domingo, 8 de novembro de 2020

Os Cafés Históricos na Europa: O Seu Lugar na Sociedade


Do livro: Os Cafés Históricos como património Cultural: o Encontro" (Coimbra: Café Santa Cruz, 2020)

O ensaísta Georges Steiner escreveu em “A Ideia de Europa” (Gradiva, 2005):

 “A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo (…). Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da 'ideia de Europa'.”

No Ano Europeu do Património Cultural celebramos os cafés históricos como locais patrimoniais da cultura.

Portugal é, sempre foi, parte da Europa e a confirmá-lo está o facto de aqui existirem alguns dos mais belos cafés históricos – de que é exemplo o magnífico Café de Santa Cruz de Coimbra, que nos acolhe, hospitaleiro como sempre.

Steiner enfatizou o papel dos cafés como lugares de cultura: a ideia de Europa é eminentemente uma ideia cultural.

Em cafés como o de Santa Cruz, no encontro convivial das mentes que a cafeína se encarrega de estimular, fez-se, faz-se cultura.

Há não só uma História que liga os europeus, mas. também, enraizada profundamente nessa História, uma arte (que se espraia em diversas formas, que vão da literatura à música, passando pelas artes visuais e artes de palco) e uma ciência europeias, uma arte e uma ciência de que os cafés foram muitas vezes, na vida urbana, cenários propícios. Recordar o papel dos cafés europeus como lugares de cultura é também projectá-los para o futuro, porque a Europa só terá futuro se, com base na sua rica herança, alimentar um projecto cultural comum.

António Sousa Ribeiro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Graça Índias Cordeiro, professora do ISCTE da Universidade de Lisboa, e Fernando Franjo, autor do livro “50 Cafés Históricos de España e Portugal”, são, como eu, frequentadores de cafés. Eles trazem-nos aqui os seus depoimentos sobre o passado, o presente e o futuro dos cafés, com base nas suas experiências à mesa dos cafés.

Os cafés continuam a ser locais de cultura, numa sociedade com novos meios de comunicação, designadamente à distância? A dinâmica social das cidades ainda passa pelos cafés?

Na sociedade de consumo o que pode levar os consumidores aos cafés? E o que é que eles podem de lá levar?

 Carlos Fiolhais, Professor de Física da Universidade de Coimbra

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

O que me motiva a comentar é a foto do Café Santa Cruz, que me lembra o tempo da minha chegada a Coimbra, para frequentar o curso de Direito, de 77-83, no tempo em que eu ainda era frequentador aficcionado de cafés e tinha os cafés como lugares de encontro e de cultura por excelência, não fossem os vícios do tabaco e da dependência que sentia relativamente ao ambiente de café. Os cafés foram, durante vários anos da minha juventude, o local onde passei a maior parte do tempo, raramente sozinho, como se ali fosse o centro do mundo, por vezes demasiado excitante e estimulante da imaginação.
O mais importante, quando chegava a qualquer localidade, era conhecer os cafés.
Eu estava convencido de que tudo o que havia de importante passava pelos cafés e que só não ia aos cafés quem não podia. A partir daí, julgava ter a perspectiva que me permitia situar-me e localizar-me naquele meio.
As minhas coordenadas tinham muito a ver com os cafés e as ruas e as livrarias e os monumentos, incluindo as igrejas.
Quando cheguei a Coimbra, um dos primeiros cafés em que entrei e fiquei a ambientar-me, foi o café Santa Cruz. Para mim, era como um local sagrado, mas eu andava tão sobrecarregado da mística coimbrã e tão ocupado em explorar as sombras e as penumbras, que a luz me encandeava e a cidade se tornava demasiado grande para a minha frágil inteligência e cultura. Tanto mais quanto tinha pela frente uma carrada de coisas a tratar relacionadas com alojamento e a Universidade.
Mas o meu foco era descobrir a Coimbra do meu imaginário.
E o imaginário expandia-se algo descontroladamente, a cada esquina, de cada vez que lia o nome de uma rua, de cada vez que me perdia a caminho da Universidade...

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