sábado, 16 de maio de 2020

DIA INTERNACIONAL DA LUZ



Na foto: Maiman em 1960 com uma réplica ampliada do primeiro laser

Faz hoje, 16 de Maio, Dia Internacional da Luz (por determinação da UNESCO, desde 2015, que foi o Ano Internacional da Luz), 60 anos que o físico norte-americano Theodor Maiman que o físico norte-americano Theodore Maiman pôs a funcionar, no Hughes Research Laboratory, em Malibu, arredores de Los Angeles, na Califónia, o primeiro laser, feito de rubi, activado por uma lâmpada de flash.

A palavra laser, que hoje se tornou comum, era muito nesse tempo, muito recente e, portanto, praticamente desconhecida da maioria das pessoas. Laser é a abreviatura de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, amplificação de luz por emissão estimulada de radiação (maser é o acrónimo da mesma expressão, com light substituído por microwave). A ideia já andava no ar, até porque existiam já lasers de mico ondas.  O termo foi cunhado em 1957 por Gordon Gould, um norte-americano, estudante de doutoramento na Universidade de Columbia, Nova Iorque, que esboçou num bloco-notas o nome e algumas ideias base da nova tecnologia. Gould haveria mais tarde de conduzir, com sucesso, uma batalha jurídica de trinta anos para obter os direitos da patente do laser. Um dos meios de prova de que serviu foi a autentificação que fez numa loja comercial com data e carimbo nas apostos nas folhas do seu bloco. Esse investigador, que trabalhava numa empresa privada, haveria de ficar milionário ao ver finalmente os seus direitos reconhecidos, embora tenha tido de pagar aos seus advogados uma boa parte daquilo que recebeu.

O procedimento prático pode ter sido, pelo menos em parte, criado por Gould. Mas a ideia de laser é uma das muitas ideias geniais que o maior físico do século XX, Albert Einstein, nos legou. Não, ele nunca viu a luz laser por ter falecido em 1955. A ideia teórica do laser é de 1907 -  fez cem anos em 2017 - e é bastante simples. Como um átomo existir em vários níveis de energia, Einstein pensou em promover por meio de absorção de luz um conjunto de átomos  para um estado excitado e depois provocar o seu decaimento simultâneo para em estado de energia mais baixo, emitindo luz. Esta emissão de luz é coerente – as ondas de luz somam-se e o feixe de luz é forte e alinhado – e tem um comprimento de onda bem definido - no caso da luz visível tem uma só cor.

A concretização prática da ideia demorou muito tempo. Só em 1954, após a Segunda Guerra Mundial, com o grande desenvolvimento da radiação de microondas (que teve ligada à invenção do radar durante o conflito) se construiu o primeiro laser de microondas, que veio a ser chamado maser (m de microondas), e só em 1960 se conseguiu construir o primeiro laser de luz visível, a que alguns chamaram maser óptico.  A diferença entre as microondas, que usamos hoje nos fornos de cozinha e nos telemóveis, e a luz visível, que é recolhida pelos nossos olhos, reside nos comprimentos de onda, que são maiores para as micro-ondas.

Ainda hoje permanece em disputa entre os historiadores de ciência a autoria do aparelho emissor de laser: devem ser apenas creditados Maiman e Gould, ou ainda um professor de Gould na Universidade de Columbia, o também norte-americano Charles Townes, que tinha sido um dos criadores do maser (trabalhou para a Bell Laboratories durante a guerra no desenvolvimento de sistemas de radares). Em 1958, Townes escreveu, juntamente com o seu cunhado Arthur Schachlow, um artigo onde expunha em pormenor as bases conceptuais do laser, inspiradas no génio de Einstein. Os dois receberam o Prémio Nobel, o primeiro em 1964 e o segundo em 1981. Townes dividiu o seu prémio, atribuído “pelo trabalho fundamental no campo da electrónica quântica, que levou à construção de osciladores e amplificadores baseados no princípio maser-laser”, com dois físicos russos Nicalay Basov e Aleksandr Prokhorov, que, nesses tempos de Guerra Fria, trabalhavam no mesmo assunto do outro lado do muro de Berlim, praticamente sem contacto com o Ocidente. Nem Maiman nem Gould foram distinguidos pela Academia Sueca. A invenção do laser é tão remota, que todos esses investigadores já faleceram. De entre eles, Townes foi o que viveu mais tempo: faleceu em 27 de Janeiro de 2015, quando ia em breve completar a bonita idade de cem anos. Ainda viveu a tempo de assistir, ainda que à distância, ao começo em Paris, a 19 de Janeiro de 2015,  ao começo das celebrações de 2015 -  Ano Internacional da Luz. Eu estava em Paris, como Comissário Nacional para o Ano da Luz. E também lá esteve José Mariano Gago, na que deve ter sido a sua última intervenção pública. Eu e o Pedro Pombo, da Universidade de Aveiro, que me acompanhava na delegação portuguesa, falámos com ele em conversa amena. Nada nos fez prever que foi a última vez que o vimos. Faleceu daí a cerca de três meses, em 17 de Abril de 2015. Gago tem uma curiosíssima ligação ao laser: o seu dia de aniversário é a 16 de Maio: a 12 de Maio de 1960, festejou doze anos. Morreu precocemente: como seria bom festejar com ele, no Dia Internacional da Luz, os seus 72 anos!

A ciência, como foi o caso da ciência de Einstein, é mãe de tecnologia, nalguns casos tão poderosa como surpreendente. Mas a tecnologia também é criadora de ciência. Foram numerosos os prémios Nobel da Física atribuídos após os anos 60 do século passado por invenções e descobertas baseadas em luz laser: em 1971 o Nobel da Física foi atribuído pela ideia da holografia, assente no laser. Em 1981 foi dado pelo desenvolvimento da espectroscopia laser. Em 1997, foi concedido pelo arrefecimento e aprisionamento em átomos com luz laser  E, em 2000, distinguiu os construtores de lasers de semicondutores. Actualmente os lasers tornaram-se instrumentos banais em laboratórios de física, química e engenharia.

Hoje vivemos em tempo de laser. Eles estão literalmente por todo o lado. É  impossível imaginar a nossa vida sem impressoras laser, sem apontadores laser, sem os CD e DVD com músicas e filmes que são lidos com luz laser, sem a leitura óptica dos códigos de barras nos supermercados, sem a transmissão de informação na Internet via laser através de fibra óptica, sem as várias formas de cirurgia laser, sem cortes industriais a laser, sem fisioterapia ou depilação a  laser, sem espectáculos de luz laser, etc. Townes, Schachlow, Basov e Prokhorov, quando congeminaram os protótipos de maser e  laser, Gould, quando escreveu o novo nome e propôs a nova tecnologia, e Maiman, quando viu pela primeira vez a luz laser irradiada pelo rubi, de um vermelho intenso, não podiam imaginar a enorme quantidade de aplicações que, décadas volvidas, o laser teria. Quando Maiman deu à luz o primeiro laser de luz visível, foi dito que era de “uma solução à procura de um problema”. Não encontrou apenas um problema, mas sim muitos, tendo-os resolvido a todos, com proveito e agrado gerais. O laser é um exemplo de como a investigação científica pode ser feita sem interesses comerciais imediatos para depois, quase como um bónus inesperado, aparecer todo um conjunto de aplicações que ganham um enormíssimo mercado. Talvez se soubessem a história do laser os políticas percebessem o valor da investigação fundamental, proporcionado os adequados meios para que ela se desenvolva. O lucro é, em primeiro lugar, a compreensão do mundo. Depois, pode também ser económico e social. Mas repare-se na ordem..

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