"De médico, poeta e louco todos temos um pouco” (ditado popular).
Não me recordo se no
último ano do ensino primário ou anos iniciais do ensino liceal, no início da
minha passagem da infância para a adolescência, período da vida em que aparecem
borbulhas na cara em vez de pelos ao vermos
a nossa imagem reflectida no espelho e, com isso, perdida a esperança de pela primeira
fazermos a barba.
Em período de romantismo em que a poesia nos dá lampejos do “amor eterno por ela” e a esperança dos poetaços poderem ascender ao olimpo dos príncipes da poesia, escrevinhei uma versalhada. Mas foi sol invernoso de pouca dura de esperança de um “estro” que desapareceu na linha baixa do horizonte como as manchas vermelhas do sarampo de um qualquer comunista arrependido depois de ter visitado países do “sol da terra” (Cunhal) ou após a queda do muro de Berlim.
Desse tempo ao actual
de um capitalismo desenfreado em que, segundo, Milton Friedman, “o dinheiro
público é o dinheiro que o governo tira aos que não podem escapar para dar aos
que escapam sempre”, ou porque, em época de romantismo infanto-juvenil, ocorre-me
a personagem do Zé do Telhado que roubava aos ricos para dar aos pobres em
contramão com os dias de hoje em que roubam aos pobres para dar aos ricos, transformando
a sociedade num verdadeiro circo de cambalhotas em solo de corrupção, logo em
mim em que. longe, muito longe, vão tentações de ervas daninhas porque, em evocação pessoana, “hoje
só me diverte o circo de Domingo de
toda semana da minha infância”, acordei
comigo em lembrar-me de devaneios saudosos em que puxando pelo bestunto de
poetaço escrevi estes versos a que dei o
título: “O PALHAÇO”:
“ De cores garridas as vestes de luto
Os olhos da
filha acabara de fechar
Fechando os olhos da própria vida
Mas ao brutal público causa pasmo
A habilidade de exímio saltador.
Os saltos são espasmos de cruel dor
Oferta às crianças de risos de alegria!”
Tendo mostrado a uma minha professora os versos por mim gerados em esperança incontida, para ela versalhada, sofri o desgosto de o ter feito a uma pessoa dotada de uma alma de mestre escola que dava palmatoadas com a menina dos “cinco olhos” sem o tacto de adoçar a crítica que me iria fazer quando me disse sem dó nem piedade: “Menino deixa-te de escrever versalhada e dedica-te à prosa que para isso tens um certo jeitinho”. Talvez desse "jeitinho" eu tenha herdado o bichinho da polémica por “ gostar de escrever quando estou despeitado”, com escreveu D. H. Laurence.
E aqui está o depoimento,
como um espécie de contrição de um jovem
com asas de cera de um Ícaro que teve o arrojo juvenil de se aproximar dos
raios de sol que aquecem as almas dos cultores das musas e derretem ceras de atrevidotes! Lição aprendida, “não vá
o sapateiro além da chinela “com a sua sovela
de bordos rombos!
5 comentários:
Uma das constatações mais extraordinárias e fascinantes e mais cheias de consequências, para mim, foi, sem dúvida, a linguagem, ou as linguagens, como criações do homem. O homem, mesmo quando não é artista, é um criador da sua própria linguagem, ainda que o faça por causa ou efeito da comunicação. Ninguém pensa por ninguém, ninguém pensa como outra pessoa, mas é na identificação de formas e de sons e de significados que ocorrem os pensamentos e os raciocínios. Os discursos, neste caso, o discurso poético, tem a peculiaridade de parecer imediatamente o que é: que quer dizer algo que não é contido no significado das palavras, algo mais e, em alguns casos, algo menos. Ninguém se engana perante um poema por não dar conta do que é, por exemplo, ninguém lê esses versos como se eles fossem uma reportagem, ou um relatório do psicólogo. A poesia, mesmo quando se reporta a uma situação real, é uma simulação. Na filosofia também acontece que o discurso não é sobre uma qualquer realidade física, mas sobre ideias, ou cálculos, tantas vezes suposições, operações simuladas como quando simulamos o cálculo do IRS, ou o preço de uma viagem, um filme, um teatro... Creio que não há muitas coisas que não sejam usadas ou que não possam ser usadas como linguagem, nomeadamente, poética.
O problema é que a originalidade faz parte da essência das artes.
A sua professora devia ter sido mais pedagógica.
Tenho a convicta convicção de que a culpa de tudo o que somos hoje é do professor primário.
Dedução precipitada por eu ter escrito no meu texto, preto no branco, neste caso tanto isto se poder ter passado no último ano do meu ensino primário como nos primeiros anos do liceu com métodos antiquados da menina dos cinco olhos de que fui testemunha presencial no ensino primário. Longe de mim, portanto, generalizar aos actuais professores do ensino básico. Obrigado
pelo seu comentário pela possibilidade em facultar a oportunidade clarificar uma situação que não justifica eu sentar-me no banco dos réus!
uma reflexão cuidada numa época em que a Pedagogia e, de uma forma geral, as Ciências da Educação se debatem numa encruzilhada, submersas em teorias e práticas como, por exemplo, entre aulas presenciais ou pela televisão que exigem um domínio informático de uma certa grandeza.
E logo eu, sem falsa modéstia em que, por vezes, se esconde uma certa dose de vaidade, que me declaro um iletrado informático sem remissão, de uma coisa tenho a certeza comungando da sua análise quando escreve: “A sua professora devia ter sido mais pedagógica!”
E neste “mare magnum” de dizeres uma coisa sobressai para mim: ter ficado sem saber se a minha versalhada teria tido pés para andar, ainda que trôpegos de bebé que ensaia os primeiros passos que pelo menos me daria no cenéculo de tantos “poetas” que há por aí que escrevem a suas expensas livros de versalhada que ninguém compra a não ser amigos do peito ou devedores de favores.
Lembro-me, a propósito, o caso daquele autor que encontra um amigo, meses depois da publicação do livro saído do prelo que permanecia estático nas prateleiras das livrarias, que lhe diz: “Lá comprei o teu livro”! Tendo obtido a resposta: “Então foste tu!”
No início deste meu comentário não aparece (é a minha iliteracia informática a fazer das suas!):O seu comentário merece (...)
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