Um argumento de autoridade é um argumento baseado na opinião de um especialista. Os argumentos de autoridade têm geralmente a seguinte forma lógica (ou são a ela redutíveis): «a disse que P; logo, P». Por exemplo: «Aristóteles disse que a Terra é plana; logo, a Terra é plana». Um argumento de autoridade pode ainda ter a seguinte forma lógica: «Todas as autoridades dizem que P; logo, P».
A maior parte do conhecimento que temos de física, matemática, história, economia ou qualquer outra área baseia-se no trabalho e opinião de especialistas. Os argumentos de autoridade resultam desta necessidade de nos apoiarmos nos especialistas. Por isso, uma das regras a que um argumento de autoridade tem de obedecer para poder ser bom é esta:
1) O especialista (a autoridade) invocado tem de ser um bom especialista da matéria em causa.
Esta é a regra violada no seguinte argumento de autoridade: «Einstein disse que a maneira de acabar com a guerra era ter um governo mundial; logo, a maneira de acabar com a guerra é ter um governo mundial». Dado que Einstein era um especialista em física, mas não em filosofia política, este argumento é mau.
Contudo, apesar de Marx ser um especialista em filosofia política, o seguinte argumento de autoridade também é mau: «Marx disse que a maneira de acabar com a guerra era ter um governo mundial; logo, a maneira de acabar com a guerra é ter um governo mundial». Neste caso, é mau porque viola outra regra:
2) Os especialistas da matéria em causa não podem discordar significativamente entre si quanto à afirmação em causa.
Dado que os especialistas em filosofia política discordam entre si quanto à afirmação em causa, o argumento é mau. É por causa desta regra que quase todos os argumentos de autoridade sobre questões substanciais de filosofia são maus: porque os filósofos discordam entre si sobre questões substanciais. Poucas são as afirmações filosóficas substanciais que a generalidade dos filósofos aceitam unanimemente e por isso não se pode usar a opinião de um filósofo para provar seja o que for de substancial em filosofia. Fazer isso é falacioso.
Os seguintes argumentos contra Galileu são igualmente maus: «Aristóteles disse que a Terra está imóvel; logo, a Terra está imóvel» e «A Bíblia diz que a Terra está imóvel; logo, a Terra está imóvel». O primeiro é mau porque nem todos os grandes especialistas da altura em astronomia, entre os quais se contava o próprio Galileu, concordavam com Aristóteles; o argumento viola a regra 2. O segundo é mau porque os autores da Bíblia não eram especialistas em astronomia; o argumento viola a regra 1.
Considere-se o seguinte argumento: «Todos os especialistas afirmam que a teoria de Einstein está errada; logo, a teoria de Einstein está errada». Qualquer pessoa poderia ter usado este argumento quando Einstein publicou pela primeira vez a teoria da relatividade. Este argumento é mau porque é derrotado pela força dos argumentos independentes que sustentam a teoria de Einstein. A regra violada é a seguinte:
3) Só podemos aceitar a conclusão de um argumento de autoridade se não existirem outros argumentos mais fortes ou de força igual a favor da conclusão contrária.
A regra 2 é redundante relativamente a 3. Não se aceita um argumento de autoridade baseado num filósofo quando há outros argumentos de igual força, baseados noutro filósofo, a favor da conclusão contrária. Mas 3 abrange o tipo de erro presente no último argumento sobre Einstein, ao passo que 2 não o faz. No caso do argumento de Einstein, o erro consiste no facto de o argumento de autoridade baseado em todos os especialistas em física ser mais fraco do que os próprios argumentos físicos e matemáticos que sustentam a teoria de Einstein.
Considere-se o seguinte argumento: «O psiquiatra X defende que toda a gente deve ir ao psiquiatra pelo menos três vezes por ano; logo, toda a gente deve ir ao psiquiatra pelo menos três vezes por ano». Admita-se que todos os especialistas em psiquiatria concordam com X, que é um grande especialista na área. A regra 3 diz-nos que este argumento é fraco porque há outros argumentos que colocam em causa a conclusão: dados estatísticos, por exemplo, que mostram que a percentagem de curas efectuadas pelos psiquiatras é diminuta, o que sugere que esta prática médica é muito diferente de outras práticas cujo sucesso real é muitíssimo superior. Além disso, este argumento viola outra regra:
4) Os especialistas da matéria em causa, no seu todo, não podem ter fortes interesses pessoais na afirmação em causa.
Quando Einstein afirma que a teoria da relatividade é verdadeira, tem certamente muito interesse pessoal na sua teoria. Mas os outros físicos não têm qualquer interesse em que a teoria da relatividade seja verdadeira; pelo contrário, até têm interesse em demonstrar que é falsa, pois nesse caso seriam eles a ficar famosos e não Einstein. Mas nenhum psiquiatra tem interesse em refutar o que diz X. E, por isso, a sua afirmação não tem qualquer valor — porque é a comunidade dos especialistas, no seu todo, que tem tudo a ganhar e nada a perder em concordar com X.
Os argumentos de autoridade são vácuos ou despropositados quando invocam correctamente um especialista para sustentar uma conclusão que pode ser provada por outros meios mais directos. Por exemplo: «Frege afirma que o modus ponens é válido; logo, o modus ponens é válido». Dado que a validade do modus ponens pode ser verificada por outros meios mais directos (nomeadamente através de um inspector de circunstâncias), este argumento é vácuo ou despropositado. Os argumentos de autoridade devem unicamente ser usados quando não se pode usar outras formas argumentativas mais directas.
Finalmente, note-se que nenhum argumento é verdadeiro ou falso, tal como nenhum conjunto de bananas tem casca; as bananas têm casca, mas não os conjuntos de bananas. Do mesmo modo, a verdade aplica-se às proposições que constituem os argumentos, mas não aos próprios argumentos porque estes são conjuntos de proposições. Os argumentos são válidos ou inválidos, além de poderem ser interessantes ou não, mas não podem ser verdadeiros nem falsos. E as proposições são verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas. Quem não compreende isto, não sabe o que é um argumento. Tal como não sabe o que é um conjunto de bananas quem pensar que esse conjunto tem casca.
18 comentários:
Um texto excelente. Só queria ressalvar que a maioria dos argumentos religiosos, aqueles que não se pronunciam sobre comportamentos, parecem ser precisamente de autoridade no bom sentido.
O problema dos argumentos de autoridade é haverem autoridades e "especialistas" para tudo. Depois vem-se usar como argumentos de autoridade posições de "especialistas" em IDiotice...
A este propósito, permito-me evocar a frase de Einstein profesrida quando viu um abaixo-assinado de cem sábios alemães contra a teoria da relatividade:
"Porquê cem? Se eu estivesse errado, um só chegava!.."
Todos os argumentos de autoridade são falsos argumentos. Porque um argumento de autoridade não é "um argumento baseado na opinião de um especialista", mas a invocação do nome de um ou mais especialistas como argumento (o que me parece distinto). Se eu disser: "como disse Einstein, ou a Bíblia, tal" o que estou a fazer é fazer meu (e universal) um conceito ou uma opinião sem necessidade de argumentar. Por isso é que se chama "argumento de autoridade". O que é distinto de essa opinião ou conceito alheios poderem eventualmente estar correctos (mas aí não basta nomear o autor, tem que se argumentar, eventualmente seguindo as respectivas explicações). Penso eu.
Este parece-me um post interessante até pela sua aplicação prática. No fundo nos meios académicos hoje, quando fazemos um trabalho, um artigo, uma tese, fazemos imensas citações. Cada citação é no fundo um argumento de autoridade, é escusarmo-nos a demonstrarmos nós algo, alicerçado na opinião/tese de outrém que foi publicada noutro local. Se eu escrevo algo sustentado por 10 autores diferentes, estou no fundo a fazer um pequeno melting pot de dez argumentos de autoridade. A questão que se começa a colocar, mais do que demonstrar novas coisas a partir do zero (ainda se faz isso?) é que hoje em dia, os trabalhos de investigação são acima de tudo selecções de trabalhos anteriores para conduzirem a novos trabalhos, que posteriormente serão citados e assim sucessivamente. E que critério uso eu para escolher o argumento de X no meu trabalho quando Y publicou outro ligeiramente diferente mas tão ou mais credível, porque ambos subjectivos? Isto em arte ou filosofia é muito comum. Num trabalho porque me convém uso a definição de bela arte de Kant e noutro a de Donald Judd? Quem será mais habilitado? Quem poderá depois pôr o meu trabalho em causa? Será que se alguém "retirar" o seu argumento de autoridade algum dia, todos os que o citaram caem como castelos de cartas?...
O argumento de autoridade, enquanto argumento, é sempre falso. Não é porque alguém defende algo que isso se torna necessariamente verdade.
A grande virtualidade do argumento de autoridade é sintetizar o discurso por referência a outros discursos, que se supõe conhecidos.
sinceramente, tanta palavra para quê?
subscrevo o Marvl, o argumento de autoridade é sempre um mau argumento, porque não é o que afirma mas sim quem o afirma que é suposto qualificar o argumento.
especialmente em ciências exactas ou mesmo na quase-exacta física, não há argumento que vingue apenas pelo simples facto de ser "de autoridade"
só para esclarecer: não é que o argumento seja mau, simplesmente não é bom porque X o afirma, quer seja especialista ou não
se o receptor não é especialista, baixa as orelhas
mas pelo menos vá estudar o assunto para casa
o que acontece geralmente é que os argumentos de autoridade gozam de popularidade por não ser provável estarem errados
no entanto, para coisas sérias (ciência), é essencial verificar sempre!
O Desidério critica os argumentos de autoridade. Mas há uns tempos atrás, quanto todos os outros argumentos se mostraram improcedentes, não hesitou em usar o argumento de que já que hoje até o Papa acredita na teoria da evolução, também os criacionistas bíblicos deviam acreditar.
O criacionismo bíblico baseia-se, efectivamente, na autoridade de Deus e da sua palavra. Isso só é um mal para quem a priori rejeita a autoridade de Deus e da sua Palavra.
Essa aceitação baseia-se na fé, mas não se trata de uma fé cega.
Ela parte aceita que Deus existe e revelou-se ao longo da história da humanidade.
Dessa revelação ficou-nos o relato bíblico, constituído por 66 livros, redigidos por mais de 40 autores, ao longo de mais de 1500 anos.
Aí podemos encontrar a revelação consistente de Deus.
A Bíblia tem resistido estoicamente á crítica, mesmo quando ela parecia devastadora. Quase todos os dias a arqueologia confirma a Bíblia e refuta os seus detractores.
O relato bíblico nunca pretende demonstrar filosoficamente a existência de Deus. Deus dá-se a conhecer em pessoa, o que dispensa especulações filosóficas.
Deus apresenta-se como “Eu Sou o que Sou”.
O relato bíblico apresenta Deus como Criador dos céus e da Terra, tendo criado tudo de forma sobrenatural, racional, metódica e num tempo humanamente adequado.
Assim se compreendem as complexas interrelações de todo o Universo e a sua sintonia precisa para a vida. O princípio antrópico, ou as coincidências antrópicas, mais não são do que uma evidência do carácter racional e metódico da criação de Deus.
O mundo é o produto de uma criação racional e não do acaso.
A Bíblia apresenta um Deus vivo, pessoal, infinito, eterno, espiritual, omnipotente e omnisciente, criador da vida, das pessoas, do espaço, do tempo, da matéria, da energia e da informação.
Na semana da criação operaram forças que não estão em operação actualmente.
Hoje temos apenas leis de conservação da matéria e da energia, não de criação.
A lei da entropia mostra-nos que a ordem existente na Criação era maior do que a que existe hoje.
Também isso atesta a racionalidade da criação.
Assim se compreende as quantidades inimagináveis de informação e meta-informação contidas no DNA em múltiplos códigos paralelos.
Elas confirmam que, para funcionar, o DNA tinha que existir perfeito e integrado desde o primeiro momento.
A redente tomada de consciência, pelos astrofísicos, singularidade do sistema solar e da Terra, que leva alguns autores a proporem uma nova revolução coperniciana de sentido contrário (Science et Vie, Outubro 2008), corrobora inteiramente o lugar que a sua criação ocupou na semana da criação.
A Bíblia afirma que Deus criou as espécies animais e vegetais bem definidas e o Homem à sua imagem e semelhança, dotado de competência racional e moral-prática, bem como de criatividade.
Ontem como hoje, plantas, animais e seres humanos sempre coexistiram e se reproduziram de acordo com a sua espécie.
Além disso, criou o Homem com a capacidade de estabelecer voluntariamente uma relação pessoal com Deus.
Daí que a vida só venha da vida, que todas as espécies se reproduzam de acordo com a informação genética que nelas se contém e que o ser humano seja qualitativamente diferente de todos os animais, dotado de linguagem, consciência, sentimentos morais e engenho inventivo e criativo.
A Bíblia afirma que o ser humano pecou e que isso afectou toda a natureza humana e não humana.
Desde então, a morte, a doença, o sofrimento, as catástrofes naturais e a crueldade predatória passaram a ser uma parte integrante do mundo.
Assim se compreendem as mutações, que são cumulativas e degenerativas. Elas destroem informação genética pré-existente.
Existem mais de 900 doenças do corpo humano por causa de cerca de 9000 mutações identificadas no genoma humano. Actualmente os investigadores procuram estudar os efeitos de cerca de 3500 mutações.
A doença Progeria, por exemplo, baseia-se, segundo dizem, numa única mutação.
A Bíblia diz que a proliferação da violência sem limites levou Deus a destruir o mundo antigo através de um dilúvio global.
Daí as grandes camadas de sedimentos, de dimensão intercontinental, e os triliões de fósseis que encontramos nos cinco continentes, juntamente com toda a evidência de catastrofismo na geologia que os presentes modelos de tectónica de placas não conseguem explicar cabalmente.
A partir daí compreendemos a dispersão de todos os animais e pessoas, dando origem a fenómenos de variação, selecção natural, adaptação e especiação, no mundo animal, e ao surgimento das diferentes nações e civilizações, dentro da espécie humana.
A origem das civilizações e da respectiva historiografia, é muito recente, tendo escassos milhares de anos.
As estatísticas demográficas são inteiramente consistentes com o crescimento da população de Noé até aos nossos dias dentro de taxas de crescimento inteiramente razoáveis.
Mas a Bíblia afirma que Deus escolheu um homem, Abraão, um Povo, Israel, e uma região, a Palestina.
Ou seja, estamos perante um Deus pessoal, bem referenciado do ponto de vista histórico e geográfico, por muitas implicações que isso possa ter ainda hoje, não necessariamente as mais politicamente correctas.
A verdade é que a questão de Israel e de Jerusalém continua hoje, como desde Génesis até ao Apocalipse, no centro das atenções mediáticas.
Isso é mais do que suficiente para separar o Deus de Israel de outras “réplicas”, como Zeus, Júpiter, Thör, etc. Podemos e devemos “matar” estes deuses à vontade, mas o Deus de Abraão, de Isaque e Jacó sempre o teremos connosco.
Além disso, a Bíblia afirma que Deus encarnou em Jesus Cristo, com o objectivo de levar sobre si as consequências do nosso pecado.
Ele deveria ser o Salvador da Humanidade.
Daí que Jesus Cristo, apesar de ter nascido numa estrebaria e sido deitado numa mangedoura, como se celebra no Natal, tenha surpreendido os seus contemporâneos com actos reveladores de poderes sobrenaturais, reveladores da sua divindade, e com a sua morte na cruz e ressurreição física, aspectos pormenorizadamente relatados, com indicações pessoais e geográficas precisas, por pessoas humildes, sem qualquer motivação lucrativa.
Pelo contrário, muitos pagaram com a própria vida o terem sido testemunhas da ressurreição de Cristo.
Jesus Cristo foi, sem dúvida, a personalidade com mais impacto na história universal.
Esse impacto continua hoje, dois mil anos depois do seu nascimento.
Esse Deus só pode ser aceite pela fé, que é, ela mesma, um dom do próprio Deus. Mas não se trata de uma fé cega.
Existe mais evidência histórica de que Jesus Cristo fez milagres, morreu e ressuscitou dos mortos, do que de que o Universo susgiu do nada e a vida surgiu da não vida.
Ela pode ser amplamente corroborada pelos factos reais, na medida em que se trata de um Deus real, criador do mundo real e participante da história real.
O Criacionismo, além de obviamente errado, é entediante. Mesmo assim quero agradecer a Perspectiva: os seus comentários são uma fonte inesgotável de falácias - maus argumentos de autoridade e petições de princípio, por exemplo. O que é muito útil para quem dá aulas de Lógica no Secundário
matarbustos,
«especialmente em ciências exactas ou mesmo na quase-exacta física»
Se não considera a Física uma ciência exacta (e eu não estou a dizer que discordo) então para si quais são as ciências exactas que refere implicitamente?
exaluno
as matemáticas (uso plural por respeito à vastidão da disciplina)
... e mais nenhuma :)
mas atenção, eu embirro com a palavra "exacta" em "ciências exactas" mas nada de grave, é uma questão do nome que pomos às coisas que definimos
é como preferir "princípio da indeterminação" a "princípio da incerteza"...
Parece-me coerente embora chamar ciência à(s) Matemática(s) seja discutivel quanto a mim.
Pois bem, professor Desidério Murcho asseguro vos que a lógica é o melhor recurso.
Sorria.
Nenhum argumento humano, por mais lógico que seja, conseguirá abarcar Deus.
O "gran finale" está determinado. Sinto muito pelo caminho da lógica ele se esgota por si mesmo.
Quem bom que disse. valeu por todo texto.
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