sexta-feira, 29 de agosto de 2008
UM COMANDANTE À DERIVA
Minha crónica no "Público" de hoje:
De um comandante dum navio espera-se que saiba manter o rumo, segurando o leme com firmeza, e que não saia do seu posto a meio da viagem, mesmo que haja uma rajada de vento desfavorável. Pois foi precisamente isso que o Presidente do Comité Olímpico Português, Comandante José Vicente Moura, não fez, pouco depois de a atleta Naide Gomes ter falhado no salto em comprimento, nos Jogos Olímpicos de Pequim, também ele falhou ao anunciar que se ia embora. A mão, fora do leme, batia no peito, quando afirmava aos microfones da Antena 1: "Pensei que, em conjunto com as Federações, podíamos colmatar as lacunas do sistema desportivo português, enganei-me, enganei-me, sem dúvida que me enganei". O Comandante assim tão redondamente enganado tinha assinado uma carta ao governo, na qual se comprometia a obter quatro a cinco medalhas e 60 pontos a troco de um cheque de catorze milhões de euros e não via outra maneira de se redimir. Foi muito claro: "É preciso assumir as responsabilidades que estão escritas numa carta que enviei ao governo. O governo cumpriu, e ao cumprir, não tenho críticas a fazer. Se não tenho críticas a fazer, tenho que assumir as responsabilidades".
Mas, passados poucos dias, depois de o atleta Nelson Évora ter ganho uma medalha de ouro na prova de triplo salto, o Comandante dá o dito por não dito e declara-se pronto a seguir viagem com a condição de lhe darem “poder e força”. Quer dizer, há tempestade e o comandante sai, mas vem a bonança e o comandante fica. Pode-se prever que, se vier nova rabanada de vento, voltará a sair, reentrando logo que regresse a calmaria. As metáforas marítimas são, neste caso, bastante adequadas pois Vicente Moura, embora reformado, é Capitão de Mar e Guerra da Marinha. À sua valiosa experiência naval soma-se a sua longa experiência de dirigente desportivo, uma vez que está no Comité Olímpico Português há décadas, indo no seu quarto mandato, terceiro sucessivo, de Presidente.
Porque é que terá mudado tão depressa de opinião? Não foi só o êxito no triplo salto, que, somado ao meio êxito de Vanessa Fernandes no triatlo, fez com que a missão olímpica lusitana atingisse quase metade do objectivo em medalhas (o objectivo em pontos ficou bem mais distante). Vicente Moura, num estilo bem português, invocou as numerosas manifestações de apoio que tem recebido: "Dezenas e dezenas de chamadas e mensagens de telefone, que desliguei há quase 48 horas, uns 200 e-mails, dezenas de chamadas não atendidas, apoios generalizados de toda a gente, pessoas de clubes, que não conheço, etc... sinal que o meu trabalho não foi em vão." É o nacional-porreirrismo no seu melhor! Se tanta gente o acha “porreiro-pá”, se os passageiros estão a gostar do passeio, porque é que há-de ele sair? Fica a dúvida sobre o modo como o Comandante sabe o conteúdo das chamadas não atendidas, mas, enfim, não se quer mesmo ir embora e a desistência durante os Jogos tinha sido só um desabafo a quente.
Mas a pérola maior do Comandante olímpico veio entre o salto e o triplo salto, entre a tempestade e a bonança, quando ele, ainda em Pequim, comentou assim os desabafos a quente de alguns atletas: "Nós preparamos os atletas desportivamente; culturalmente não. A educação não é connosco." Pois, para o Comité Olímpico Português, desconhecedor da "paideia" grega, desporto é uma coisa e cultura e educação são outras duas completamente diferentes. Da educação nem quer saber. Alguém vai ter de lhe explicar que o desporto pressupõe regras, isto é, educação. Marco Fortes, sem nenhuma experiência olímpica, que assumiu a fraqueza de preferir dormir de manhã e lançar o peso à tarde, ainda terá desculpa. Mas foi mandado embora no primeiro avião. O Comandante, que está no Comité Olímpico há trinta anos e que alimenta o sonho delirante de organizar os Jogos Olímpicos de 2020 em Portugal (promete para essa altura dez a doze medalhas se lhe derem, além de dois mil milhões de euros, uma aldeia olímpica no Aeroporto da Portela), não tem nenhuma desculpa. Devia ser mandado embora na primeira eleição.
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7 comentários:
Pois é. As competições desportivas fazem-se com braços e mãos, pernas e pés, mas ganham-se com a cabeça.
Se um treinador, ou dirigente desportivo, não se apercebe do investimento que é necessário fazer em relação à cabeça dos praticantes, não vale a pena continuar no cargo.
em portugal o desporto para alem do futebol é tratado com calorice, são 1 bons rapazes e raparigas que treinam nas horas livres e de vez em quando ganham umas medalhas, hé outros paises que consideram o desporto como carreira e levam para casa muito ouro e prata, faz toda a diferença.
Caro Professor: Parabenizo-o pelo seu post. Apenas acrescentaria o facto de não ser só um comandante que anda à deriva. É um país inteiro com os seus reflexos.
Excelente.
Acrescentar, neste caso, seria estragar.
Meu Bom Carlos Fiolhais,
Temos de convir que a clarividência é basta no retrato que faz do caso em apreço. Espanta assim que haja tanto folclore e surdez na tutela...
Abraço
Gil Teixeira
Lisboa
Excelente artigo!
Contudo, um pequeno reparo a fazer: considera mesmo a prata da Vanessa um meio êxito?
É que a própria atleta admitiu a improbabilidade do ouro, pois é óbvio que tinha competição ferocíssima e organizada contra ela.
Parabenizar é português brasileiro.
Em português de Portugal, diz-se parabentear!
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