sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O CHUMBO DO BOM ALUNO


Minha crónica no "Público" de hoje:

Uma auto-avaliação é sempre uma avaliação incompleta pois um bom aluno só o é, de facto, se for examinado externamente e se, em comparação directa com os outros, não se sair mal da prova. Pois Portugal, tantas vezes chamado “bom aluno”, não se tem saído airosamente de algumas provas internacionais em que tem entrado.

Dois relatórios internacionais sobre a desigualdade social recentemente publicados, um mais abrangente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outro mais restrito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), não classificam bem as políticas sociais do nosso país ao longo dos últimos vinte anos. Ambos convergem em classificar Portugal no grupo de países onde as desigualdades entre ricos e pobres são maiores. O estudo da OIT (“Desigualdades de rendimentos na era da globalização financeira”) mostra que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres tem vindo a aumentar sistematicamente ao longo dos últimos anos (que não tem necessariamente de ser assim é exemplificado pelo caso de Espanha, onde o fosso tem diminuído). Por outro lado, o estudo da OCDE (“Crescimento desigual?”) coloca-nos em terceiro lugar numa tabela de desigualdade social, apenas batidos pelo México e pela Turquia, e logo antes dos Estados Unidos, que são bem desiguais. Como se tal fosse pouco, o mesmo estudo faz-nos uma menção especial, ao afirmar que a média dos dez por cento mais pobres do Reino Unido ganha mais do que o português médio. Claro que os portugueses ricos ou da classe média alta que viajam a Londres já sabiam isso e os autóctones que vêem a “working class” inglesa vir de férias ao “Allgarve” também já sabiam isso, mas agora todos sabem.

São más notícias não para este ou aquele governo em particular, mas para o conjunto dos governos, do PS ou do PSD, que se têm sucedido nas últimas duas décadas. É certo que eles propuseram ou mantiveram algumas políticas com preocupação social, como a do rendimento mínimo garantido, mas estas têm-se revelado claramente insuficientes para debelar um problema que parece ser estrutural. Mesmo com o rendimento mínimo, a pobreza parece estar garantida, parece um destino.

À margem do relatório da OCDE, o Professor Anthony Atkinson, da Universidade de Oxford, comentou as respectivas conclusões, lembrando que estamos a viver uma crise mundial, uma crise que não é só em “Wall Street”, mas também em “all streets”:
A recessão – se se confirmar – não será uma boa notícia para todos os que estão nas margens da força laboral (...) Há uma mensagem política. Os orçamentos dos governos estão sob stress, mas os cidadãos estão à espera de que, se há fundos para salvar os bancos, então os governos podem subsidiar benefícios para o desemprego e para o emprego. Se os governos podem ser credores de último recurso, então gostaríamos de os ver como empregadores de último recurso. Falando claro, os governos têm de entrar em acção tal como Roosevelt fez na Grande Depressão”.
Não há o risco de os liberais ou neo-liberais aparecerem a protestar porque eles andam desaparecidos em parte incerta... As medidas para os governos combaterem o desemprego terão de ser dirigidas principalmente aos mais novos, porque, segundo os ditos relatórios, são eles os mais ameaçados pela pobreza. Os pobres mais recentes não são os velhos mas as crianças e jovens. Em particular, a desqualificação dos nossos jovens – culpa em larga medida de um sistema educativo iníquo - é um problema que clama por solução urgente. Será que podemos fazer isso? Sim, podemos. “O destino não é uma questão de sorte – é uma questão de escolha. Não é algo para ser esperado - é algo para ser conseguido”. Quem o disse não foi Barack Obama, foi William Jenning Bryan, um candidato do Partido Democrata três vezes derrotado à presidência dos Estados Unidos no dealbar do século XX. Bryan opunha-se com energia ao darwinismo social, ao triunfo dos mais ricos à custa dos mais pobres, o que, do outro lado do Atlântico como aqui, continua a ser um imperativo moral.

1 comentário:

Rui Baptista disse...

Caro Professor: Diz a "vox populi" que "o pior cego é aquele que não quer ver". Mas pior, ainda,é aquele que vê, quer ver, mas faz vista grossa ao panorama que descreve sobre o Estado da Educação que mais não é que o reflexo da Sociedade em que se insere. Mas, uma chamada de atenção é sempre conveniente para abrir certos olhos encadeados pela luminosa propaganda de um país no reino das maravilhas.

Conto-lhe a propósito a história jocosa de um homem virtuoso que chega ao céu e é recebido de braços abertos por S.Pedro que o encaminha para o paraíso. Pede-lhe então se S.Pedro se não importava de fose ao inferno para ver o que se passava.

Lá chegado, vê uma parede circular com vários buracos para se poder espreitar lá para dentro. Espreita. e o que vê ele: uma piscina enorme com palmeiras paradísiacas, montes de esbeltas garotas em biquini, fulanos sentados à sombra de chapéus de sol a beberem uísques cheios de pedras de gelo, etc., etc.

Entusiasmadíssimo volta ao céu e mostra-se irredutível perante S. Pedro no seu desejo de ir para o inferno. Lá chegado bate ao portão, onde é recebido pelo diabo em pessoa e logo se vê envolvido de labaredes de fogo por todo o lado.

Vira-se para o diabo, e diz: "Que diabo, não foi isto que eu vi quando espretei cá para dentro". "Ah! pois não!" O que tu viste pelo buraco era um documentário de propaganda do Secretariado Nacional de Informação (SNI)".

P.S.:Para quem não sai
o SNI era o órgão oficioso de propaganda do tempo de Salazar.

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