Meu artigo no último número da revista BICA:
Foi o realizador norte-americano Woody Allen que disse “gosto muito do futuro porque é lá que vou passar o resto dos meus dias.” Será difícil não concordar. Daí as constantes e múltiplas tentativas que a Humanidade tem empreendido para preparar o futuro. O futuro é connosco no sentido em que, usando o nosso melhor conhecimento e os melhores meios tecnológicos proporcionados por esse conhecimento, podemos criar condições de vida que irão perdurar. Se é certo que o conhecimento ajuda muito na construção do futuro, não é menos certo que ele se tem revelado sempre uma caixinha de surpresas. Quem faz previsões e arrisca-se sempre a errar.
A futurologia é a disciplina que, com
base no actual conhecimento, efectua previsões, naturalmente falíveis. Grandes
nome da futurologia, que encontraram ampla audiência pública, são os norte-americanos
Rachel Carson (1907-1964), Daniel Bell (1919-2011), Hermann Kahn (1922-1983), Alvin
Toffler (1928 -2016), e os franceses Bertrand de Jouvenel
(1903-1987) e Jean Fourastié (1907-1990). Na actualidade têm-se destacado os
norte-americanos Michio Kaku (n. 1947) e Ray Kurzweil (n. 1948), e o
israelita Yuval Harari (n. 1976).
Os computadores são hoje em dia um
instrumento imprescindível para fazer previsões, não só porque acumulam
informações mas também permitem correr simulações. Mas as melhores previsões ainda continuam a
ser feitas por humanos, eventualmente servindo-se de computadores. Um projecto
particularmente interessante é o do psicólogo canadiano Philip Tetlock (n.
1954), autor do livro Superprevisões: A Arte e a Ciência da Previsão
(2015), escrito com Dan Gardner. A ideia dele, financiada por agências de
segurança dos Estados Unidos, é que se pode, com treino adequado, desenvolver
capacidades de previsão em pessoas que não são necessariamente génios.
O passado é o melhor guia
Há algumas coisas que podemos prever com confiança guiados pelo nossa experiência passada. Uma daquelas em que mais acredito – e tenho boas razões para acreditar - é de que, no futuro, vamos saber mais do que sabemos hoje. Já no século XVI, o médico português Garcia da Orta (c.1501-1568) escreveu, com manifesto optimismo, que “o que não sabemos hoje amanhã saberemos.” Foi nos séculos XVI e XVII – no tempo da chamada Revolução Científica – que surgiu o método científico que tem guiado o caminho da Humanidade desde então. O físico britânico David Deutsch (n. 1953) no seu livro O Início do Infinito (2011), diz que com a Revolução Científica se iniciou um processo sistemático de ampliação do conhecimento, uma vez que passámos a dispor de um meio para criar conhecimento seguro. No século XVIII surgiu, na sequência dessa Revolução, uma outra, a Revolução Industrial, que permitiu substituir o trabalho animal e algum trabalho humano por trabalho de máquinas (um marco foi a máquina a vapor de James Watt em 1776). Já não se via uma mudança tão grande na vida da Humanidade desde a Revolução Neolítica, há cerca de 10.000 anos, quando os caçadores–colectores passaram a fazer agricultura e pecuária perto das suas habitações, aglomeradas em povoações. No século XIX ocorreu uma segunda vaga da Revolução Industrial com a substituição gradual das máquinas a vapor por máquinas eléctricas (um marco foi o primeiro dínamo de Faraday em 1831). Já no século XX ocorreu uma terceira vaga da Revolução Industrial, com o desenvolvimento da electrónica (um marco foi a invenção do transístor em 1947) e dos computadores (marcos foram o aparecimento do computador pessoal em 1974 e a World Wide Web em 1990).
A Revolução Industrial levou a um crescimento explosivo da economia, um crescimento que continua nos tempos de hoje. É lícito esperar que essa tendência prossiga no futuro, isto é, que se produza cada vez mais riqueza, embora existam nítidas e persistentes desigualdades na sua distribuição.
A maior riqueza permitiu a mais gente ter acesso a um conjunto de bens que a ciência e a técnica foram proporcionando. O século XIX viu nascer, falando de inventos mais ligados à física: a telegrafia, eléctrica e sem fios, o telefone, a lâmpada eléctrica e a electrificação, os raios X, a bicicleta, o automóvel e o comboio. O século XX viu nascer o avião, a rádio e a televisão, a energia nuclear, os electrodomésticos, os computadores, os lasers e as fibras ópticas, os satélites e as viagens espaciais, a Internet e o GPS. Mas, nos dois últimos séculos, houve muitos outros inventos, incluido alguns ligados à química (os adubos, o plástico e a pílula anticoncepcional) e outros ligados à biologia e à medicina (o conhecimento dos gérmens, as vacinas, a aspirina, a penicilina, a estrutura do ADN e o projecto do genoma humano). Avanços no saneamento, na nutrição e na medicina conduziram a um contínuo aumento da longevidade humana que continua nos días de hoje. Baseado em todos esses avanços do passado, será seguro prever a continuação desse progresso material e do maior conforto do homem como habitante do planeta.
Erros de previsão
E, no entanto, algumas destas invenções, que hoje são banais nas nossas vidas, foram imprevisíveis. Ninguém previu, por exemplo, no alvor da última década do século pasado, o aparecimento da World Wide Web no CERN, um laboratório de ciência fundamental, nem o seu rápido crescimento em todo o globo, mudando completamente a nossa vida.
Mas já antes tinha havido
grandes dificuldades e falhas de previsão, tanto na ciência como na tecnología.
Alguns grandes nomes da ficção científica
como o francês Júlio Verne (1828-1905) fizeram
previsões bem sucedidas, como a da
viagem à Lua ou a de grandes viagens submarinas, mas no século XIX não era de
todo possível conceber o que seria o
século XX. Muitos sábios falharam. O físico norte-americano Albert Michelson
(1852-1931), coautor da famosa experiência que permitiu eliminar a hipótese do
éter como meio de propagação das ondas electromagnéticas, afirmou em 1894: “Parece
provável que a maior parte dos grandes princípios já estão firmemente
estabelecidos e que os avanços futuros precisam de ser procurados arduamente na
aplicação rigorosa desses princípios a todos os fenómenos de que temos
conhecimento. (…) As verdades futuras da física devem ser procuradas na sexta
casa decimal.” Não tinham ainda passados dez anos e já havia teorias
físicas completamente novas: a teoria quântica e a teoria da relatividade, que
haveriam de permanecer inabaláveis até aos dias de hoje. Houve quem tivesse
boas premonições. O britânico Lord Kelvin (1824-1907), um dos maiores físicos do século
XIX, numa conferência na Royal Institution de Londres em 1900, que havia, na
física clásica, dois pequenos problemas por resolver: “A beleza e a claridade da
teoria dinâmica, que coloca calor e luz como modos de movimento, está presentemente
obscurecida por duas nuvens.” Essas duas “nuvens” deram lugar às duas teorias
referidas, que são os pilares da física moderna e que, em particular a teoría
quântica, proporcionaram enormes transformações do nosso modo de vida.
No inicio do século XX houve algumas previsões que se
revelaram acertadas Por exemplo, o grande autor britânico da ficção científica
Herbert George Wells (1866-1946) previu as comunicações rápidas, a bomba
atómica, os lasers, a engenharia genética, etc. Mas outras pessoas notáveis falharam
nas suas previsões. O marechal francês Ferdinand Foch (1851-1929), professor de
Estratégia na Escola Superior de Guera em Paris, que seria comandante das
forças aliadas no frente oeste durante a Primeira
Guerra Mundial, declarou em 1911 que “os aviões são brinquedos
interessantes, mas não têm qualquer valor military.” No entanto, naquela guerra
os aviões começaram a revelar a sua enorme utilidade, tendo-se revelado
decisivos na guerra mundial seguinte.
Sobre os computadores,
que proliferaram no mundo de forma vertiginosa nos últimos 40 anos, também há
todo um reportório de previsões falhadas. Vejamos, como exemplos, os grandes
erros de três líderes norte-americanos da indústria informática. Em 1943, Thomas Watson
(1874-1956), fundador da IBM, afirmou: “Penso que no mundo só há mercado para talvez uns cinco computadores.” Mais
tarde, em 1977, Ken Olsen (1926-2011), fundador da, uma
companhia pioneira na indústria de computadores, declarou: “Não há nenhuma razão para que
um cidadão comum queira ter um computador em sua casa.” E Bill Gates (n. 1955), fundador da
Microsoft declarou, em 1981, que “Uma memória de 640 k deve ser suficiente para
qualquer pessoa”. Todas essas frases parecem-nos hoje ridículas. Houve, porém,
quem conseguisse fazer previsões acertadas a longo prazo. O engenheiro
norte-americano Gordon Moore (n. 1929), fundador da Intel, previu em 1965 que
os chips dos computadores iriam duplicar o número dos seus transistores
a cada 18 meses - a famosa lei de Moore-, e essa previsão acabou por ser
cumprida ao longo de décadas. Há quem diga que uma das razões é que a Intel
controlava a indústria…
Ninguém foi capaz de prever a libertação da energia nuclear, tal
como ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial. É certo que Pierre Curie
(1859-1906), o marido de Madame Curie e um dos pioneiros da radioactividade,
tinha dito, na sua Conferência Nobel em 1905: “Pode-se inclusive considerar que o
rádio pode tornar-se muito perigoso em mãos criminosas e, aqui, levanta-se a
questão quanto à capacidade da humanidade de se beneficiar do conhecimento dos
segredos da natureza, se está pronta para lucrar com isso e se essa sabedoria
não será prejudicial.” Mas ninguém podia adivinhar
o uso bélico dado à energia nuclear. Os militares não previram. Em 1945, o almirante
norte-americano William Leahy (1875-1959), disse ao presidente Truman em 1945 a
respeito da bomba atómica: “Esta é a maior tolice de
sempre. A bomba atómica nao explodirá nunca, e falo como especialista em
explosivos.” As explosões de Hiroshimna e Nagasaki calaram-no. Os átomos
passaram depois da guerra a servir para a paz, mas ninguém conseguiu prever
Chernobyl nem Fukushima. Assim como ninguém conseguiu prever quando haverá uma instalação prática que
permita fornecer energia nuclear de fusão, um dos santos grais da Física para
produzir energia limpa em abundância.
Sobre o espaço, a colocação em órbita do primeiro satélite
artificial, o Sputnik-1, em 1957, foi uma surpresa para muita gente. Em
particular, para os norte-americanos. Em resposta, o presidente John Kennedy
previu, em 1962 que os EUA seria o primeiro país a chegar à Lua, ainda antes do
fim dessa década, uma profecia que foi concretizada em 1969 graças aos
avultados meios colocados à disposição da NASA. É, como no caso da Intel, o que
se pode chamar uma profecia que se auto-realiza. Quando as leis da física o
permitem e o profeta tem os meios para concretizar a profecia, é fácil ser um profeta
bem sucedido.
Em contraste, as previsões feitas no século passado e mesmo
neste sobre a ida a Marte dificilmente se concretizaram. Eu próprio escrevi um
artigo em 1990 na revista Omnia (intitulado “A Difícil arte de prever o
futuro”) em que, com um optimismo temperado por um ponto de interrogação, dizia
que a primeira viagem a Marte poderia ocorrer em 2015. Já passaram cinco anos
sobre essa data e não só ainda não se foi ao planeta vermelho como ninguém
consegue prever com segurança quando se lá irá. A viagem é permitida pelas leis
da física e o grande roblema são os avultados meios para efectivar a viagem.
A aposta
Ehrlich-Simon
Há uma coisa que devemos aprender com a história no que respeita
à previsão do futuro. Não devemos nunca desprezar a capacidade humana de inovar
e, portanto, os desenvolvimentos tecnológicos que pode surgir. Nos anos 80
houve uma aposta envolvendo previsões que ilustra bem esta essa capacidade.
O norte-americano Paul Ehrlich (n. 1932), professor de Biologia na Universidade de Stanford, é um dos ecologistas mais conhecidos pelos seus avisos sobre os efeitos do crescimento populacional. Publicou em 1968 um livro, que se tornou rapidamente um clássico, sobre o crescimento populacional e suas consequências (A Bomba Populacional), que teve uma sequela (A Explosão da População, 1990). Nessas obras expôs as razões para temer para o futuro. Os motivos pareciam evidentes: A curva da população mundial estava a subir vertiginosamente, mas os recursos existentes na Terra para satisfazer as necessidades dessa população eram finitos. A certa altura teria de haver pessoas com necessidades.
Os pessimistas costumam ter optimistas por opositores. Julian Simon (1932 –1998), professor de Economia na Universidade de Maryland, depois de ter estudado a questão levantado por Ehrlich, concluiu que poderia haver um ou outro problema local relacionado com o excesso de habitantes na Terra, mas que no global não haveria problema nenhum. Quanto mais cabeças houvesse na Terra maior seria a pool de criatividade de onde novas ideias e soluções poderiam surgir. Simon publicou em 1980 na Science um artigo em que criticava as conclusões dos ecologistas pessimistas como Ehrlich. Se há mais gente a procurar mais matérias-primas e estas são limitadas, Ehrlich concluía que elas tinham de aumentar de preço, conforme manda a lei de oferta e da procura da economia. Errado, resplicou Simon, explicando: devido ao progresso das tecnologias que são necessárias para as suas extracção e transformação, o preço desses recursos não ia, a prazo, subir mas sim baixar. Ehrlich e Simon resolveram adoptar um exemplo concreto para confrontar as suas posições. Em 1980 fizeram uma aposta sobre o preço daí a dez anos de um conjunto de metais de utilização comum (cobre, crómio, estanho, níquel e tungsténio). Ehrlich previa que iam ser mais caros, ao passo que Simon previa que iam ficar mais baratos. Em 1990, foi a altura de verificar quem tinha ganho.
Ganhou
Simon. Corrigindo os preços para levar em conta a inflacção, esses metais
tinham de facto descido de preço. Aliás não era praticamente necessária essa
correcção porque a descida era bastante acentuada. Ehrlich não teve mais do que
pagar ao seu antagonista. As razões da descida de preço eram claras e
corroboravam a tese de Simon: tinham-se desenvolvido novas tecnologias de detecção
e extracção de jazidas metálicas e tinham-se substituído alguns materiais por
outros. Foram, designadamente, descobertas novas jazidas de níquel, o crómio
passou a ser extraído de uma forma mais eficaz, o tungsténio foi substituído por
cerâmica em utensílios de cozinha, e o cobre passou a ser substituído por fibra
óptica, que é feita de areia, muito mais abundante.
O boom
da população mundial
A questão do crescimento da população e
da escassez de recursos do planeta esteve também subjacente a um famoso
relatório do Clube de Roma, um grupo de notáveis fundado em 1968, que tem
debatido a economia, o ambiente e o desenvolvimento sustentável. O relatório intitulou-se Os Limites
do Crescimento (1972), elaborado por uma equipa
do MIT, contratada pelo
Clube de Roma e chefiada pela ecologista norte-americana Donella Meadows (1941-2001). A visão era pessimista: usando sofisticados
modelos matemáticos, os cientistas do MIT chegaram
à conclusão de que o planeta não suportaria o crescimento populacional devido à
pressão gerada sobre os recursos naturais, incluindo as
fontes de energia, e devido ao aumento da poluição, mesmo levando em conta os previsíveis
avanços
tecnológicos. Haveria problemas na qualidade de vida, a começar
logo pela saúde. O relatório vendeu mais de 30 milhões de exemplares em 30
línguas, tendo-se tornado o livro sobre ambiente mais vendido de sempre.
Mas, décadas volvidas, podemos confrontar
com a realidade as conclusões do relatório Meadows. Vários analistas concluíram
que as equações dos modelos eram muito sensíveis a pequenas variações de alguns
parâmetros, pelo que as suas previsões não se podiam considerar fiáveis. Além
disso, ocorreram inovações, que, por definição, são imprevistas.
A previsão do crescimento da população mundial resistiu à prova do
tempo. Projecções da ONU têm augurado o crescimento contínuo dessa população,
que ultrapassou há pouco tempo os sete mil milhões de pessoas, de modo a
ultrapassar os dez mil milhões antes do fim do actual século (em 2019 a ONU previa
que os habitantes da Terra seriam 10,9 mil milhões nessa altura). No entanto,
essas previsões podem revelar-se falíveis. Segundo um estudo do Instituto de
Medição e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington, publicado em Julho
de 2020, no fim do corrente século a população mundial estará dois mil milhões
abaixo das previsões da ONU. Haverá um pico de 9,7 mil milhões por volta do ano
2064, caindo para 8,8 mil milhões em 2100. A razão é a queda da natalidade em
numerosos países. Portugal é um exemplo concreto: devido à falta de
nascimentos, a população portuguesa cairá para metade antes do fim do século,
tornando-se um dos países mais envelhecidos do mundo. À escala global, essas
são boas notícias para o ambiente, uma vez haverá menos pressão sobre ele. Mas
para a economia dos países com maior decréscimo populacional, como é o caso
português, as notícias não são boas. Não se vê como melhorar a situação a não
ser com incentivos à natalidade e à imigração.
O clima e a energia
O relatório do Clube de Roma não foi alarmante sobre o
aquecimento global. Esse é, porém, um problema que a ciência tem vindo desde
então, e cada vez mais, a evidenciar, chamando a atenção dos políticos e da
população em geral. Não restam dúvidas de que o nosso planeta está, em média, a
aquecer e que esse aquecimento se deve à acção humana, designadamente aos
processos de produção de energia, industriais e de mobilidade que levam a
emissões de dióxido de carbono, que causam um excesso de efeito estufa. O Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU tem produzido sucessivos
relatórios alertando para as consequências em vários domínios que vão da
meteorologia à saúde, passando pela biodiversidade. Fala-se até de uma nova
era, o Antropoceno, caracterizada pelo nefasto primado da acção humana sobre o
ambiente. Em 1997 foi assinado o Protocolo de Quioto, uma resposta política
global á ameaça anunciada. Na sua sequência, foi, em 2015, assinado o Tratado
de Paris por quase todos os países do mundo (os Estados Unidos assinaram, mas
não ratificaram), um acordo para a diminuição das emissões de dióxido de
carbono. As previsões sobre o clima e o ambiente a curto e médio prazo são
feitas com bastante segurança, mas, como o problema é extremamente complexo,
existe alguma incerteza quanto à amplitude da questão num prazo mais longo. Este
é decerto um dos problemas maiores do nundo de hoje e paira a dúvida sobre o
que vai acontecer.
Mais uma vez, como no caso da aposta Ehrlich-Simon é bastante
possível que a inovação venha em nosso auxílio. Há já muito que se desenvolvem
e aplicam tecnologias para obter energias por fontes alternativas aos
combustíveis fósseis (recorrendo às energias eólica, solar, hídrica, etc.), que
se procuram processos industriais mais sustentáveis (com menores emissões de
gases de efeito estufa), e que se desenvolvem veículos com menos ou nenhumas
emissões (os veículos híbridos ou eléctricos).
O caso do petróleo é particularmente interessante. Vários especialistas
têm tentado prever o fim do petróleo, uma vez que as reservas são evidentemente
limitadas. Alguns disseram que estava quase a acabar. Mas o facto é que as
novas tecnologias, como a extracção do petróleo de xisto, levaram a que ainda
tenhamos reservas para cerca de 50 anos, continuando o consumo actual. A
procura está a baixar, como é indicado pelos preços que, em média, estão a descer
desde 2008 (na actual crise pandémica atingiu-se um mínimo de duas décadas). Embora
seja desejável não depender dos combustíveis fosseis, o certo é que ainda
dependemos em larga medida e não sabemos bem quando estaremos em condições de
deixar de depender. Apesar dos seus riscos, o tema da energia nuclear voltou à
baila, uma vez que não tem emissões de dióxido de carbono. Fala-se hoje muito
em economia do hidrogénio, mas as previsões da sua implementação são muito
incertas.
Os computadores e o futuro
Um
desenvolvimento tecnológico vertiginoso e em larga medida inesperado ocorreu na
área dos computadores. Se o mesmo desenvolvimento tivesse ocorrido na indústria
automóvel hoje andaríamos de Ferrari pelo preço de uma bicicleta. São os nossos
computadores mais poderosos que nos permitem fazer previsões sobre o futuro:
num certo sentido, são as nossas bolas de cristal. No início da década de 60,
quando os computadores pessoais ainda não existiam e a computação implicava
grandes e dispendiosos monstros electrónicos, previa-se o triunfo a curto prazo
da inteligência artificial, com os computadores a desempenharem muitas das
tarefas humanas. Mas, apesar de o progresso ter sido lento, hoje o tema da
inteligência artificial voltou em força (um marco desse desenvolvimento foi a
derrota, em 1997, do campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, num jogo com uma
máquina da IBM). Há quem anteveja que a inteligência artificial se vai desenvolver
de tal maneira que haverá o que se chama uma “singularidade” daqui a cerca de
30 ou 40 anos, quando os computadores tiverem mais capacidade do que o cérebro
humano. Seria o que poderíamos chamar “fim da história humana” e o começo de
uma “história transhumana”.
A ideia, apesar de ser hoje muito debatida (Stephen Hawking e Ellon Musk chamaram a atenção para o perigo
de um futuro transhumano) não é propriamente nova. O engenheiro norte-americano
de origem austríaca Hans Moravec (n. 1948), da Universidade de Carnegie-Mellon,
previu no seu livro Homens e Robôs. O futuro das inteligências humana e
robótica (1988), que robôs inteligentes iriam acabar por prevalecer sobre
os seus criadores. Tal supremacia deveria correr cerca do ano 2040. Por essa altura, poder-se-ia
fazer o download da mente humana para dentro de um robô, assegurando
assim uma vida eterna. Em defesa da sua tese, Moravec confessa que nunca
percebeu por que razão o Pinóquio, um boneco de pau, queria ser humano. Ele em
criança sonhava ser Pinóquio, o que lhe garantia uma recupeação fácil na
oficina do Mestre Gepeto em caso de um eventual acidente. O professor de Robótica
diz que as pessoas preferirão ser robôs, com o hardware imperecível, e
um software com capacidade para expansão para além dos actuais e frágeis
limites humanos.
Não sei, tenho dúvidas… Os computadores são
velozes processadores de informação, mas não são ainda conscientes. Nem se sabe
se algum dia poderão ser: não falte quem diga que não. E, para um futuro
decente, a consciência é essencial.
2 comentários:
Podemos fazer futurologia em muitos domínios. Não que possamos garantir que algo vai acontecer. Nem sequer que vamos morrer. A este propósito, o cristianismo capitalizou uma brecha lógica na causalidade, como uma esperança ou uma maldição, ao proclamar que Cristo, de novo, há-de vir, para julgar os vivos e os mortos, e o seu reino não terá fim, deixando aos crentes a esperança de que, se se portarem bem, até poderão ter a sorte de não morrer, assistindo a essa vinda redentora, que ninguém sabe quando será. Por outro lado, a ciência é uma constatação de que se produzirmos uma determinada causa podemos esperar um determinado efeito, mas não podemos dar esse efeito como certo, enquanto ele não se verificar.
Podemos questionar se tudo é causa e se tudo é efeito. Nem todas as causas produzem efeitos? Nem toda a causa produz os mesmos efeitos? Há efeitos sem causa? Que efeitos podemos atribuir a uma causa, no sentido em que nos é possível, com os nossos conhecimentos e tecnologias, verificar isso?
Quer-me parecer que nem com todos os conhecimentos de que hoje dispomos, nomeadamente dos efeitos e das causas, ou destas por aqueles, seríamos capazes de determinar minimamente, todas as causas desses efeitos e menos ainda muitas das causas dessas causas.
Ora, se é tão difícil e complexo, para não dizer impossível, conhecer as causas pelos efeitos, ou seja, "adivinhar" o passado, quanto mais difícil não será "adivinhar" o futuro, ou seja, a partir do conhecimento das causas (aparentemente elas estão no nosso campo de observação actual) prever os efeitos.
Aquilo que, na economia do pensamento abstracto seria uma inferência, por indução, ou dedução, na economia dos factos e da acção concreta, revela-se um quebra-cabeças, justamente, porque poder ser, literalmente, um quebra-cabeças.
Não sei se a consciência é fundamental para um futuro decente. Todos temos consciência e não nos está assegurado um futuro decente. Talvez a consciência atrapalhe e nos desvie da natural causa-efeito, fornecendo-nos um mapeamento de caminhos e atalhos inválidos, ilógicos e sem saída. Chegámos até aqui e mais longe chegaremos e será sempre longe a distância do chegar ao "paraíso" de Pinóquio ou de Cristo porque o(s) menino de GepETO é uma mentira que evoluiu da madeira para a carne ou, no segundo caso, da carne para a madeira, sem perder a condição de nada ser.
Processar informação é a única forma de consciência que nos é possível, como um copo que retém um pouco de água. Há diferença entre nós e os robôs?
Enviar um comentário