sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Três questões sobre a avaliação docente


“Os bons vi sempre passar / No mundo graves tormentos. / E para mais me espantar / Os maus vi sempre nadar / Em mar de contentamentos” (Luís Vaz de Camões, 1542-1580).

Segundo Ralph Emerson, “todo o homem que encontro é-me superior em alguma coisa, e nesse particular aprendo com ele”. Em concordância com este princípio, tenho escrito, várias vezes (tantas que lhes perdi a conta!), que os comentários feitos aos posts, com intenção construtiva, muito os valorizam. Tenho neste caso o comentário do anónimo (10/02/2010; 10:52) ao meu post,Ainda a distinção entre o bom e o mau professor” (06/02/2010), em que levanta três questões importantes:

1. "Como é que uma avaliação de professores pode ser bem feita?;
2. Há algum bom exemplo?;
3. Há conhecimento científico / académico produzido?"


Na expressão popular, "cada macaco no seu galho”. Assim, estivesse eu capacitado para lhes dar as respostas que merecem sem correr o risco de ocupar um galho que não é o meu. Mas, apesar de tudo, não me sinto, de todo em todo, um intruso pela minha condição de docente durante várias décadas: tantas quantas o limite máximo de idade de reforma me permitiu.

Por esse motivo, entendo que o estudo da complexa avaliação dos docentes deve pertencer a académicos (ou seja, a especialistas universitários das Ciências da Educação) e não a simples remendões de desconfiáveis interesses profissionaisvisto estarmos num pais de carreiristas no qual todos buscam uma calha que lhes permita deslizarem sem atrito”, como escreveu João Lobo Antunes (“Um Modo de Ser”, Gradiva, 1996).

Embora, com isso, não exclua o risco desse necessário e desejável estudo poder vir a conhecer o cesto dos papéis dos responsáveis políticos desde país, a exemplo do acontecido em França com Laurent Lafforg. Temo mesmo que os responsáveis pela tutela da Educação só desejem ouvir os pareceres que lhes sirvam os próprios desígnios pessoais e/ou institucionais. Ou seja, como simples exemplo, aqueles pareceres que possam continuar a defender que a formação para a docência do 2.º ciclo do básico continue a ser feita, simultaneamente, em faculdades e em escolas superiores de educação. Ou que até cheguem ao descaro de defender que estas são melhores do que aquelas, em defesa de capelinhas próprias, em imoral descrédito das instituições universitárias que formam professores e ao arrepio da crítica tecida por Lee Schulman, ex-presidente da American Educational Research Association, “ao reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação docente”.

Como é do conhecimento público, na vigência da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues, a questão da avaliação docente levou alguns sindicatos a dizer terem uma solução mirífica para esta complexa e polémica questão. Se a tinham, guardaram-na a sete chaves nas gavetas dos respectivos gabinetes, quiçá para não porem em questão (ou sequer beliscarem) o permissivo sistema de avaliação até então em uso e que nunca mereceu qualquer voz corporativa da sua parte a criticá-lo.

Uma coisa, permito-me, desde já, adiantar. Essa avaliação não deve ser feita unicamente pelo avaliado ou pelas estruturas dirigentes da próprias escolas, em circuito fechado, sempre passível de obedecer a critérios de anos de convívio e amizade, de afinidade partidária, de simpatia clubística, etc., que, a exemplo dos antigos alquimistas, pretenda transformar em ouro metais pouco nobres.

A terapia para a gangrena da actual avaliação, pelo risco da saúde ou da própria falência do sistema educativo oficial, exige a amputação das longas e extenuantes horas ocupadas pelos professores no preenchimento de complicadas fichas, programações sem conta, muitas vezes para inglês ver, e outras tantas funções burocráticas, não raramente, em detrimento da verdadeira missão de ensinar e da própria valorização pessoal dos docentes em leituras que lhes sejam de utilidade e não a assistirem passivamente a acções de formação em matérias disciplinares que nada têm a ver com as matérias que leccionam.

Por esse facto, defendo que essas acções sejam ministradas nas universidades para os licenciados pelas faculdades e nas escolas superiores de educação para os respectivos diplomados, ou em instituições científicas de reconhecido mérito, para garantir um complemento de actualização e valorização de conhecimentos anteriores sem transformar essas formações num negócio de terceiros que, muitas vezes, até correm o risco de fazer marcar passo (“fazer que anda mas não anda”, na típica expressão brasileira) ou mesmo confundir saberes anteriores. Hoje em dia, com o decréscimo da natalidade e o excesso de estabelecimentos de ensino superior oficiais que surgiram, sem rei nem roque, em todos os cantos do país, seria uma forma de evitar o possível encerramento daqueles com um longo e prestigiante serviço prestado à cultura e à ciência do país.

A actual avaliação dos professores, uma espécie de remendos novos em pano velho da avaliação do tempo da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues (excessiva na burocracia e deficiente na exigência de um bom ensino ou, pelo menos, satisfatório) justifica excertos do livro de Arthur Schopenhauer, "Aforismos para a Sabedoria de Vida”, aqui reproduzidos:
“O que em sociedade desagrada aos grandes espíritos é a igualdade de direitos e, portanto, de pretensões, em face da desigualdade de capacidades, de realizações (sociais) dos outros. A chamada boa sociedade admite méritos de todo o tipo, menos os intelectuais: estes chegam a ser contrabando. (…) Por outro lado, os méritos pessoais devem mendigar perdão ou ocultar-se, pois a superioridade intelectual, sem interferência nenhuma da vontade, fere pela sua mera existência. Eis por que a sociedade, chamada de boa, não tem só a desvantagem de pôr-nos em contacto com homens que não podemos louvar nem amar, mas também a de não permitir que sejamos nós mesmos, tal qual é conveniente à nossa natureza. Antes, obriga-nos, por conta do uníssono com os demais, a encolhermo-nos ou mesmo a desfigurarmo-nos. (…) Nessa sociedade, por conseguinte, temos de renunciar, com difícil auto-abnegação, a 3/4 de nós mesmos, a fim de nos parecermos com os demais. Em compensação, temos obviamente os outros, mas quanto mais uma pessoa possui valor próprio, tanto mais achará que o ganho não cobre a perda e que o negócio redunda em prejuízo. (…) Ajunte-se a isso o facto de que a sociedade, a fim de substituir a autêntica superioridade, isto é, a do espírito, que ela não suporta e que é também difícil de encontrar, adoptou sem mais nem menos uma superioridade falsa, convencional, baseada em normas arbitrárias, propagando-se pela tradição entre as classes elevadas e alterando-se como se alteram as palavras de ordem. É o chamado bom-tom, fashionableness."
Em conclusão, só através de uma melhoria efectiva do actual sistema de avaliação dos professores em que, não poucas vezes, se honra o demérito, se enaltece a ignorância e se protege o atrevimento será possível e desejável capacitá-lo para distinguir o bom do mau professor, evitando, assim, aquilo que Pessoa, referindo-se à igualdade entre desiguais, teve como “a maior das injustiças e a pior das tiranias”.

22 comentários:

Carlos Pires disse...

Caro Rui Baptista:

"o estudo da complexa avaliação dos docentes deve pertencer a académicos (ou seja, a especialistas universitários das Ciências da Educação)"

Quando, neste contexto, diz "estudo" quer dizer exactamente o quê? Que só esses especialistas estão habilitados a fazer propostas relativamente à avaliação docente? Que devemos ter em conta dados empíricos na elaboração de um modelo de avaliação?
Espero que a segunda hipótese seja a verdadeira, pois a maioria desses ditos especialistas produz estudos de cientificidade muito duvidosa e as concepções educativas permissivas e irrealistas que defendem figuram entre as principais causas do desastre que é a educação em Portugal.

O problema é este: em que dados empíricos podemos confiar? É que a distorção ideológica introduzida por esses ditos especialistas muitas vezes não se faz sentir apenas na apresentação e interpretação dos dados, mas também na sua recolha.
Como é que um professor que não faz estudos empíricos sobre educação, mas precisa de dados objectivos para reflectir sobre as suas práticas e sobre os modelos que lhe propõem, pode confiar nos dados disponíveis?

Há cientistas da educação manifestamente sérios, como por exemplo a Helena Damião. Mas mesmo ela não faz, pelo menos na blogosfera, aquilo que devia sempre fazer parte das boas práticas académicas e intelectuais: criticar os pares que não são sérios, para assim se separar o trigo do joio e a verdade vir ao de cima.

Uma última coisa. É verdade que os sindicatos não fizeram qualquer proposta digna desse nome de um modelo alternativo de avaliação. Mas há muitos professores que a título individual fizeram propostas, senão de modelos completos pelo menos de ideias que vale a pena debater. Ver aqui, por exemplo.

cumprimentos

Fartinho da Silva disse...

Pelos cientistas da educação??? Quais? Os sérios ou os outros?

Caro Rui Baptista,

Eu, pessoalmente, nunca permitiria ser avaliado por alguém de outra área científica que não a minha. E disto não abdico!

Quanto à formação nas Universidades, concordo desde que seja na minha área científica, senão fica tudo na mesma.

joão boaventura disse...

O que a anterior Ministra da Educação trouxe para a ribalta do ensino, não foi a despreocupante avaliação dos professores mas a preocupante falta de dinheiro para pagar aos professores.

Já D. Maria I falava em ter cuidado com os dinheiros que se gastavam na Educação, como se a Educação fosse um fardo para o Estado, isto é, uma coisa supérflua, banalizada e desnecessária, e, estranhamente, o "salva nos perimus" do orçamento.

Como é de mau gosto o Estado dizer o mesmo, que não podemos gastar muito dinheiro com a Educação, como D. Maria I, ostensiva ou ingenuamente debitou, desviou-se esse discurso para outro, qual foi o de catalogar professores, de primeira, de segunda, de terceira, de quarta categoria... quantas mais melhor.

A melhor imagem que se pode transmitir deste quadro é o de uma corrida da Maratona, em que o primeiro está tão distante do segundo, como o segundo do terceiro, e assim por diante até chegar ao último que não ganha nada, mas apenas o prazer de ter concluído a corrida.

Em Educação, e da minha experiência empírica, todos os meus, e todas as minhas, colegas, concluíam a maratona lectiva anual com prazer. O prazer do dever cumprido, cada um dentro das suas capacidades.

Nos termos em que tudo isto foi desenvolvido, está à vista: desmotivaram o pelotão de professores, alguns acabaram por sair do pelotão, outros sentiram-se deprimidos, outros enganados, porque passaram a ser olhados como escravos de 1.ª, de 2.ª, de 3.ª..., de grandes madraços, espalhando-se nos media a maior diabolização dos professores.

Os mais capacitados estavam incluídos nos menos capacitados, mas a bitola institucionalizada foi a de que o ensino estava pela hora da morte. E com esta ideia o Estado criava uma aversão aos professores e uma adesão à estratégia do Estado. Separava as águas e, ao criar um problema fictício, o Estado era o big brother que ia resolver um problema... inexistente.

Foi assim que uma ministra da educação conseguiu destruir a motivação pelo ensino, tudo por causa da má gestão da economia do Estado, e de querer ganhar uns tostões para os gastar em TGVs, Aeroportos, Autoestradas, e pompas de circunstância.

Vou trazer aqui à colação um caso exemplar.

O Estado instituiu prémios pecuniários aos atletas de alta competição que obtivessem os três primeiros lugares em campeonatos ou concursos internacionais, mundiais, e nos Jogos Olímpicos.

Os atletas deficientes, sentiram-se preteridos, e discriminados por não terem o mesmo direito. O Estado concordou com a chamada de atenção e passou a premiar pecuniariamente os três primeiros lugares alcançados pelos deficientes nas provas internacionais, mundiais e olímpicas.

Mas o Estado, para vincar a diferença discriminatória, por os prémios terem um valor mais baixo, reclamaram novamente. O caso foi levada até às últimas instâncias, finalizada num acórdão do Supremo onde se concluía que os valores teriam de ser de facto inferiores porque os atletas eram de facto diferentes, isto é deficientes.

E o Estado poupou aqui mais alguns cêntimos mas esqueceu-se de que, enquanto os atletas de alta competição não-deficientes apenas tinham que lutar no terreno contra as dificuldades da prova, os atletas deficientes tinham outra provação, além de lutarem contra as dificuldades da prova, a de lutarem contra, e superarem, as próprias e condicionantes deficiências. Tinham duas batalhas.

Chegados a este ponto, e levado o problema da avaliação ao paroxismo e à exaustão, o Estado viu-se na contingência salvítica de ter que manter o problema criado, sob pena de desmascarar toda a trama.

Explica-se assim a manutenção do falso problema pela actual Ministra da Educação, e cujo termo só virá quando este governo cessar as suas invenções problemáticas errantes.

Maria Nazaré de Souza Oliveira disse...

Gostei muito de ler o seu artigo!
Profª MNazaréOliveira

Rui Baptista disse...

Prezado Carlos Pires:

Tenho o seu comentário como uma reflexão muito útil e oportuna.

Entretanto, parafraseando a letra de uma canção de Rui Veloso, julgo ser mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa no que respeita à avaliação dos professores.

Começo por dar conta da minha revolta em ver numa mesma escola terem idêntica avaliação um professor cumpridor e um outro, seja-me desculpado o plebeísmo, “coiro”. Felizmente que no nosso sistema educativo, ainda, persiste um sistema de honorabilidade que preserva o cumprimentos dos deveres docentes por parte daquele.

Ultrapassado este desabafo, volto ao tema da avaliação.Desde já lhe digo, que reli, com o gosto e o proveito da primeira vez em que o fiz, o seu post em que disseca no teatro anatómico do seu interesse pelos assuntos da educação este tema e propõe soluções. Soluções que, me atrevo a dizer, caíram no saco roto dos políticos ou, quando muito, lhes mereceu o comentário em surdina: “Deixá-lo falar que ele calar-se-á!” E, assim, se resolvem os problemas incómodos de um pais na esperança de que a vozes discordantes se cansem de lutar por mais nobre que seja a causa.

O meu post incidiu, essencialmente, nas questões levantadas no comentário que o motivou e que transcrevo de novo: 1. "Como é que uma avaliação de professores pode ser bem feita? ; 2. Há algum bom exemplo? ; 3. Há conhecimento científico / académico produzido?"

Ora isto são perguntas a merecerem resposta de “especialistas universitários” que leccionem em faculdades de Ciências da Educação, aliás como refere, e eu aplaudo, em mãos de seriedade e competência como as de Helena Damião,por exemplo. E explico porquê: se estou doente devo dirigir-me a um médico, embora haja quem prefira procurar os serviços de bruxos ou curandeiros. Não, defendo, portanto, que estas questões possam ser vistas em gabinetes ministeriais onde prevaleça a voz do coração sobre a voz da razão. À mulher de César não basta ser séria...

E, neste particular, as escolas superiores de educação são um exemplo da aceitação do “eduquês” na sua expressão mais genuína quando exaltam a formação aí ministrada aos futuros professores do 2.º ciclo do ensino básico que em igual período curricular é considerada competente para ministrar o ensino para a docência de duas disciplinas (Matemática e Ciências da Natureza), enquanto as faculdades preparam para a docência destas matérias em cursos diferenciados.

E isto é possível na fuga à crítica de Lee Schulman “ao reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação docente”. Ora um quase ignorante , senhor das “melhores técnicas pedagógicas” para meter no bestunto do aluno as piores enormidade científicas torna-se num verdadeiro perigo social.

Claro que aqueles professores que “não buscam uma calha que lhes permita deslizar sem atrito” têm o “soberaníssimo bom senso”, de que nos falou Antero, em separar “o trigo do joio”. O trigo de estudos sérios sobre esta matéria. O joio que serve interesses sindicais dos respectivos associados e dirigentes em cinzas de terra queimada “de quanto pior melhor”.

Mas sei tratar-se de uma tarefa difícil porque, em legado de Schopenhauer, “o que em sociedade desagrada aos grandes espíritos é a igualdade de direitos e, portanto, de pretensões em face da desigualdade de capacidades, de realizações (sociais) dos outros”.

Pelo visto, este “stau quo” tem tido a água benta de tacanhos espíritos de um certo estrato da sociedade portuguesa e dos seus governantes, sem cair em generalizações sempre perigosas. O seu desagrado, e de outras vozes que o secundam, são excepções que deveriam tornar-se em regra.

A juventude e o próprio país merecem-no, “e ninguém comete erro maior do que nada fazer só porque pode fazer pouco”, em advertência de Edmund Burke. Que não se calem essas vozes na desesperança de estarem a bramar no deserto da indiferença! Como nos ensina o provérbio, "água mole em pedra dura..."

Angela Rebordão disse...

Caro Rui Batista,

Apesar do seu excelente texto e das belíssimas citações que o fundamentam temo que o que mais me chamou a atenção foi, tal como ao Sr. Carlos Pires, a sua opinião de que,

"Por esse motivo entendo que o estudo da complexa avaliação dos docentes deve pertencer a académicos (ou seja a especialistas universitários das Ciências da Educação)"

Não que eu discorde de que um sistema eficaz de avaliação dos professores, deva ter uma importante contribuição dos que formam esses mesmos professores (e não só dos "especialistas" em Ciências da Educação...) Mas a dificuldade na avaliação dos professores reside em primeiro lugar na definição do objectivo e do fim último do ensino. E esses objectivos, quer assumidos quer ocultos não são meramente "técnicos", mas sim políticos, no sentido ideológico do termo.

A Escola é por excelência o local onde se projectam as ambiguidades, as contradições, as ideologias, as ambições e os medos de uma sociedade e de um tempo. E são muito incertos os tempos que vivemos.

Enquanto que para a generalidade dos professores (especialmente no 3º ciclo e secundário) ensinar é essencialmente a transmissão de um legado histórico, cultural e cientifico. A Sociedade por seu lado espera muito mais da Escola, nomeadamente que seja um paliativo social capaz de desfazer as desigualdades que ela própria gera e agrava, um espaço de guarda de crianças e ocupação de tempos livres, um local de reabilitação social e psicológico que transforme todos os jovens em adultos equilibrados. O poder político por seu lado, exige dos professores o "sucesso",real ou fictício, ao mesmo tempo que impõem um currículo rígido, um controle total do trabalho do professor (daí a avalanche de documentação), um estatuto do aluno que dá a estes muitos direitos (o de não estudar, de faltar injustificadamente...) e poucos deveres, e um estatuto do professor que privilegia as tarefas organizacionais e de gestão em detrimento do acto de ensinar, e cujo principal objectivo, nunca assumido, é pressionar os professores a dar melhores classificações (dado que a sua avaliação dependia disso) e a baixar os custos com a educação tornando mais lenta a progressão na carreira.

Quero com isto defender que se deva abdicar de uma avaliação séria e exigente? De forma alguma. Mas esta tem de centrar-se no que é a essência da tarefa de professor( ensinar), ser objectiva, exequível e ao mesmo tempo garantir a uniformidade de critérios.

Quanto aos avaliadores, a avaliação feita exclusivamente pela escola tem a vantagem de ser feita por quem conhece o contexto em que aquele professor trabalha e as desvantagens que tão bem enuncia no seu post, a politização, o clientelismo, as intrigas.

Mas para a avaliação ter para além de uma componente interna, uma componente externa teriam de garantir uma vasta equipa de professores experientes e com a adequada formação pedagógica e cientifica, e lá se ia o controle dos custos na educação...

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

E cá estamos nós outra vez em diálogo, com proveito meu.

Na resposta ao comentário anterior, defendi a minha intransigência em a avaliação docente estar entregue em mãos sérias e competentes. Um sábio trafulha é bem pior que um analfabeto sério!

Aliás, tive o cuidado de deixar bem vincado que a avaliação deve ser feita na área científica do avaliado. Como sabe, tempos houve em que a “democrática” eleição dos presidentes dos conselhos directivos impunha, como condição “sine qua non”, que o legível fosse professor de nomeação definitiva. Assim, como o acontecido, por vezes, sucedia ser eleito um indivíduo com um curso médio, ou mesmo apenas secundário, com poderes de avaliação sobre professores licenciados.

Quanto às acções de formação, estamos, uma vez mais, amplamente de acordo. Essas acções devem estar a cargo das faculdades ou escolas superiores de educação que deram a formação inicial a esses professores. Só assim poderá haver uma continuidade e uma actualização dessa formação. Não se corre, desta forma, o perigo de um professor frequentar uma acção de formação que nada tem com a sua área unicamente para marcar pontos no acesso a um escalão superior do estatuto da carreira docente. Para que cada roca tenha o seu fuso, a fazer ou se faz bem ou então é preferível não fazer nada.

Rui Monteiro disse...

Eu era um professor que nunca faltava, que tive alunos a terem notas de 5 nos exames nacionais de Matemática do 3º ciclo e que fiz de tudo na minha carreira de 24 anos na escola pública. E sempre fui contra a avaliação dos professores. Tout court. Nem esta, nem aquela, nem nenhuma outra.
Principalmente por três razões:
1ª, porque um sistema de avaliação uniformiza e isso liquidará inevitavelmente os professores geniais (como já se vê isso a acontecer nas universidades);
2ª, porque ela não só assassina a liberdade e a criatividade do educador, como desmoraliza o avaliado (como se vê isso também a acontecer nas universidades).
3ª, e para terminar (com o meu caso pessoal): no meu entender, o poder que se instalou nestes últimos anos queria obrigar-me a fazer coisas que iam frontalmente contra o meu sentido de responsabilidade, de ética e de justiça; e, ainda por cima, queriam usar a avaliação para me obrigarem a executar essas acções?
Só me restou uma opção: abandonei uma carreira de 24 anos a educar crianças e jovens (algo que sempre foi uma paixão em mim), estou em situação de emprego precário fora do Estado, horas sem fim a trabalhar, e a ganhar às vezes nem sequer o ordenado mínimo, mas finalmente completamente de bem com a minha consciência.

Anónimo disse...

1 - Quando perguntei (em comentário a outro post) se havia algum bom exemplo de avaliação de professores e se havia trabalho científico produzido sobre a avaliação de professores, partia do princípio que um assunto sério como este é, não deve ser resolvido por básico voluntarismo político. O resultado está à vista. Sem nunca terem pensado bem no assunto, os anteriores elementos do Ministério da Educação, capitaneados pela Sra Maria de Lurdes Rodrigues, impuseram muita legislação que tiveram de suspender e que está a ser substituída pelos seus sucessores. Não penso que a ciência (sentido lato) seja capaz de resolver todos os problemas, mas penso que muitos problemas, inclusivé este, dificilmente pode ser resolvido sem contribuição científica.

2 - Conheço académicos das ciências da educação, originários das ciências duras (não significa superioridade, mas é o contacto que tenho com a universidade), que não são "eduquistas". Certamente produziriam trabalho diferente do que tem sido imposto pelo ministério da educação e mais do nosso agrado.

3 - Quanto à avaliação dos professores em referência às classificações dos exames dos alunos vs classificações atribuídas pelos professores, duas notas: 1ª a maioria dos professores tem alunos que não fazem exames das suas disciplinas; 2ª as notas atribuídas pelos professores têm em conta não só as classificações dos alunos nos testes escritos, mas também (por objectivos políticos de igualitarismo) o desempenho dos alunos em pesquisas (vulgo, cópia de livros ou da internet) individuais ou colectivas (estamos mesmo a ver o que isto dá, não é?) e o estado SÓCIO-AFECTIVO (sim, também é avaliado e classificado e contribui para a nota do aluno!!!). Agora, pergunto eu: mesmo que os alunos façam exames, com que notas vão comparar as dos exames? Com as notas que estão nas pautas do final do ano? Ou com as notas dos testes?

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

Apenas para uma troca de impressões pela rama, em matéria de natureza sociológica em que a minha participação de raiz seria a de um sapateiro a tocar rabecão , peço a sua benevolência por eu assumir a falta de jeito de um remendão de meias solas.

Seja permitido, portanto, apenas a minha intervenção no que respeita aos dois derradeiros parágrafos do seu comentário, que transcrevo:

“Chegados a este ponto, e levado o problema da avaliação ao paroxismo e à exaustão, o Estado viu-se na contingência salvítica de ter que manter o problema criado, sob pena de desmascarar toda a trama.

Explica-se assim a manutenção do falso problema pela actual Ministra da Educação, e cujo termo só virá quando este governo cessar as suas invenções problemáticas errantes”.

Na verdade, o Estado (através do governo do Partido Socialista) fez bandeira dessa avaliação para domesticar e pôr a trabalhar, em grilhetas de servidão, os “madraços” dos professores (nivelando numa mesma desconfiança todos os professores: os excelentes, os bons, os medíocres e os maus). Nessa intenção, muniu-se do azorrague que a prepotência de um governo maioritário consente. Se bem ou mal, isso é outra história.

Para salvar a face, depois das últimas eleições, que deixou o Partido Socialista órfão de uma anterior maioria absoluta, havia que retirar o tapete a uma ministra caída em desgraça, carrancuda e intransigente em relação a uma Plataforma Sindical, que falava pela voz de Mário Nogueira, que, no ringue da teimosia, com ela disputava combates sem que nenhum deles fosse às cordas e, muito menos, ao tapete.

Com o soar do gongo de um impasse, que deixou de ter a cobertura do quero posso e mando, havia que procurar uma figura com a habilidade negocial de um judoca que aproveita a força do adversário para o derrubar. E que, como cereja em cima do bolo, com a sua simpatia, “eloquência dos anjos, como diria Camilo, currículos profissional e sindical conhecesse bem o terreno armadilhado a pisar.

Ora, Isabel Alçada vinha de um passado de destacada dirigente da Fenprof. Mário Nogueira é seu dirigente máximo. Isabel Alçada era docente de uma escola superior de educação. Mário Nogueira tinha feito o seu complemento de habilitação (licenciatura) numa outra escola superior de educação.

Tudo se conjugava, portanto, para um período de bem-aventurança que só foi interrompido pelo não aplauso dos professores sem qualquer ligação sindical ou dela desvinculados.

Como diz, caro João Boaventura, o pano de cena deste melodrama em dois actos só descerá neste proscénio quando, como escreve, “este governo cessar as suas invenções problemáticas errantes”. Ou seja, no linguarejar popular: “ou sim ou sopas”!

Rui Baptista disse...

Prezada Prof.ª Maria Nazaré Oliveira:

Agradeço o seu simpático comentário que muito me honrou.

Amistosos cumprimentos.
Rui Baptista

Rui Baptista disse...

Prezada Ângela Rebordão:

Infelizmente, e em abono da verdade, estou plenamente de acordo consigo quando escreve que "a dificuldade da avaliação dos professores reside em primeiro lugar na definição do objectivo e do fim último do ensino".

Igualmente, de acordo quando diz "que esses objectivos (...) não são meramente técnicos, mas sim políticos, no sentido ideológico do termo".

Mas eu acrescentaria a esses objectivos políticos, no mínimo, dois outros: 1.Dificultar, ou mesmo impedir, o “chumbo” de um aluno do ensino básico que nada sabe e pouco se esforça em saber, que tem mais faltas que presenças na escola, tornando essa reprovação mais difícil do que "um camelo passar pelo buraco da agulha"; 2. subordinar esse gritante laxismo a intuitos meramente estatísticos.

Em tudo o resto, aconselho o leitor a uma desejável reflexão sobre o seu comentário. Reflexão essa que eu fiz, tendo-a como bastante proveitosa.

Rui Baptista disse...

Caro Rui Monteiro:

Li o seu comentário com toda a atenção e, mesmo até, em solidariedade onomástica.

Fiquei sem saber quais as verdadeiras razões que o levaram a abandonar uma carreira docente de 24 anos em que “nunca faltou, com alunos com notas de 5 em Matemática “. Seja como for, tenho-as, aprioristicamente, como ponderosas e pundonorosas.

Pelo que julgo poder deduzir, essa desistência ficou-se a dever ao facto da sua discordância em haver avaliação dos professores: “nem esta, nem aquela, nem nenhuma outra”. Eu até posso compreender e respeitar as suas razões em que os critérios (todos aqueles que enuncia por experiência própria) foram traumatizantes e geradores de injustiças. Ora, mesmo aqui, sem o querer ou não, está a fazer uma avaliação de critérios.

Se estivéssemos numa sociedade perfeita todos os professores (sem excepção) saberiam quais os seus deveres e os seus direitos, em que os deveres devem corresponder aos direitos, e vice-versa. Mas não. O próprio bisturi do bom cirurgião pode servir para curar e o do mau cirurgião para matar. Mas será humano esperarmos que morram pessoas por incúria, ignorância ou mesmo malvadez para castigar o mau cirurgião? De igual forma, devemos sacrificar toda uma geração de jovens a um mau sistema de ensino desculpando a quota parte da responsabilidade docente?

Todos nós quando isso acontece no âmbito de uma operação cirúrgica mal sucedida culpamos o corporativismo da classe quando defende situações destas. Igualmente, o corporativismo (e esse corporativismo tanto pode estar a cargo de ordens profissionais ou de sindicatos) do sistema educativo tem acobertado situações de uma prática docente criminosa. O que fazer então? Não avaliar ninguém, esperando que a própria sociedade faça essa purga expulsando os vendilhões do templo docente?

A anarquia, como defenderam Rabelais, Rousseau e outros enciclopedistas, na pureza do seu ideal de uma sociedade de cidadãos responsáveis dispensaria o Estado, os tribunais, a polícia, as prisões. Mas será isso possível? Não será, como reza o provérbio”, que o medo guarda a vinha"? Aqui deixo aos sociólogos a palavra em vindima que não minha.

1. A seu exemplo, discordo “de um sistema de avaliação uniformizante” e castrante de professores geniais. Era isso que subjazia na antiga avaliação dos professores feita numa linha de montagem em que entravam peças boas e outras deficientes e saiam no fim, mais ou menos martelada aqui, mais ou menos pintura acolá, as peças alinhadas e todas aparentemente perfeitas.

2. Se a avaliação for mal feita (e aqui quase chegamos à quadratura do círculo: o que é uma avaliação bem feita?) “assasina a criatividade e a liberdade do educador e desmoraliza o avaliado”, como escreve também. Quantas vezes isso não sucede quando se vê ao nosso lado maus professores serem avaliados com a mesma classificação daqueles que bem cumpriram o seu magistério?

3. Como escreve. em derradeira e amarga prosa, “ o poder que se instalou nestes últimos anos queria obrigar-me a fazer coisas que iam frontalmente contra o meu sentido de responsabilidade, de ética e de justiça; e, ainda por cima, queriam usar a avaliação para me obrigarem a executar essas acções”.

Embora seja difícil lutar contra situações destas, julgo que a desistência faz com que esse poder se eternize deixando de nos atingir para atingir outros.


Li algures, citando, por isso, sem a devida correcção de forma, mas apenas de conteúdo, que não julgues que endireitas a pulhice do mundo com o teu exemplo, mas serás um pulha a menos nesse mundo. Lamento, portanto, em face do seu currículo profissional, a sua desistência da carreira docente embora “esteja de bem com a sua consciência”.

Resumindo e concluindo o mal não está na canção, mas nos cantores. Igualmente, o mal não está na avaliação mas de quem dela se serve como arma de dois gumes utilizando o lado da injustiça por mais rombo que ele se encontre.

RUI Baptista disse...

Caro anónimo (13 Fev.; 12:33):

Compreendi as suas três questões que motivaram este meu post, e comungo que a solução das questões por si apresentadas sobre a avaliação, como escreve, “não devem ser resolvida por básico voluntarismo político”. Permita-me que acrescente que quando dois voluntarismos políticos - o da ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e do actual secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira – se digladiam na arena dos seus interesses quem fica a perder são os verdadeiros interessados e intérpretes directos do sistema educativo: os professores.

Daí, eu ser a favor de uma arbitragem que marque as grandes penalidades onde elas existem e deixe de marcar onde elas não existem. Ou seja, essa arbitragem exige seriedade moral, distanciamento e, principalmente, conhecimento científico vindo de onde ele habita por norma e tradição: a Universidade. Agora, sinceramente, com a honestidade de não dar palpites, não lhe posso informar onde esse conhecimento tem sido produzido em quantidade e qualidade. Mas assim como o estudo da Medicina se faz nas suas faculdades, da Física também, da Biologia outro tanto, etc., poderei adiantar que se deve procurar o conhecimento relacionado com a avaliação nas faculdades de Ciências da Educação e nas revistas cientificas delas emanadas.

Mas também desconfio (para não parecer demasiado afirmativo) que os ministérios da Educação não se têm preocupado em se rodearem de verdadeiros especialistas sobre esta matéria pelo percurso errático de que têm dado provas de sobejo.

Acresce que se destinando a avaliação a lidar com a imprevisibilidade da condição humana, em que nem sempre a mesma situação corresponde a idêntica comportamento, ao contrário do sucedido nos tubos de ensaio em que a mistura de dois componentes químicos conduz sempre a uma mesma reacção, receio que o sistema de avaliação seja sempre gerador de intermináveis discussões académicas. Deixemos, portanto, de procurar um óptimo sistema de avaliação, contentando-nos com um bom ou menos mau.

Que me desculpem os especialista na matéria se escrevi alguma barbaridade sobre o assunto como um amador (aquele que ama) que se revolta quando vê a avaliação estar entregue nas mãos de charlatães com a responsabilidade social e política em o não serem. A César o que é de César, às Ciências da Educação, através de académicos universitários devidamente credenciados, a solução de um problema que, não poucas vezes, tem feito dos bons professores enteados maltratados e dos maus professores filhos dilectos.

Quanto aos resultados dos exames, como elemento de avaliação docente, mais uma vez, “hoc opus hic labor est” (em tradução livre, aqui é que a porca torce o rabo). Deslindar o fio desta meada é um outro, longo e polémico assunto. Fiquemo-nos, portanto, por aqui.

joão boaventura disse...

Caro Rui Baptista

Agradeço a sua observação ao meu comentário que respeito.

Relativamente à insistente tese em moda sobre a avaliação dos professores, julgo que o Ministério andará equivocado e terá invertido a pirâmide, isto é, em vez de procurar o melhor sistema de avaliação dos alunos que possa constituir uma ferramenta válida para a avaliação do professor, criou-se um quiproquo.

Para melhor entendimento proponho aleitura deste sítio como forma de ajuizar os termos da docimologia.

Não chegou o momento de inverter a sede do problema?
Como avaliar o aluno? Com as repercussões que se podem reflectir no professor?

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

Não podia ser mais claro no reparo (ou lembrança?) que faz de que a avaliação dos docentes depende da avaliação dos resultados da aprendizagem dos a alunos. E aqui estamos ambos de acordo: inverteu-se a pirâmide tentando avaliar os professores sabendo, de antemão, que os alunos não são devidamente avaliados num processo de facilitismo em que “chumbar” um aluno do básico é um autêntico crime de lesa majestade para um jovem que nasce para ser livre e é aprisionado nos muros da escola. Uma escola que lhe exige que aprenda mesmo antes de estabelecer convenientemente os critérios e objectivos (aliás, tecla batida, muitas vezes, e com muita oportunidade, por Fartinho da Silva) sobre aquilo que deverá aprender nos diversos estágios da sua vida escolar.

Mas aqui entra em jogo o problema dos exames (que na disciplina da Literatura, por exemplo, alguns assuntos obedecem a cruzinhas do género do totobola) em populações escolares bem diferenciadas, não só pelo nível cultural dos progenitores mas, outrossim, pela sua capacidade material em terem explicadores para os filhos em todas as matérias, e que mais houvesse.

Daqui, emerge um outro e complexo problema: até que ponto estará a ser avaliada a competência dos docentes? E a dos explicadores? Ou a de ambos? Nunca, este fenómeno atingiu as proporções actuais discriminando os alunos em função das bolsas parentais.

Aliás, disso mesmo dou notícia no final do meu último comentário. Reproduzo-o aqui: “Quanto aos resultados dos exames, como elemento de avaliação docente, mais uma vez, “hoc opus hic labor est” (em tradução livre, aqui é que a porca torce o rabo). Deslindar o fio desta meada é um outro, longo e polémico assunto. Fiquemo-nos, portanto, por aqui.”

De muita oportunidade o valioso estudo de Carlos Barreira, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Coimbra, que valida a minha defesa destes assuntos serem tratados academicamente por quem sabe da poda.

Mas como reconhecerá, num simples post não poderiam ser abordados temas como a avaliação das escolas, dos professores, dos alunos, etc. Para não ser um sapateiro a ir para além da chinela, “ab initio” e até à náusea, defendi a entrega desta matéria a especialistas retirando-a de mãos inábeis como as minhas (como em comentários anteriores confessei) ou interessadas numa avaliação de quanto pior melhor.

A terminar, encontrei em si, caro João Boaventura, o executor que materializou a validade desta minha defesa com o “link” que, em boa hora, pôs à disposição pública de quem se tem interrogado sobre esta temática e, principalmente, de quem a este assunto devia dedicar o seu interesse e o não faz, vá-se lá saber porquê!

Ou seja, é um assunto que devia merecer a reflexão das instâncias superiores da Educação sobre quem recai, em última instância, a responsabilidade de legislar, mas que têm revelado uma (in)decisão que recorre a processos burocráticos que só têm servido para pôr a cabeça em água dos professores criando um dilúvio que os afoga em papelada impedindo-os de se dedicarem à sua verdadeira missão: ENSINAR!

Anónimo disse...

Desconhecia até há meia dúzia de meses que também há académicos dedicados às ciências da educação nas Faculdades de Ciências. Vendo bem, faz todo o sentido, porque formam professores. Também já verifiquei que têm uma muito diferente diferente da visão das Faculdades de Letras e de Psicologia e das ESE's.

Rui Baptista disse...

Caro Anónimo (15 Fev.; 09:51):

Retenho do seu comentário o parágrafo final: “Também já verifiquei que têm uma muito diferente visão das Faculdades de Letras e de Psicologia e das ESE's”.

Em verdade, assim é. Aliás, entendo que isso é bem visível nos post´s e comentários que tenho escrito sobre esta temática. Mas para simplificar as coisas, cinjo-me às faculdades e escolas superiores de educação e aos seus cursos destinados ao ensino.

Encontro fundamento para esta minha posição numa razão muitos simples. Nas faculdades existe a preocupação em dar um suporte cientifico muito forte, remetendo a formação pedagógica dos seus licenciados (hoje, mestres) para um estágio posterior. Essa preocupação nas ESE’s é subalternizada relativamente às técnicas pedagógicas, embora ter Lee Schulman (1986) “criticado o reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação dos professores”.

A fazer fé no provérbio de que “de pequenino é que se torce o pepino” chegaremos à conclusão que essa finalidade nem sempre tem sido cumprida no que respeita à aprendizagem de matérias básicas que sirvam de caboucos a outras mais complexas. Refiro-me ao LEC (ler, escrever e contar) tão enjeitado, em nossos dias, e que bem se encaixa na poesia pessoana: “Ai que prazer / Não cumprir um dever, / Ter um livro para ler / E não o fazer! / Ler é maçada, / Estudar é nada”.

Dizem-me verídico este texto, intitulado “O Pipol e a Escola”, colhido de uma prova de Língua Portuguesa de uma nossa escola secundária e tão a jeito de uma geração “ Phonix +Zonix + vodafnix + Uzix + Tmnix+optimix e outras tantas terminadas em ix”. Para não massacrar o leitor com a interpretação de verdadeiros hieróglifos de maior dificuldade que a escrita dos antigos egípcios, refiro, apenas, alguns excertos que estão longe de me sossegar que, através das Provas de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos”, de hoje para amanhã, não esteja este aluno de capa e batina ou mesmo no cortejo de finalistas de uma qualquer escola do ensino politécnico ou mesmo universitária. Reproduzo nacos dessa prosa:


“Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso verq á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.

Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?”


Palavras para quê? De Jorge de Sena, um festejado escritor português exilado politico nos Estados Unidos, o lamento de tempos do Estado Novo:”Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele”.

Experimente o leitor substituir o Portugal de ontem pela educação portuguesa de hoje. Receio que também aqui tenha cabimento o desalento de Jorge de Sena.

Rui Baptista disse...

Em referência ao meu último comentário, esclareço que a referida "redaxão" foi feita por um aluno do 9.º ano do ensino básico dessa escola secundária.

Anónimo disse...

Se é verdade, esse aluno é fantástico. É como o Saramago a escrever sem pontuação. Não é ignorância, é o contrário.

Rui Monteiro disse...

Caro Rui Baptista,

Muito obrigado pela sua resposta.

É sempre esse o dilema fundamental perante a injustiça: ficamos e tentamos minimizar e combater essa injustiça, ou saímos para que ela não possa mais ser sustentada?

Na Alemanha nazi muita gente, desde funcionários públicos até aos famigerados conselhos judaicos, optaram pela primeira hipótese e com a melhor das intenções, tenho a certeza disso. Sabemos hoje o quanto eles estavam errados.

Eu optei por sair, para não legitimar, com a minha cumplicidade de facto (por mais que eu verbalizasse a minha discordância), aquilo que eu vejo como o assassínio do futuro de Portugal. Garanto-lhe: muitas das mensagens que os professores estavam e estão obrigados a passar às crianças e aos jovens nas escolas chegam a causar-me horror.

Um exemplo, uma situação concreta: um aluno foi mandado em coma para o hospital; o aluno agressor teve, como pena máxima possível face à que penso ser a ainda actual legislação, apenas uma suspensão de 10 dias com faltas justificadas. Mensagem transmitida quanto a mim? Que o crime, face à cobardia dos adultos, compensa sempre. Percebe o que eu quero dizer? Imagine estar absolutamente incapacitado para proteger os mais fracos dos abusos dos mais fortes...

Mas saí também porque percebi que não era obrigado a ser maltratado pelas pessoas de mau carácter que tomaram o poder em Portugal... um pouco à maneira da mulher que é vítima de violência por parte do marido e que acaba por perceber que toda a insegurança ou pobreza é preferível à sujeição.

Fui, pessoalmente e como membro da classe dos professores, tratado sem o respeito e sem a consideração que qualquer ser humano merece. Não vale a pena estar a dar-lhe pormenores, porque muitos deles já o Rui os conhece. Os pessoais provavelmente só me interessam a mim e, portanto, não os exponho aqui.

Sobre a minha posição na avaliação dos professores, ela começou a construir-se há uns anos atrás com um artigo no Jornal de Letras, a partir de dados do Ministério da Educação, que dava conta que, na maior parte dos países a UE, os professores não eram avaliados individualmente, tirando algumas situações excepcionais (embora as escolas, sim, e eu sou absolutamente a favor dessa avaliação). Essa notícia (era um quadro sem comentários) pôs-me a pensar em porque é que isso seria assim. Os posts mais recentes deste blog (sobre o erro e sobre a avaliação) apontam para algumas razões, às quais eu já tinha chegado, e portanto não as repito aqui. E claro que concordo consigo que é na entrada para esta profissão que têm de estar a exigência e o rigor mais absolutos.

Termino esta minha já longa intervenção referindo ainda que, no caso particular da educação, acho profundamente danosa uma avaliação que promova a competição. Veja-se nos pais: é melhor para a educação da criança que os pais compitam ou que colaborem entre si? A resposta é óbvia, todos já fomos testemunhas de casos de competição...

Agradeço mais uma vez a sua atenção.

Rui Baptista disse...

Caro Rui Monteiro:

Quem lhe deve agradecimentos sou eu pelo interesse demonstado na leitura do meu post.

Que lhe posso dizer? Pela leitura do seu último comentário confirmei (ou apenas deduzi) as razões que o levaram à desistência daquilo que mais gostava de fazer na vida: ENSINAR!

Desistir em certas cicunstâncias é bem mais honroso do que continuar a lutar abdicando de princípios que não devem ceder a nada. Esse o seu sacrifício recompensado, em parte,por um sono de consciência tranquila. Estou certo!

Um abraço

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