quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Receita de Ano Novo

À beira de um novo ano, de uma nova década, e para os assinalar, publicamos um belo poema de Carlos Drummod de Andrade que recebemos de um profundo conhecedor da poesia universal. Obrigada Paulo Rato.

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre
.

7 comentários:

Anónimo disse...

Este poema de CDA significa, entre outras coisas, que não bastam palavras - por belas e, até, inteligentes que sejam. É também preciso meter mãos à obra - fazer, agir, viver, ser...
Desse modo o poema pode ser vítima de si próprio. Uma pessoa (inclusivamente uma pessoa capaz de escrever o parágrafo anterior) pode oferecer este poema a outra pessoa e esta reagir como reagiria ao fogo de artifício: "é bonito" e ponto final. Mesmo que se trate da pessoa mais importante do mundo, mesmo que se trate da pessoa mais amada no mundo (lado a lado com os filhos, apesar de não ter laços de sangue com eles).

Maria Dias

Anónimo disse...

M A R A V I L H O S O!
Visualizei o arco-iris durante o banho!
Amei!
Aurea

Anónimo disse...

Maria Dias

A ultima estrofe nos convida a agir.
Leia atentamente...

"Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."

Anónimo disse...

Anónimo:
"você tem de merecê-lo". Sem dúvida. Todos temos de fazer para isso.
Mais eu referia-me a algo mais específico: situações em que a vida de uma pessoa se cruza com a vida de outra que, embora não assuma que é assim (e até proclame que não é), age como se essa necessidade não lhe dissesse respeito, como se os seus problemas fossem sempre mais importantes que os problemas da outra.

Maria Dias

Anónimo disse...

O autor estava ciente do que escrevia, senão vejamos:

Fácil é ditar regras e,
Difícil é segui-las...


Fácil e Difícil de:

Carlos Drummond de Andrade

rt disse...

Não conhecia esse poema de CDA. É muito belo e profundo.
Mas que fazer quando lidamos com uma pessoa que nos diz “Fácil é ferir quem nos ama. Difícil é tentar curar esta ferida...” como se fossemos nós a ferir quando é ela que fere? Que fazer quando lidamos com uma pessoa que nos diz “Fácil é ditar regras. Difícil é segui-las...” como se fossemos nós a ditar as regras quando é ela as que realmente as dita? Que fazer quando lidamos com uma pessoa que nos diz “Difícil é entregar a alma” quando é ela que nunca se entrega? Que fazer se essa pessoa faz isso tudo e diz que nós é que fazemos, não por ser má pessoa, mas porque essa é a única forma de lidar com o sofrimento e com a insegurança que conhece?

Paulo Rato disse...

Vera,

Fui à procura do poema de que cita alguns excertos ("Fácil... Difícil...) e não o encontrei na "Obra Poética de C. Drummond de Andrade". Dos títulos publicados postumamente, tenho "Farewell" e "O Amor Natural" (belíssima colectânea de poemas eróticos que o autor não permitiu que fosse publicada antes da sua morte). O prefácio do primeiro refere ainda um outro, cujo título - "Aforismos" - afasta, por si só, a inclusão do arrazoado que, pesquisando na "Net", acabei por encontrar, com milhaaaares de referências, louvado seja Belzebu (virtual)!
As versões que consultei, poucas (que não tive pachorra para mais), mas ainda assim com discrepâncias entre elas, confirmaram o que já suspeitava: como muitos outros textos que infestam a rede, falsamente associados a grandes poetas, as ditas cujas não têm (nem de longe!) qualidade que justifique atribuí-las ao imenso Carlos Drummond. Nem mesmo com o "título original", igualmente apócrifo, de "Reverência ao destino".
Já denunciei publicamente vários desses embustes, nomeadamente um escrito completamente parvo, que por aí pulula, imputado a Fernando Pessoa (completamente inocente), e que veio a ser escarrapachado no "Público" pela jornalista Laurinda Alves, sob o título "A coragem de Pessoa", o que me fez perder a paciência, tal como a outros leitores, que comunicaram o desacato ao Provedor do Jornal.
O artigo publicado, citando vários dos queixosos e com a intervenção da própria Casa Fernando Pessoa, deixava tudo muito clarinho, mas... foi inútil: ainda há poucos dias me "re-fordwardaram" o detrito.
Enfim, cara Vera, desfrute a "Receita de ano novo" e esqueça aquele amontoado de tolices que a fizeram, muito justamente, desconfiar da coerência do seu autor.
De resto, como costumo recomendar a propósito destas vigarices, desconfie desse tão propalado instrumento de "democratização da intervenção do cidadão" (ão! ão! ão!...), onde seja quem for despeja seja o que for, sem sequer alertar, como outrora - "Água vai!"
Viva a Internet! viva! - sim, mas abordada cautelosamente, com armadura crítica sólida e bem temperada. Com a preocupação de distinguir os blogues de qualidade (como este e alguns - não muitos! - outros) e os "sites" de instituições credíveis e com prestígio a defender, do burburinho ininteligível e dúbio da multidão.
E sem esquecer um bom elmo, que nunca sabe o que lá vem...

Cordialmente,

Paulo Rato

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