sexta-feira, 4 de novembro de 2011

TINTIM E A CIÊNCIA


Minha crónica no "Sol" de hoje:

Agora, que Tintim saiu das páginas da banda desenhada para entrar, em três dimensões, no grande ecrã, através da câmara do realizador norte-americano Steven Spielberg, é oportuno lembrar que são muitas e variadas as conexões entre o famoso personagem criado pelo desenhador belga Hergé (pseudónimo de Georges Remi) e o mundo da ciência.

O álbum A Estrela Misteriosa, que foi publicado em 1942, na Bélgica ocupada pela Alemanha nazi, trata da queda na Terra de um meteorito, no qual tinha sido detectado um elemento químico novo. Para o estudar é constituída uma Comissão Internacional de Sábios, que apenas inclui cientistas alemães e de países neutros, como era o caso de Portugal e da Suécia. A expedição, que viaja sob a bandeira de um Fundo Europeu de Pesquisas Científicas, muitos anos antes de haver instituições científicas pan-europeias, inclui um investigador português, o Prof. Pedro João dos Santos, que Hergé designa por “célebre físico da Universidade de Coimbra”. Como o autor de Tintim não raro se inspirava em factos e personagens reais, é curioso referir que na época ensinava em Coimbra o Prof. João de Almeida Santos (1906-1975), que mais tarde seria Director do Laboratório de Física. O rosto de outro membro da expedição, o sueco Erik Björgenskjöld, “autor de notáveis trabalhos sobre as protuberâncias solares”, parece inspirado no do Prof. Auguste Piccard (1884-1982), um notável cientista suíço que trabalhou em Bruxelas e que, conforme o próprio Hergé admitiu, foi o modelo para a criação do Prof. Girassol, personagem que só surgiu em O Tesouro de Rackham o Terrível, sequela de O Segredo de Licorne, o livro que deu o título ao filme de Spielberg. O argumento deste filme baseia-se precisamente no conjunto dessas duas obras, respectivamente de 1943 e de 1944, portanto imediatamente subsequentes à Estrela Misteriosa (Spielberg também usa O Caranguejo das Tenazes de Ouro). O Prof. Piccard protagonizou descidas submarinas a grande profundidade, a bordo de um batiscafo de sua autoria, e também ascensões à estratosfera, a bordo de balões especiais, pelo que foi, no seu tempo, um dos homens que mais fundo desceu e que mais alto subiu. Um batiscafo em forma de tubarão, pilotado por Tintim, aparece premonitoriamente n’O Tesouro de Rackham o Terrível.

A dupla de detectives Dupond e Dupont, divertidas figuras dos livros de Hergé e do filme de Spielberg, também já aparece em A Estrela Misteriosa, ainda que de relance. Os dois não têm nada, mas mesmo nada, de sábios, embora acompanhem Tintim e o Prof. Girassol na expedição à Lua, representada nos álbuns Rumo à Lua e Explorando a Lua, publicados respectivamente em 1953 e 1954. Esses livros descrevem uma viagem ao nosso satélite natural a bordo de um foguetão aparentado ao V2 germânico, muitos anos antes do voo da Apollo 11.

2 comentários:

Gabriel Oliveira disse...

Professor,
trata-se de mero interesse científico, ou revela aqui também uma paixão pela BD? Só de Hergé, ou mais abrangente? E que tal Pratt? Escondem-se ciências e "outros saberes" nos livros de Hugo Pratt, em particular nos seus "Cortos"? Não me refiro apenas aos dados históricos (aí, sabe-se que Hugo Pratt aprofundava estudo sobre o que escrevia e desenhava), mas a outros pormenores dos livros. Já vi, há muitos anos, algo sobre isso, mas perdi-lhe completamente o rasto. Segundo o tal artigo, haviam evidentes conhecimentos de astronomia, náutica, do contexto maçónico, de físcia e de história (entre outras) nas obras de Hugo Pratt. Diz-lhe alguma coisa?

Cláudia S. Tomazi disse...

Leva aos visionários esta sensível diferença, "a competência é leitura"
portanto literatura, acertadamente doutor Carlos Fiolhais.

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