O post da Helena, “Sou Professor sem Vocação”, levanta uma questão mais geral que vale a pena sublinhar, e que não se relaciona apenas com a qualidade do ensino mas de qualquer profissão, incluindo portanto a de romancista, como o próprio Vergílio Ferreira, ou a de filósofo ou físico.
Parece-me razoavelmente popular uma ideia que, em proporção inversa à sua popularidade, me parece particularmente errada e, pior, perniciosa. A ideia é esta: sem talento superlativo, sem que um profissional sinta um “chamamento” interior, não poderá ser um Grande Profissional — um Mestre, uma Referência, ou outro disparate deste género, que faz as pessoas começarem a tremer das pernas como adolescentes mentecaptas com tempo a mais e tino a menos. Já vi gente a ter esta reacção quando se fala de Einstein ou de Wittgenstein ou de qualquer outro idiota que é tão idiota com os outros idiotas do género humano, mas menos.
Já sei que os amáveis leitores deste blog me vão cair em cima, e fazem bem, mas ainda antes de escreverem a primeira palavra de protesto, quero esclarecer melhor as coisas, e aproveito para tentar esclarecer a confusão que me faz aflição.
Ponto 1: parece-me inegável que, em qualquer profissão, do atleta ao padeiro, do físico teórico ao professor, do filósofo ao poeta, há uma coisa diáfana, talvez insusceptível de ser objectivamente medida ou ensinada, mas que faz toda a diferença: talento. E as pessoas talentosas são talentosas em grande parte porque se entregam de alma e coração ao que fazem, porque mais do que gostar do que fazem, o fazem por amor.
Ponto 2: é igual ao ponto 1, mas é só para sublinhar porque sei que nos comentários só vão atacar-me por causa do ponto 3.
Ponto 3: o que faz a diferença num ensino de qualidade — ou na investigação filosófica ou científica, ou na prática artística ou em qualquer outra coisa, incluindo o mundo empresarial e político — é a existência ou não de gente mediana e modesta mas competente. Porque bem podemos ter dez génios do ensino ou da filosofia, mas se os outros todos nem competentes são, nada se consegue fazer. Falta a tal força vital de que Eça se queixava. Não vale a pena ter grandes valores superlativos no ensino, ou em qualquer outra área, se depois o professor médio, que é por definição a maior parte deles, não é competente. E ser competente é uma coisa muito bonita.
Ser competente é cumprir as suas obrigações profissionais e fazê-lo bem. No caso de um professor, é saber lidar com os alunos, e saber ensinar-lhes matemática, ou física, ou história ou filosofia, consoante o caso. A competência e o profissionalismo são muito importantes porque sem elas bem podemos ter génios às carradas, que no grosso dos profissionais — que por definição serão sempre apenas medianos — se perde o impacto causal de tais luminárias. Se no país todo tivermos no ensino secundário dez professores excelentes de geografia, daqueles que são superlativos (como eu tive um, açoriano, quando estava no 9.º ano), já podemos dar-nos por satisfeitos. Mas estes dez não poderão fazer grande coisa se os outros quinhentos não forem profundamente profissionais e competentes. (Bom, entretanto esqueci-me que a infinita sabedoria do nosso Ministério da Educação decidiu que a geografia não interessava para nada e acabou com esse luxo de ricos... reservando-o para os ricos.)
Quando se fala em educação ouve-se muitas vezes a conversa do professor talentoso, superlativo — e todos nós tivemos alguns assim, felizmente. Mas esta conversa é enganadora, se o que se pretende dizer é que precisamos de mais professores desses. A minha ideia é que em qualquer área teremos sempre duas coisas: os superlativos, muito bons, que serão muito bons no meio do deserto e sem quaisquer condições; e os muito maus, que serão maus nem que se lhes dê dez mil euros por mês para usarem as últimas tecnologias educativas. Isto teremos sempre, façamos o que fizermos. Aquilo que precisamos de fazer para mudar as coisas é ter um corpo maioritário de professores competentes e profissionais. Dos outros vamos ter sempre, em qualquer caso.
Isto não é dizer que devemos desprezar os professores que “nasceram com o dom”. Pelo contrário — acho que quem tem talentos superlativos deve colocá-los ao serviço da profissão, ao serviço da comunidade, e a comunidade deve criar-lhes condições para isso, permitindo que sejam eles a dirigir os destinos das coisas. Mas se eles não forem secundados por um número imenso de modestos professores competentes e profissionais, estamos tramados porque nunca conseguiremos criar uma dinâmica de excelência sustentável: teremos aqui e ali ilhas de competência excelente, mas em geral, continuaremos à rasca.
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
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24 comentários:
Ao contrário do que se calhar está à espera deixe-me dar-lhe os parabéns pelo texto. Revela lucidez, maturidade e competência profissional. Mas mais do que isso, ele transporta mensagens subjectivas as quais devem ser descodificadas em abono da verdade! E elas são: o dom em prol da comunidade, a modéstia perante o talento, as condições face à competência, a admiração pela força e em nome do amor. De que paradigama estamos à espera?
O problema é que a tutela impõe tais entraves e complicações àquilo que devia ser a clara missão de ensinar que só os especialmente talentosos conseguem ser minimamente competentes.
Quanto a mim, um dos males do ensino reside no facto do magistério ter deixado de ser uma missão a cumprir com gosto, e dento das capacidades de cada um (dando o melhor de si), para ser um exercício profissional altamente reivindicativo em termos laborais entre o patronato, o Estado, e os empregados, os professores.
De uma forma geral, a reivindicação de massas é cega levando consigo, por arrasto, um rol de coisas justas atrás das quais marcha um cortejo de coisas injustas, como tratar os professores bons e os maus de igual modo. Este fenómeno, de igualar desiguais desmotiva os muito bons e os bons e faz com que os maus ou os muito maus nada façam para melhorar o seu desempenho. Ora a vida, quer se queira ou não, é um palco competitivo em que não deve ser permitido que, por processos de nenhuma ou pouca lisura, os menos aptos ultrapassem os mais aptos através de critérios classificativos em que não são ponderadas todas as situações.
O recente concurso para professor titular é mais um destes aberrantes exemplos , e ainda a procissão vai no adro.
Muito provavelmente, os leitores mais velhos deste blogue estudaram pelos livros de Geologia e Mineralogia do casal Augusto Medina/Natércia Guimarães, que foram meus tios. Ambos adoravam a sua profissão, mas foram apenas dois, entre muitos, dos meus familiares que, com gosto, abraçaram a carreira docente.
Possivelmente hereditária, essa vocação tem abrangido muitas pessoas da minha família, ao longo de 3 gerações, até aos dias de hoje - mas com uma diferença de tomo:
A geração anterior (de que fizeram parte a minha mãe e muitos tios e primos já falecidos), sofria quando se aproximava a idade da reforma - era aos 70 anos, recorde-se!
Hoje, os que estão na casa dos 50-55 anos, só pensam numa coisa: a reforma, como suprema libertação!. E, no entanto, quando abraçaram a carreira docente, fizeram-no de livre vontade (e não como recurso - como se vê, por aí, tão frequentemente)!
O meu filho, actualmente com 30 anos de idade e 5 de docência, ainda está na fase de ter prazer de ensinar.
Durante quanto tempo manterá viva essa chama?
Olá Desidério:
Acho que tocas aí num ponto essencial: a modéstia. Não a modéstia falsa, para depois atirar à cara dos alunos o quanto se sabe sobre uma certa matéria. Falo de modéstia verdadeira, de alguém que sabe o quanto custa adquirir um verdadeiro conhecimento sobre um determinado assunto, e que portanto quer realmente criar condições para que se possa aprender! Da modéstia que faz com que um professor queira melhorar-se constantemente, para que possa partilhar esses conhecimentos da melhor forma.
Lembro-me de um professor, por sinal o melhor de que tive, que leccionava Axiologia Educacional, que era capaz de ficar uma hora ou hora e meia com os alunos depois das aulas a discutir a matéria para que os alunos a compreendessem bem e para que a sua curiosidade não morresse. Infelizmente, ele dizia por vezes que se sentia como o louco da Gaia Ciência, que acendia uma lanterna em plena luz do dia, e ia para a praça dizer que deus morreu; sem que ninguém lhe desse ouvidos...
Cumprimentos,
José Manuel Oliveira.
Completamente de acordo consigo, Desidério. A competência do professor é das coisas mais importantes no desempenho magistral. A simples vocação para a docência pode ser uma arma deveras perigosa quando nas mãos de incompetentes vocacionados para ensinar aos alunos as maiores asneiras científicas.
Agora, parece-me ouro sobre azul haver professores competentes e com vocação para o magistério, para que a acção de ensinar não se transforme numa estucha que leve os professores a contar os anos, os meses ou até os dias que faltam para uma reforma no início da casa dos cinquenta. Para ser mais preciso, em certos casos aos 52 anos de idade. Ou seja na flor da idade.
Aí, a competência vai-se extinguindo como um pequeno coto de vela que se deseja apagada o mais rapidamente possível. Alás, di-lo, e bem, o comentário de Carlos Medina Ribeiro.
Um exemplo, em reforço deste meu ponto de vista? Há casos de professores que compraram anos de reforma sob o pretexto de terem começado a trabalhar em explicações durante a adolescência. Nada mais pernicioso para uma profissão (seja ela qual for) que exercê-la pelos cabelos!
Na 2.ª linha do 2.º $, onde escrevi "estucha", queria escrever "estucho". Aqui fica a devida, e necessária, correcção, com os pedidos de desculpa.
Meus Caros Desidério Murcho e Rui Baptista
Um fez e o outro "baptizou". E, se eu tivesse sido convidado para padrinho deste baptismo, tê-lo-ia sido com muito gosto. Enquanto vos lia, ia pensando em alguns dos meus professores. Desde regentes escolares competentíssimas, até quase sábios que não conseguiam ensinar à altura do seu saber.
Como para tudo na vida, ser professor requer aptidões naturais. A personalidade do candidato a professor deveria pesar tanto na sua aprovação para a carreira quanto os conhecimentos científicos. Sei que é utópico pensar desta maneira, e que as maiores dificuldades seriam a dos critérios de avaliação e a da isenção dos avaliadores. Mas é um sonho...
Caros leitores e caro Rui Baptista
Desculpem-me a correcção, mas se para mim é irrelevante que se escreva "estucha" em vez de "estucho", por lapso de digitação no teclado, o que, aliás, é muito frequente, acontece a todos e não carece correcção, a meu ver, parece-me no entanto que a idade da reforma dos professores deva sim ser corrigida, dos 52 anos (que o Rui escreveu) para os 65 anos (segundo os normativos em vigor).
Cumprimentos. Fátima
Obrigado Fátima pela correcção. Todavia, referia-me, como julguei ser óbvio, a um "statu quo" vigorante até há pouco tempo, em que os professores do 1.º ciclo do ensino básico se podiam reformar aos 52 anos de idade e os dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, apenas, aos 56 anos de idade.E mesmo assim, suspiravam (alguns deles) pela chegada dos 52 ou dos 56 anos para se libertarem do ensino como quem se vê livre de uma canga. É este facto - a desmotivação pelo magistério - que eu quis realçar no meu comentário, principalmente este. Dentro de certos limites, até sou capaz de rever a minha posição. Os 52 anos de idade arrastados pelos corredores das escolas, como quem cumpre uma pena de prisão, até podiam ser demasiados. Sem dúvida, para esses professores os 65 anos de idade vão parecer uma pena de prisão perpétua!
Obrigado pela maneira cordata como expôs a sua opinião e a que eu pretendi corresponder. Quanto ao "estucho", julgo ter sido minha obrigação não me deixar levar na gíria dos que dizem: isto é uma estucha para significar ( mal ), que isto é uma maçada! A diferença não é assim tão pequena que não merecesse a rectificação que entendi por bem fazer num blogue com as caracteísticas do "De rerum natura". "Noblesse oblige"!
Na antepenúltima linha do meu comentário, escrevi "...para significar (mal), que isto é uma maçada". Claro que se encontra aqui uma vírgula a mais. Não quero atribuir ao pobre do teclado, que obedece às minhas ordens, este pequeno "lasus calami". Culpado me confesso.
Caro Rui
Percebo que não levou a mal a minha correcção e, se a fiz não foi por mim, que percebi claramente ao que se referia (não é assim tão distante). Apesar de tudo, a ideia dos 52 ou 56 anos, como refere é falaciosa, porque a idade da reforma era calculada em função do tempo de serviço que era exigido (nos últimos anos de 36 anos de serviço, mas esta também uma medida recente e pouco duradoura), porque como relatou o Carlos Medina Ribeiro nesta mesmo espaço, se recuarmos uma geração, a idade da reforma era aos 70 anos de idade. Por isso, o “tempo das vacas gordas” foi muito curto. Não podemos generalizar e dizer que sempre foi assim, porque na verdade não foi.
Só para completar a minha afirmação anterior de que os 52 e os 56 anos de serviço é uma ideia falaciosa, prende-se também com uma outra ideia errada, a dos 36 anos de serviço exigidos para atingir a idade da reforma (como era recentemente). É de notar ainda que uma grande parte dos professores não os atingia ao fim de 36 anos civis. Basta ter presente os milhares de professores que leccionam longos e longos anos ao longo da carreira com horários incompletos. Como a maior parte das pessoas não sabe como se procede à contagem do tempo de serviço, a título de exemplo e muito resumidamente explico: um professor que tenha leccionado durante um ano lectivo apenas meio horário, também só lhe conta em tempo de serviço, meio ano. Ou seja, o tempo efectivo de serviço é proporcional ao nº de horas leccionadas por ano lectivo. Se o mesmo professor estiver em situações similares vários anos, devemos imaginar ao fim de quantos anos (civis) ele poderá atingir os ditos 36 anos de serviço. Nesta situação estiveram milhares e milhares de docentes, que na melhor das hipóteses, só os atingiram entre os 40 e os 50 anos de trabalho civil.
Como deve perceber, são inúmeros os leitores deste blogue e, apesar de ser um espaço de grande nível cientifico-pedagógico, nem todos têm a obrigação de estar ao corrente da panóplia de normativos que vão emanando da administração central sobre as mais diversas matérias sobre educação e que hoje são uma coisa e amanhã já a não são porque entretanto foram revogados por outros mais "modernos"...
O meu comentário foi apenas a tentativa de um esclarecimento, não me interessa nem “malhar” nos professores, nem defende-los. Os bons serão sempre bons, mesmo com más leis, má gestão de escolas, etc. e maus profissionais há e haverá sempre em qualquer profissão, não é exclusivo do sistema de ensino. Eu sou uma optimista, acredito que podemos sempre melhorar qualquer coisita.
Prezada Fátima:
Confesso-lhe que os meandros legais que presidiam à contagem dos anos de serviço docente são "demasiada areia para a minha camioneta" (passe o plebeímo da imagem). Bem sei, que mesmo com horários completos se torna difícil os anos de serviço contados aos professores corresponderem às contas que eles próprios fazem. Que venha o primeiro que se não queixe de tal!
Mas um facto que tenho como indesmentível é que no antigo estatuto da carreira docente (recentemente derrogado) bastavam 52 anos de idade e uns tantos de serviço (que não tenho de memória) para os professores do 1.º ciclo se reformarem e 56 anos para os professores dos outros graus de ensino não superior.
"Ipso facto", a minha intenção foi apenas (ou principalmente) chamar a atenção para a questão desses anos de serviço constituirem um fardo para os professores que viam na reforma (aos 52 ou 56 anos de idade)uma libertação, em contraponto com aqueles, de gerações anteriores, que aos 70 anos de idade se viam obrigados a uma reforma compulsiva que representava "um sofrimento para quem abandonava o magistério", como bem refere Carlos Medina Ribeiro no seu comentário de hoje, às 12:04.
Claro que as questões laborais deixo-as para os sindicatos. Ao contrário, o gosto ou não pela doação ao ensino (pese embora todas as viscitudes actuais a ele inerentes) é uma questão com reflexos positivos ou negativos sobre os alunos: um professor desmotivado pode motivar os alunos?
Estamos plenamente de acordo quando me diz que há bons e maus professores como em todas as profissões. Pena é que também aqui, no exercício da docência, por uma avaliação deficiente (em que eu não descortino melhorias substanciais no actual estatuto da carreira docente!), encontre guarida o desencanto do Vate da nossa Epopeia Marítima: "Os bons vi sempre passar / No mundo graves tormentos; / E para mais me espantar / Os maus vi sempre nadar / Em mar de contentamentos".
De igual modo, os que mais estudaram, os que mais investiram na sua formação com sacrifícos económicos, os que mais se aplicaram em noites insones agarrados aos livros, concorriam para o ensino com outros com menos tudo...e que lhes passavam à frente em concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico só porque da sua carta de curso universitária constava menos um valor que os valores constantes de diplomas do ensino politécnico.
Julgo (embora a opinião de cada um valha o que vale) que ambos tivemos uma boa oportunidade de expor pontos de vista, com a desejável eleveção e em que, como na letra da canção do Rui Veloso, "é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa"! Ou não?
Mais uma gralha: na penúltima linha do último $, onde está escrito "eleveção" deveria estar escrito elevação.
Caro Rui
Obrigada pelas suas palavras:
"é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa"!
Concordo plenamente. É pena que em ambientes académicos, por vezes não se consiga tal elevação como preconiza e a qual subscrevo. Nestas questões de educação, por norma, as discussões são muito acessas, ou seja, quem defende um posicionamento, uma ideia, acaba por adoptá-los como dogmas (o que acho péssimo), não se deixando espaço para a discussão livre de ideias de forma despreconceituosa, é pena.
O Rui acaba de enunciar um outro problema e que se prende com a excelência e os padrões de qualidade do Ensino Superior. Mas sobre este assunto não me vou pronunciar, há pessoas neste blogue que estão mais por dentro desses meandros do que eu e que poderão firmar ou infirmar a sua afirmação «De igual modo, os que mais estudaram, os que mais investiram na sua formação com sacrifícos económicos, os que mais se aplicaram em noites insones agarrados aos livros, concorriam para o ensino com outros com menos tudo...e que lhes passavam à frente em concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico só porque da sua carta de curso universitária constava menos um valor que os valores constantes de diplomas do ensino politécnico».
Fica o desafio aos colaboradores do blog de pegar na "deixa" de escrever um post sobre PADRÕES DE QUALIDADE E EXCELÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR.
Ao Rui, os melhores cumprimentos.
Fátima
Prezada Fátima:
Obrigado pelas suas amáveis palavras que julgo me ter esforçado por merecer. Quanto à Fátima afirmo sem rebuço que mereceu todos os elogios que lhe endossei pela forma correcta como conduziu esta amigável discussão de que ambos julgo muito termos aproveitado: eu aproveitei, sem sombra de dúvida.Mais uma concordância entre nós e que penso que os leitores deste blogue também subscrevem: "O desafio aos colaboradores do blog de pegar na "deixa" de escrever um post sobre padrões de qualidade e excelência no ensino superior". Aos colaboradores deste post cabe a última palavra: o seu cavalheirismo não deixará de satisfazer o pedido de um Senhora. Há normas de cortesia que as poeiras do tempo não apagaram, felizmente!
À Fátima, as minhas homenagens, os mais cordiais cumprimentos e os votos que o seu desafio de os colaboradores pegarem na "deixa" seja satisfeito. Até pelo indubitável interesse que ele tem. Saberei estar atento para nele participar na medida em que julgo ter essa obrigação por ter levantado a lebre!
Rui
Caros leitores
A todos o muito obrigado pelos interessantes comentários.
A minha experiência como professor no ensino superior português é praticamente nula, excepto uma breve passagem pela Escola Superior de Comunicação de Lisboa. Como estudante na Universidade de Lisboa, contudo, assisti ao mais puro amadorismo ignorante, salvo raras excepções. E em grande parte isso deve-se precisamente, penso, ao que referi no meu artigo: ao desprezo pela competência. Cada qual apresentava ademanes de génio superlativo, quando na realidade nem meros professores minimamente competentes eram capazes de ser. Mas sobre este desagradável assunto já escrevi no artigo "A Interrupção Voluntária do Pensamento", que pode ser encontrado na Crítica: criticanarede.com.
Caros Fátima e Rui Baptista
Peço desculpa a ambos, mas depois de ler os vossos comentários, confesso que me apetece perguntar:
Vai um cházinho? :)
Se bem entendi, após ler o post, a ideia é desviarmos a atenção da excelência e concentrá-la na incompetência, para ver se deixamos de andar à rasca com a educação, não é?
Não tenho nada contra a excelência, mas penso que já chega de enterrar a cabeça na areia.
Espero que não me interpretem mal, pois tenho a certeza que concordam comigo.
guida martins
Cara Guida
Deve ter interpretado mal os meus comentários, não foi minha intenção aludir à incompetência. O esclarecimento que procurei dar veio no seguimento de uma afirmação do leitor Rui e prendia-se com questões laborais de outro teor. Na verdade, no último comentário fiz alusão a padrões de excelência e qualidade no ensino (o que é precisamente o oposto). E é preciso tê-los bem claros, a nível do sistema educativo, a nível de escola e a nível pessoal (cada professor). Não estão, mas devem estar… a meu ver, muita da incompetência revelada por alguns professores tem origem, entre muitas outras coisas, na falta de clareza das regras do jogo (e muitas das vezes contraditórias) que os sucessivos sistemas de ensino vão empurrando para as escolas e que são informadas por modas pedagógicas. É verdade que os professores erram, é preciso admiti-lo, assim como um médico pode errar quando efectua uma cirurgia ou faz um diagnóstico errado de doença, e em outras profissões passa-se a mesma coisa. Aquilo que eu acho, e a investigação neste campo pode firmá-lo é que nós podemos melhorar sempre o nível de competência, corrigir os erros, prevê-los, alterar as situações… atingir níveis de competência mais elevados, atingir níveis de excelência e qualidade… e isso, não é um mal, nem uma fatalidade se os erros estiverem contemplados na formação/educação. A investigação nesta área diz que não é possível eliminar o erro da acção profissional, mas é possível prevenir, detectar, remediar e superar alguns erros.
Mas o saber profissional não sobrevive à sombra da dita vocação (seria excelente que todos os profissionais tivessem vocação para o seu ofício), ele progride ancorado na lógica científica, no trabalho, no esforço, em muito estudo, investigação/reflexão… para procurar ser cada vez mais competente. A excelência não se atinge só com professores vocacionados, como falou a Professora Helena, ou com as tais ilhas de excelência de que falou o Desidério, é com a mediania, que a final, e a grosso modo, é a maioria. A formação de excelência a que temos o direito receber no nosso percurso académico, também influencia imenso. Como diz o ditado “ninguém pode dar o que não possui”, não é verdade!
É preciso é estarmos todos muito atentos para vermos o que é que podemos fazer para melhorar qualquer coisita, porque criticar não chega. As opiniões valem o que valem, e por vezes valem muito pouco. É preciso apresentar alternativas ao que consideramos errado. O que nós precisamos no Sistema de Ensino Português é de medidas congruentes, porque qualquer dia os professores fazem de tudo um pouco, menos desempenhar a sua função que é ENSINAR. E para ser competente nesta função é preciso ter tempo para: estudar, ler os melhores livros e artigos científicos publicados na sua área científica, fazer investigação, partilhar os resultados, procurar alternativas, etc, etc. Mas como deve saber, a Tutela não lhe interessa que o professor faça formação e aperfeiçoe os seus conhecimentos, e por isso, ocupa-lhe todo o tempo extra-lectivo, com actividades (muito importantes mas noutro sítio, não na escola) que não têm nada a ver com a função principal da escola que é ensinar (o professor é babysiter, psicólogo, pai e mãe, assistente social, protector, tutor, animador e mais umas quantas designações… que lhe dão muito trabalho na escola e em alguns caso TPC para as preparar, e talvez lhes sobre pouco tempo para preparar bem as aulas… e tempo para a família?... Mas voltando à questão da competência, quero acrescentar que o professor precisa de tempo para investir na sua formação, para ser bom professor, não basta fazer uma Licenciatura, nem ter vocação. É isso que o actual ME não quer perceber e resolve as coisas com medidas economicistas, ou procura o caminho mais fácil: põe os professores a fazer formação à noite em horário pós-laboral, aos fins de semana ou nas férias, cada qual que se desenrasque, e se tem filhos pequenos bem os pode entregar ao cuidado dos vizinhos ou de estranho e que pague se quiser. Naturalmente que a maioria dos professores recusa-se a fazer toda a formação que vá para além do “obrigatório”, imposto legalmente e isso é zero. 25horas de formação por ano é igual a nada. Por aí a (in)competência ficará sempre ao mesmo nível. É claro que os professores neste ponto têm razão, as medidas são erradas e más. Mas eu, pessoalmente não sigo cegamente medidas, nem modas, acho que quando uma lei não é boa e não ajuda a melhorar, o melhor mesmo é contorná-la. "Os alunos merecem tudo" dizem os Professores Steiner e Ladjali, ainda que isso implique muitas vezes fazer o contrário das orientações curriculares. Mas fico-me por aqui que já me alonguei.
Prezada Guida Martins:
1.Começo pelo fim do seu comentário. Respondo apenas por mim, como é óbvio: sem sombra de dúvida que concordo consigo.
2. Quanto à excelência nada tenho contra ela (bem pelo contrário!): só não defendo que um escasso número de professores excelentes tenha como lastro milhares de professores medíocres. Parece não pensarem assim, os sindicatos quando defendem uma igualdade entre desiguais, o que desmotiva os bons e dá uma sensação de impunidade aos maus.
3. Embora se ironize com a profissão de economista - como se ironiza, aliás, com a de professor (“quem sabe faz, quem não sabe ensina!”) -, dizendo que “o economista leva metade do tempo a dizer o que vai acontecer e outra metade a dizer o motivo por que não aconteceu”, menos susceptível de erro foi a atitude dos diversos responsáveis pelo ministério da Educação que sempre esconderam um facto que saltava à vista de toda a gente: o do desemprego dos professores vir a atingir as proporções catastróficas que atingiu (mesmo tomando em linha de conta o decréscimo previsível da natalidade num país em declarada crise económica).
4.Só tardiamente a actual ministra da Educação reconhece, com inefávl candura, que este fenómeno se ficou a dever a uma economia de mercado em que a oferta excede a procura. E assim alija ela das costas uma responsabilidade que, verdade seja dita, cabe na maior parte aos seus antecessores.
Os avisos que ao longo dos anos foram sendo deixados apontavam, em tempo de ainda serem tomadas as devidas e atempadas medidas, para o facto do flagelo do desemprego vir a cair, qual impiedoso cutelo sobre a cabeça de milhares de professores e suas famílias.
5.Sem me citar a mim próprio (embora com testemunhos escritos de sobejo para o fazer, desde 88), recorro ao testemunho do Prof. Sérgio Rebelo, da Universidade Católica, quando, com amarga verve, lança um verdadeiro grito de alarme sobre ocrescimento anárquico do ensino superior: “Onde antes havia uma pastelaria ou uma mercearia, hoje tende a haver uma universidade ou uma escola superior, onde ontem se compravam pastéis de nata e garrafas de groselha, hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos” (“Revista Exame”, 4. Nov. 96).
6. As estatísticas portuguesas a crescerem exponencialmente sobre a percentagem de licenciados nacionais, relativamente às dos outros países da Comunidade Europeia, satisfaziam o ego lusitano! Daí surgirem faculdades e escolas superiores (boas, más ou assim-assim) todos os dias como cogumelos em terreno húmido sob o olhar complacente e bem-aventurado da respectiva tutela!
7. Quando me aprestava a colocar o meu comentário dei de caras com o da Fátima que bem dispensava o meu, pelo valor dos argumentos apresentados e pela forma sentida como se nota ter sido redigido. Mas, como já estava feito aqui o deixo a uma frondosa sombra que colhe a minha entusiástica concordância.
Caros Rui Baptista e Fátima
Muito obrigada pelos vossos comentários.
Reparei que ambos referiram outras classes profissionais e lembrei-me que muitas têm em comum, para além dos sindicatos, as respectivas ordens profissionais, que entre outras coisas, servem para elevar a competência das suas medianias. Não faço ideia se caso existisse uma Ordem dos Professores, teríamos ou não os mesmos problemas com a educação, fica-me a dúvida.
guida martins
Prezada Guida;
Ainda bem que toca no assunto. Sou presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL), embora discordante de uma frente sindical de 14 (catorze, sim, não é engano!) sindicatos, que têm compartimentado a profissão docente a questões meramente laborais em que o Estado assume o papel de patrão/papão (e que bem ele o desempenha!) e os professores o de empregados, numa luta de verdadeiro braço de ferro com a ministra da Educação (aliás, de uma teimosia que não leva a nado nenhum: o ensino tem andado de mal a pior, se possível).
Sobre a Ordem dos Professores tenho sido o rosto mediático da sua criação, através dos media. Dessa saga dou conta no meu livro "Do Caos à Ordem dos Professores", (edição do SNPL, Janeiro, 2004).Inclusivamente o próprio SNPL apresentou uma petição nesse sentido, subscrita por 7865 docentes, que foi discutida na Assembleia da República, em 2 de Dezembro de 2005, que não chegou ser posta a votação. Mas isso são contos bem largos que podem ser lidos num meu artigo, a página inteira (demonstrativo do seu interesse público), publicado no Jornal de Notícias, em 8 de Março de 2006, intitulado "Ordem dos Professores e AR".
É verdade, como refere, que outras profissões já criaram as suas ordens profissionais (creio que 11), encontrando-se na calha a criação da Ordem dos Psicólogos que também tem sido vítima de atrasos sucessivos. Rápida, rápida foi a criação da Ordem dos Enfermeiros!
Um caso bem sintomático reside no número escasso de sindicatos que as ordens profissionais já criadas têm em comparação com os 14 sindicatos dos professores que, com excepção de uns poucos, querem continuar a exercer funções que devem ser desempenhadas por associações públicas, caso das ordens profissionais,tendo como objecto, v.g., atribuir o título profissional, regulamentar o exercício da profissão, zelar pela dignidade e prestígio da profissão e estabelecer um código deontológico.
Claro que uma Ordem dos Professores está longe de ser uma milagrosa panaceia para todos os males que afligem o exercício profissional dos docentes. Mas, pelo menos, atribuiria à própria classe funções que têm sido desempenhadas pelo Estado com deagrado da maioria dos professores, principalmente, por aqueles que entendem ter maturidade suficiente para se auto- regularem. Obrigado pela sua oportuna intervenção: "alea jacta est!"
Confirmo a existência de 11 ordens profissionais: dos Advogados, dos Arquitectos, dos Biólogos, dos Economistas,dos Enfermeiros, dos Engenheiros,dos Farmacêuticos,dos Médicos, dos Médicos Dentistas, dos Médicos Veterinários e dos Revisores Oficiais de Contas.Para além das ordens profissionais atrás mencionadas, há as câmaras dos Técnicos Oficiais de Contas e dos Solicitadores.
Todos, ou quase todos, merecem a confiança das respectivas tutelas para se auto-regularem, os professores não. Os professores há muitos anos (há muitos ministros também) que se adaptam a todas as imposições de um conjunto de reformas que me abstenho de adjectivar. Uma Ordem de Professores poderia caír na tentação de propôr um plano educativo (a sério) para um período superior ao da legislatura governativa e retirar protagonismo aos partidos da alternância.
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