param de evoluir e nos proporciona espantosas invenções criou-se a ideia de progresso contínuo e inevitável. Esta ideia, pouco a pouco, passou para as massas, que a acham natural e legítima.

Ora, esta ideia não é natural nem inevitável. Resulta de uma construção mental a partir da conjugação de muitos factores culturais e de enquadramentos sociais favoráveis, e embora esperançosa e reconfortante, é muito frágil. Logo, está longe de ser infalível.

Os homens da Antiguidade Clássica não tinham esta ideia de progresso: mais em consonância com a Natureza, seguiam uma concepção mais cíclica. Face à incompreensão da ideia de infinidade (que só as religiões monoteístas alcançaram e a cosmologia moderna foi possibilitando, com a construção, por exemplo, de telescópios cada vez mais potentes), eles entendiam as coisas (e mesmo os deuses) mais à medida humana.

Realistas, tinham dificuldade em perceber a ideia de imortalidade feliz e redimida (pois a ideia de só um Deus ainda estava para vir) nem a ideia de um progresso científico infinito (que só o racionalismo concebeu e a tecnologia moderna parece demonstrar e garantir).

Ou seja, tanto a actual perspectiva religiosa como a científica, cada uma à sua maneira, desenvolveram a ideia de um aperfeiçoamento transfinitos. Por outro lado, para o materialismo histórico, a vitória das classes trabalhadoras seria infalível e garantida; era, podemos dizer, uma necessidade histórica, já vinha a caminho.

Ora, o pensamento pós-moderno põe tudo isto em crise – até, de algum modo, a ciência - e mesmo no campo económico e do consumismo geral, que acelerou e generalizou a ideologia do progresso se entranhou inesperadamente a rotura.

A nossa sociedade chegou, assim, a níveis de alta tecnologia mas com carências morais e psico-afectivas, educativas potenciadas pela fragilização de factores estruturantes. Podemos dizer que está presa por arames e, nessa medida, ninguém pode estar seguro do seu eterno bom funcionamento, e de que vá resistir a todos os ataques de políticos, economistas e ideólogos desaustinados.

Sendo assim, políticas e políticos que facilitem a vertigem e, pior ainda, que estejam tomados dela, sem saber aonde vão nem com que pernas, devem começar a pensar. Se forem capazes. Se não, é melhor saírem de cena. Contribuir, em plena pós-modernidade, para acelerar movimentos cada vez mais sem eixos, devia ser suficiente para os rejeitarmos.

Isto não vai contra a ideia de investigar, estudar, inovar, produzir, renovar, que é condição do progresso de pessoas e sociedades. Antes pelo contrário. Para inovar, investigar e imaginar novas situações, produtos e formas de organização, temos que ter uma base social e psicológica estável. Mas tudo isto, pela importância que têm, necessita de estruturas sólidas, funcionais, respeitadas e amadas. A sua importância é tanto maior quanto maior for a crise. Até porque esta, por natureza, tem o defeito de não se reconhecer e de ser cega. Daí a gravidade e o drama.

João Boavida

7 comentários:

Armando Quintas disse...

Isto vai ao encontro dos debates dos últimos dias sobre o assunto tabu na mui ilustre manjedoura da republica..

Devemos afastar de cena todos os políticos do momento, que são a maior causa da nossa desgraça.

Quer-se um país tão moderno e avançado, fala-se e quer-se estar aos níveis das estatísticas e dos países de 1º mundo, com desenvolvimento económico, com inovação e mais não sê quê, mas não se aposta no essencial.

O ensino está todo rebentado, as ciências exactas são consideradas repulsivas, forma-se cerca de 50 mil jovens por ano e a maior parte não têm colocação.

O patronato quer continuar a ter mão de obra não qualificada a preços da china.

Elevada iliteracia e analfabetismo funcional.

Investigação e políticas da mesma é o que se sabe...

A gestão das res publica é o que se sabe..

O pais não tem dinheiro para mandar catar um cego mas quer tgv, aeroportos e muitas auto estradas!

Que raio de progresso este à português!

O pós modernismo ? países como o nosso são presa fácil.

Definiria o pós modernismo mais ou menos assim:

via fácil para as fraudes intelectuais mostrarem o que não são e o que não sabem, arte de muito falar e nada dizer, conhecimentos científicos da treta que nada valem, nada significam, arte de confundir e atrapalhar as pessoas competentes e o seu respectivo trabalho..

Eu deixaria aqui mais uma ideia, o progresso de uma sociedade, de um país, pode-se medir pelos níveis de penetração do pós modernismo, os seus estragos e a sua aceitação.

MCA disse...

Para não abusar deste espaço com um comentário longo, remeto para um texto que escrevi em 2008 no meu blogue A biblioteca de Jacinto.

Carlos disse...

Concordo, no geral, com o texto, mas discordo com um ponto. Tanto em Platão como em Aristóteles existe essa ideia de progresso (entendido como conhecimento) contínuo, racional e infinito.

Gosto igualmente do que escreveu sobre o pós-modernismo. Gosto especialmente porque não cai na incompreensão tão total como habitual que o Sr. Quintas bem personificou.

Mário R. Gonçalves disse...

O pós-modernismo é de facto um embuste, como já foi amplamente demonstrado por muitos pensadores contemporâneos. O facto de no domínio da afectividade ou da ética não haver "progresso" que acompanhe o conhecimento e a tecnologia pode ser trágico, mas temos de aprender a viver com esse facto. Isto não quer dizer que historicamente não tenha havido "progresso" nos valores e atitudes. Claro que houve, imensos, e pode usar-se "progresso" com a valoração positiva por inteiro. Nada compara a sensibilidade do homem de hoje com a do homem grego para questões como a da criança, da mulher, do escravo, do pobre, do amor; muito menos há comparação na legislação que institui esse progresso. Outra coisa muito diferente é ficarmos chocados e frustrados com as injustiças e barbaridades que se continuam a cometer - mas até esse choque e frustração já são progresso.

O que o pós-modernismo pretende é desacreditar o progresso do conhecimento e da qualidade de vida, que relativiza como "fenómeno cultural" de parte da humanidade, com base na "falta de progresso" nas outras áreas.

Pessoalmente, acho que História é sinónimo de Progresso. No dia em que deixar de ser, a humanidade bem pode extinguir-se. A evolução temporal da humanidade tem componente predominantemente positiva. Há oscilações - Auschwitz e Gulag foram retrocesso - mas a construção da democracia, tão sofrida, da qualidade de vida com direito à saúde e ao lazer, a permanente aventura humana quebrando fronteiras, são iniludíveis componentes de progresso.

Anónimo disse...

DEVANEIOS PROGRESSISTAS

Tudo quanto contribui
para o bem da humanidade
é progresso de verdade
pois avanço constitui.

Assim sendo,há que dizer
que há muito já que ele existe
pois que no fundo consiste
em a bondade exercer.

O contrário do progresso
é pois, antes de mais nada,
o regresso ou retrocesso
à crueldade escusada.

Cheia se encontra a história
de casos comprobativos
desta asserção peremtória
desde os tempos primitivos.

Com o progresso moral
tudo o mais caminha a par
até o homem chegar
à sua meta final!

JCN

Carlos disse...

Caro Mário:

Poderia dizer-me quem são esses muitos pensadores contemporâneos que amplamente terão demonstrado que o pós-modernismo é de facto um embuste? E, por favor, não me venha aborrecer com o Sokal, que este a única coisa que mostrou (e nada demonstrou) é que não percebeu o que é o Pós-Modernismo.

maria disse...

Excelente o seu post. detesto que a ciência queira ocupar o lugar da religião , mandando pró galheiro o Pensar , tal e qual como a 2º fez.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...