Na foto: Maiman em 1960 com uma réplica ampliada do primeiro laser
Faz hoje, 16 de Maio, Dia Internacional da Luz
(por determinação da UNESCO, desde 2015, que foi o Ano Internacional da Luz),
60 anos que o físico norte-americano Theodor Maiman que o físico
norte-americano Theodore Maiman pôs a funcionar, no Hughes Research Laboratory,
em Malibu, arredores de Los Angeles, na Califónia, o primeiro laser, feito de rubi,
activado por uma lâmpada de flash.
A palavra laser, que hoje se tornou comum, era
muito nesse tempo, muito recente e, portanto, praticamente desconhecida da
maioria das pessoas. Laser é a abreviatura de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation,
amplificação de luz por emissão estimulada de radiação (maser é o acrónimo da
mesma expressão, com light
substituído por microwave). A ideia já
andava no ar, até porque existiam já lasers de mico ondas. O termo foi cunhado em 1957 por Gordon Gould,
um norte-americano, estudante de doutoramento na Universidade de Columbia, Nova
Iorque, que esboçou num bloco-notas o nome e algumas ideias base da nova
tecnologia. Gould haveria mais tarde de conduzir, com sucesso, uma batalha
jurídica de trinta anos para obter os direitos da patente do laser. Um dos
meios de prova de que serviu foi a autentificação que fez numa loja comercial
com data e carimbo nas apostos nas folhas do seu bloco. Esse investigador, que
trabalhava numa empresa privada, haveria de ficar milionário ao ver finalmente
os seus direitos reconhecidos, embora tenha tido de pagar aos seus advogados
uma boa parte daquilo que recebeu.
O procedimento prático pode ter sido, pelo menos
em parte, criado por Gould. Mas a ideia de laser é uma das muitas ideias geniais
que o maior físico do século XX, Albert Einstein, nos legou. Não, ele nunca viu
a luz laser por ter falecido em 1955. A ideia teórica do laser é de 1907 - fez cem anos em 2017 - e é bastante simples. Como
um átomo existir em vários níveis de energia, Einstein pensou em promover por
meio de absorção de luz um conjunto de átomos
para um estado excitado e depois provocar o seu decaimento simultâneo para
em estado de energia mais baixo, emitindo luz. Esta emissão de luz é coerente –
as ondas de luz somam-se e o feixe de luz é forte e alinhado – e tem um comprimento
de onda bem definido - no caso da luz visível tem uma só cor.
A concretização prática da ideia demorou muito
tempo. Só em 1954, após a Segunda Guerra Mundial, com o grande desenvolvimento
da radiação de microondas (que teve ligada à invenção do radar durante o
conflito) se construiu o primeiro laser de microondas, que veio a ser chamado
maser (m de microondas), e só em 1960 se conseguiu construir o primeiro laser de
luz visível, a que alguns chamaram maser óptico. A diferença entre as microondas, que usamos
hoje nos fornos de cozinha e nos telemóveis, e a luz visível, que é recolhida
pelos nossos olhos, reside nos comprimentos de onda, que são maiores para as micro-ondas.
Ainda hoje permanece em disputa entre os
historiadores de ciência a autoria do aparelho emissor de laser: devem ser apenas
creditados Maiman e Gould, ou ainda um professor de Gould na Universidade de
Columbia, o também norte-americano Charles Townes, que tinha sido um dos
criadores do maser (trabalhou para a Bell Laboratories durante a guerra no
desenvolvimento de sistemas de radares). Em 1958, Townes escreveu, juntamente
com o seu cunhado Arthur Schachlow, um artigo onde expunha em pormenor as bases
conceptuais do laser, inspiradas no génio de Einstein. Os dois receberam o
Prémio Nobel, o primeiro em 1964 e o segundo em 1981. Townes dividiu o seu
prémio, atribuído “pelo trabalho fundamental no campo da electrónica quântica,
que levou à construção de osciladores e amplificadores baseados no princípio
maser-laser”, com dois físicos russos Nicalay Basov e Aleksandr Prokhorov, que,
nesses tempos de Guerra Fria, trabalhavam no mesmo assunto do outro lado do
muro de Berlim, praticamente sem contacto com o Ocidente. Nem Maiman nem Gould
foram distinguidos pela Academia Sueca. A invenção do laser é tão remota, que todos
esses investigadores já faleceram. De entre eles, Townes foi o que viveu mais
tempo: faleceu em 27 de Janeiro de 2015, quando ia em breve completar a bonita
idade de cem anos. Ainda viveu a tempo de assistir, ainda que à distância, ao
começo em Paris, a 19 de Janeiro de 2015, ao começo das celebrações de 2015 - Ano Internacional da Luz. Eu estava em Paris,
como Comissário Nacional para o Ano da Luz. E também lá esteve José Mariano Gago,
na que deve ter sido a sua última intervenção pública. Eu e o Pedro Pombo, da
Universidade de Aveiro, que me acompanhava na delegação portuguesa, falámos com
ele em conversa amena. Nada nos fez prever que foi a última vez que o vimos. Faleceu
daí a cerca de três meses, em 17 de Abril de 2015. Gago tem uma curiosíssima
ligação ao laser: o seu dia de aniversário é a 16 de Maio: a 12 de Maio de 1960, festejou doze anos. Morreu precocemente: como seria bom festejar
com ele, no Dia Internacional da Luz, os seus 72 anos!
A ciência, como foi o caso da ciência de
Einstein, é mãe de tecnologia, nalguns casos tão poderosa como surpreendente.
Mas a tecnologia também é criadora de ciência. Foram numerosos os prémios Nobel
da Física atribuídos após os anos 60 do século passado por invenções e
descobertas baseadas em luz laser: em 1971 o Nobel da Física foi atribuído pela
ideia da holografia, assente no laser. Em 1981 foi dado pelo desenvolvimento da
espectroscopia laser. Em 1997, foi concedido pelo arrefecimento e
aprisionamento em átomos com luz laser
E, em 2000, distinguiu os construtores de lasers de semicondutores.
Actualmente os lasers tornaram-se instrumentos banais em laboratórios de
física, química e engenharia.
Hoje vivemos em tempo de laser. Eles estão literalmente
por todo o lado. É impossível imaginar a
nossa vida sem impressoras laser, sem apontadores laser, sem os CD e DVD com
músicas e filmes que são lidos com luz laser, sem a leitura óptica dos códigos
de barras nos supermercados, sem a transmissão de informação na Internet via
laser através de fibra óptica, sem as várias formas de cirurgia laser, sem
cortes industriais a laser, sem fisioterapia ou depilação a laser, sem espectáculos de luz laser, etc.
Townes, Schachlow, Basov e Prokhorov, quando congeminaram os protótipos de maser
e laser, Gould, quando escreveu o novo
nome e propôs a nova tecnologia, e Maiman, quando viu pela primeira vez a luz
laser irradiada pelo rubi, de um vermelho intenso, não podiam imaginar a enorme
quantidade de aplicações que, décadas volvidas, o laser teria. Quando Maiman deu
à luz o primeiro laser de luz visível, foi dito que era de “uma solução à procura de um problema”.
Não encontrou apenas um problema, mas sim muitos, tendo-os resolvido a todos,
com proveito e agrado gerais. O laser é um exemplo de como a investigação científica
pode ser feita sem interesses comerciais imediatos para depois, quase como um
bónus inesperado, aparecer todo um conjunto de aplicações que ganham um enormíssimo
mercado. Talvez se soubessem a história do laser os políticas percebessem o
valor da investigação fundamental, proporcionado os adequados meios para que
ela se desenvolva. O lucro é, em primeiro lugar, a compreensão do mundo.
Depois, pode também ser económico e social. Mas repare-se na ordem..
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